Tratamento humanizado de médicos cubanos vai deixar saudade
Estudo da UnB mostra que tratamento humanizado de médicos cubanos ajuda a criar vinculo com o paciente, que adere melhor ao tratamento e sofre menos
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O atendimento dos médicos cubanos é mais cuidadoso e humanizado, favorecendo a criação de vínculo entre o médico e o paciente, o que contribui para melhorar a adesão ao tratamento e, consequentemente, evitar complicações e internações.
As conclusões, de um estudo feito pelo Grupo de Pesquisa Mais Médicos, da Universidade de Brasília (UnB), ajudam a entender porque todos estão lamentando o fim da participação dos cubanos no Programa Mais Médicos – dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), aos gestores, conselheiros de saúde de municípios, coordenadores de redes de atenção básica e demais profissionais que integram as equipes de saúde da família, de acordo com matéria exclusiva da repórter Conceição Lemes, do Viomundo.
“Uma das grandes vantagens da assistência humanizada é que favorece a criação de vínculo entre o médico e o paciente, melhorando adesão ao tratamento’’, destaca a professora e pesquisadora Leonor Pacheco, coordenadora do grupo de pesquisa da UnB.
”Ao aderir ao tratamento, os pacientes frequentam mais as UBSs [Unidades Básicas de Saúde] para acompanhamento de rotina, evitando complicações mais graves e descongestionando as urgências e emergências’’, observa Leonor Pacheco, que é professora da Faculdade de Ciências da Saúde da UnB.
O estudo sobre o Programa Mais Médicos foi baseado nos bancos de dados do Ministério da Saúde e entrevistas feitas em 32 municípios das cinco regiões do país.
Interiorização e maior equidade de acesso
Desde a sua criação, o Programa Mais Médicos sempre priorizou os profissionais brasileiros.
Porém, na primeira chamada apenas 1.096 se candidataram. Esses brasileiros e outros 522 estrangeiros foram contratados, totalizando 1.618 médicos.
Ou seja, apenas 10,4% dos 15.460 médicos solicitados pelos 3.551 municípios que aderiram ao programa na sua primeira chamada, em julho de 2013.
Essa distância gritante entre a oferta e a demanda levou então o Brasil a firmar o acordo de cooperação internacional com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) para a vinda de médicos cubanos.
Nos primeiros 12 meses, o programa recrutou 14.462 médicos, sendo 79% cubanos, 16% brasileiros e 5% de outras nacionalidades.
Resultado: redução de municípios com extrema carência de médicos, ou seja, com menos de 1 médico por mil habitantes.
Não existe um número ideal, absoluto, de médicos por habitantes.
Esse número depende do modelo de atenção básica e das condições da população.
A maioria dos países com bons sistemas de saúde tem 3 médicos por 1 mil habitantes.
O Reino Unido, usado como referência para o Mais Médicos, tem 2,7 médicos por 1 mil habitantes.
Mas, abaixo de 1 médico por 1 mil habitantes, é considerado crítico.
O estudo da UnB revela que, antes do Mais Médicos, apenas 823 municípios tinham 1 médico por 1.000 habitantes.
Um ano após a criação do Programa, 991 municípios já atingiam o patamar de 1 médico por 1.000 habitantes.
Nesse mesmo período, o número de municípios com menos de 1 médico por 1.000 habitantes caiu de 374 para 95.
Redução de 75%, como mostram os dois mapas abaixo.
“O Programa teve a contribuição ímpar de atrair e fixar médicos em áreas remotas, de difícil acesso, com populações historicamente desassistidas, como indígenas e quilombolas rurais’’, ressalta Leonor Pacheco.
O programa enviou 3.390 médicos para municípios que tinham comunidades quilombolas rurais e 294 para trabalhar nos Distritos Sanitários Indígenas.
”Pela primeira vez, desde a criação do subsistema de saúde indígena no SUS, foi possível garantir a presença de médicos em todos os 34 distritos sanitários indígenas’’, enfatiza a professora. ‘’Cobertura de 100%’’.
A interiorização das ações e a melhor distribuição de médicos contribuíram para:
*garantir maior equidade no acesso e utilização dos serviços de saúde;
*desenvolver a atenção médica em municípios onde antes não havia profissionais;
*fortalecer e aumentar a cobertura da Atenção Primária em Saúde.
Atores do SUS falam sobre os médicos cubanos
Do Grupo de Pesquisa Mais Médicos, além da professora Leonor Pacheco, fazem parte: Ana Costa, André Moura, Felipe Oliveira, Fernando Carneiro, João Paulo Oliveira, Josélia Souza, Lucélia Pereira, Sábado Girardi, Sidclei Queiroga, Ximena Bermudez e Yamila Gomes.
Como dissemos no início, todos os atores do SUS foram ouvidos sobre o programa e os médicos cubanos.
Segue o que a pesquisa da UnB revela sobre a avaliação de cada um deles.
Profissionais das equipes de saúde da família
Eles afirmam que a inserção dos médicos cubanos no programa:
*Colaborou efetivamente para disponibilizar médicos para atender às necessidades da população, além de ampliar o acesso à assistência com maior qualidade e integralidade.
