Violência contra a população trans: vidas transformadas em números
Em 2018, 163 pessoas trans foram assassinadas no Brasil. O país lidera o ranking de assassinatos dessa população, mesmo assim suas vidas e mortes são invisibilizadas
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Quelly, Rogéria, Aysla: são os nome das mulheres que entre tantas outras além de serem invisibilizadas durante a vida, foram apagadas também em suas mortes. Os jornais se recusam a nominá-las, são chamadas de travestis. No dia Nacional da Visibilidade Trans é importante lembrar que elas tem nomes, não são apenas parte de um número que coloca o Brasil como o país que mais mata trans e travestis no mundo.
Quelly da Silva, travesti de 35 anos, teve seu coração arrancado por um homem com motivações transfóbicas. Ele declarou que ela era um “demônio” e por isso colocou a imagem de uma santa em seu corpo, no lugar onde antes batia seu coração. Rogéria Paiva, também travesti, tinha 46 anos, líder comunitária no município de Maracanaú, em Aracaju, foi assassinada a tiros no final do ano de 2018. Aysla Souza, 19 anos, morta a pauladas em Barra Mansa, no Rio de Janeiro.
Vidas tiradas pela transfobia, pelo preconceito enraizado de uma sociedade que cultua o machismo e despreza o que foge ao padrão imposto. “O assassinato de uma pessoa trans manda um recado: o de que não temos o direito de existir”, é o que afirma a presidenta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Keila Simpson.
Violência contra a população trans
O Dossiê dos Assassinatos e da Violência contra Travestis e Transexuais no Brasil em 2018, realizado pela Antra, foi divulgado simbolicamente nesse dia 29 de janeiro, para manter todos os olhares voltados para a causa trans. A pesquisa mostra que essa parte da população é morta por quem são e o que representam.
“Nesta data comemoramos as lutas e histórias de resistência da população de Travestis, Mulheres Transexuais, Homens Trans e demais pessoas Trans que tem urgência de visibilidade, representatividade e ocupação de espaços que sempre foram negados historicamente a nossa população”, explica Keila.
No ano de 2018 ocorreram 163 assassinatos de pessoas trans, desse número 158 foram mulheres (97,5%), quatro homens e uma pessoa não-binária. Apenas em 15 casos os criminosos foram presos (9%).
Segundo a pesquisa, o transfeminicídio está crescendo entre todas as faixas etárias. Uma pessoa trans tem mais chances de ser vítima de assassinato do que uma pessoas cisgênera. Mas esses crimes acontecem com mais frequência entre travestis e mulheres transexuais negras, elas possuem a menor escolaridade, menos acesso ao mercado de trabalho e políticas públicas. A população trans negra e parda corresponde a 82% dos assassinatos.
O Rio de Janeiro foi o estado que mais matou pessoas trans, com 16 mortes. Em seguida, a Bahia, com 15 assassinatos. São Paulo com 14 trans mortas. Depois Ceará e Pará, com 13 e 10 assassinatos respectivamente.
O Nordeste foi a região em que houve mais registros de crimes contra pessoas trans, com 59 assassinatos, 36,2% do total. A maioria dos assassinatos foram cometidos contra pessoas jovens: 60,5% entre 17 e 29 anos.
Ainda segundo o estudo, 53% dos assassinatos foram cometidos por armas de fogo, 21% por arma branca e 19% por espancamento, asfixia e/ou estrangulamento. Em 83% dos casos os assassinatos foram apresentados com requintes de crueldade e 80% dos assassinos não tinham relação direta com a vítima.
O levantamento mostra também que 65% das pessoas trans assassinadas eram profissionais do sexo e 60% dos casos aconteceram nas ruas.
Ocorreram também 72 casos de violações de direitos humanos, em sua maioria possuem ligação com transfobia, sendo 77% dos casos, que vai desde a proibição de usar o banheiro de acordo com sua identidade de gênero até a negativa de usar o nome social nos documentos escolares.
Segundo a pesquisa, também aconteceram oito mortes por suicídio, cinco por aplicação de silicone industrial e duas por uso indiscriminado de terapia hormonal.
Por Jéssica Rodrigues, para a Secretaria Nacional de Mulheres do PT