*Melhorou o acolhimento, vínculo e respeito devido à valorização da condição humana dos usuários.
* Foi determinante para os avanços na atenção básica das localidades onde os cubanos estavam inseridos devido à imensa disposição deles para resolver os problemas de saúde das pessoas.
*No interior das equipes, eles se integraram no processo de trabalho multi-profissional, favorecendo o fortalecimento da atenção primária.
Usuários do SUS atendidos por médicos cubanos
Os pacientes referem:
*Aumento da satisfação com a atenção básica e a capacidade de resposta dos serviços.
São várias as evidências nesse sentido. Por exemplo, atendimento na hora marcada, demanda espontânea de pacientes que não estavam agendadas, visitas domiciliares e diminuição do tempo de espera até a realização de consulta médica.
*Pela primeira vez na vida, muitos tiveram acesso a consulta médica; antes não havia atenção médica regular no município.
*Satisfação com a atenção, sensibilidade, respeito, trato humanizado e disponibilidade dos médicos cubanos. Em resumo: dignidade na assistência.
Sobre os médicos cubanos, os usuários destacam ainda:
*Responsabilidade em permanecer no município para o qual foi designado pelo Programa Mais Médicos.
*Compromisso com a população na consulta médica, na relação médico-paciente, na efetiva resolução dos problemas, por meio do estabelecimento de relações horizontais, mais próximas e afetivas. Enfim, ouvir, olhar, examinar, cuidar.
Conselheiros de saúde dos municípios estudados
Eles mencionam:
*Melhoria da qualidade da atenção básica no local de atuação dos médicos cubanos.
*Avanços na saúde da população rural, já que foi incorporada como cenário da atenção básica.
*Em relação à consulta médica, referem mais amor, atenção, cuidado.
* Diminuição da necessidade de consultas de urgência devido à permanência dos médicos na UBS.
‘’Doentes crônicos, principalmente os hipertensos e diabéticos quando bem monitorados e controlados, deixam de apresentar crises agudas de suas doenças e passam a não precisar mais de internações ou outros procedimentos mais agressivos e custosos’’, justifica Leonor Pacheco.
Cubanos do Programa Mais Médicos
Eles também foram entrevistados para a pesquisa, e falam por eles mesmos:
*Dedicam tempo maior de consulta em comparação ao que a população estava acostumada; consideram isso é necessário para fazer uma avaliação clínica detalhada de cada paciente e do seu prontuário.
*Nas visitas domiciliares, eles aplicam um olhar integral ao paciente, família e ambiente.
* Observaram a carência prévia de atenção médica nas comunidades.
*Detectaram com preocupação o grande consumo de medicamentos, especialmente psicofármacos sem o devido controle.
* Conseguiram encaminhar pacientes para acompanhamento psiquiátrico.
Gestores municipais (secretários de Saúde e coordenadores de atenção básica)
Eles também fizeram elogios à atuação dos médicos cubanos:
* Melhoria de indicadores de saúde da atenção básica, como pré-natal, visitas domiciliares, melhor acesso à rede e à humanização do cuidado, além da vigilância à saúde.
* Atendimento minucioso, tempo adequado de consulta, melhora na qualidade da consulta médica, realização de exame físico completo, uso racional de medicamentos, respeito e responsabilidade no acompanhamento dos casos, preocupação em resolver os problemas dos pacientes e cumprimento de horários.
*Atuam na prevenção e promoção da saúde, e não somente atendendo usuários doentes.
* Buscam garantir o atendimento dos usuários, seja nas UBS ou em visitas domiciliares, procurando respeitar suas especificidades, inclusive culturais.
Resultado: significativa redução de hospitalizações por causas evitáveis e satisfação da população com os serviços de saúde.
Com a saída dos médicos cubanos, uma tragédia se avizinha
Diante de tudo isso, não é preciso ter bola de cristal para prever o imenso impacto que a saída dos 8.500 médicos cubanos terá.
É uma tragédia anunciada que atingirá 29 milhões de brasileiros.
As tabelas e mapas abaixo ajudam a visualizar onde isso acontecerá
A tabela e o mapa Percentual de população desassistida mostra a porcentagem da população de cada estado que ficará sem assistência com a saída das médicos cubanos.
No Acre, será 32%. Seguem de perto, Rondônia e Amapá com 27% e 26% cada, respectivamente.
A população de todos os estados da região Norte será afetada em proporção maior que a média do Brasil, que é de 12%.
A tabela e o mapa Percentual de municípios com perda total de assistência médicareferem-se àqueles municípios que só contam com a presença dos médicos cubanos.
O destaque é Rondônia: um quarto dos municípios sem nenhum médico.
O Rio Grande do Sul vem em segundo lugar: 17%.
Em todo o Brasil, serão quase 6% dos municípios sem médico algum.
A tabela e o mapa Número de municípios com perda total de assistência médicaapresentam quantas cidades em cada Estado ficarão sem nenhum médico com a saída dos cubanos.
Em números absolutos nos estados do Sul e Sudeste está localizado o maior numero de municípios nesta situação. Destaque para RS, SP, MG SC e PR.
Em todo o Brasil, serão 367 os municípios sem nenhum médico.
Por CUT