Volta segura às aulas
A crise sanitária da pandemia da Covid 19 agravou outras crises pré-existentes no Brasil. O setor da educação é um dos mais atingidos pelas suas próprias peculiaridades. Com as aulas…
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A crise sanitária da pandemia da Covid 19 agravou outras crises pré-existentes no Brasil. O setor da educação é um dos mais atingidos pelas suas próprias peculiaridades.
Com as aulas suspensas em todo país e em todas as redes, níveis e modalidades de educação, desde a segunda quinzena de março, as alternativas de atividades remotas foram lançadas de modo improvisado, dadas as urgências nas respostas, sem um planejamento integrado e sem o envolvimento da comunidade educacional, notadamente dos profissionais da educação com vistas a assegurar a coesão e coerência, além da garantia da universalidade, da equidade, da qualidade e da gratuidade do ensino público, princípios constitucionais inarredáveis para a garantia do direito à educação. Há muitas dificuldades de implementação, mesmo nas alternativas de distribuição física de materiais didáticos, sugestões de atividades e exercícios, alimentação escolar e instrumentos de avaliação pedagógica. Tais precariedades são mais graves ainda quando se adotaram meios dependentes de conexão por infovia, telemática e aparatos multifuncionais.
Os dados nacionais indicam que o acesso dos estudantes às atividades remotas não chega a 50% (cinquenta por cento) das redes, caracterizado por verdadeira exclusão social, seja por cobertura da internet, seja por falta de equipamento adequado ou pela própria estrutura do ambiente familiar. Por parte dos professores/as também é grande a apreensão com as atividades remotas, tendo em vista a utilização de um novo modelo pedagógico, sem a necessária formação e, em muitos casos, a ausência de equipamentos adequados e qualquer interação direta com suas turmas na educação básica, profissional tecnológica e superior.
Para além de toda dificuldade de conexões e de improvisos, outro nível de problemas, em que se revelam as pressões do setor privado, se apresenta na oferta de plataformas digitais completamente alheias aos projetos pedagógicos dos cursos e das instituições, com forte prevalência conteudista e pouca relevância social. Tal quadro vem impactando negativamente a saúde dos/as profissionais da educação – que se esforçam muito para realizar com segurança e efetividade uma nova metodologia de trabalho sem formação e planejamento, sem participação na concepção pedagógica, sem equipamento e ambientação adequados. Por outro lado, as próprias famílias e estudantes encontram limitações severas para acompanhar as atividades remotas.
Neste contexto, após três meses com as escolas e instituições fechadas, o debate do retorno às aulas, da reabertura dos estabelecimentos e da recomposição do ano letivo começa a ganhar força. Importante destacar, como premissa do debate, a nossa concepção de educação, hoje em profunda disputa com as medidas do governo federal. Há um retrocesso grande nas políticas educacionais que é agravado pela pandemia da COVID 19. Essa variável precisa ser considerada no debate do lugar da escola e da volta às aulas. Por um lado, para não supervalorizar o improviso das atividades remotas e da tecnologia como fins em si mesmos, mas registrar que a opção por sua utilização cumpriu importante objetivo de manter vínculos entre o estudante e sua comunidade educativa, mediadas pela presença dos/as profissionais da educação, uma vez que o abandono escolar pode vir a ser um dos problemas adicionais a serem enfrentados após a pandemia.
Por outro lado, deve-se considerar, ainda, a situação de grande parcela de professores/as apresentando três características: adoecimentos frequentes em decorrência do trabalho derivando em imunidade baixa; entre 20 e 30 anos de exercício – correspondendo à faixa etária de 50 anos ou mais – associados ao múltiplo emprego e acúmulo de jornadas, fatores que potencializam comorbidades; risco de contaminação advinda da proximidade física entre estudantes e profissionais, intrínseco ao funcionamento escolar.
Além dessas questões, mais afeitas à relação direta com a escola, vale a pena ressaltar outros pontos a serem tratados, em decorrência da pandemia, tais 2 como: necessidade de contratação de mais profissionais; migração de matrículas de redes privadas para as redes públicas; reorganização dos tempos e espaços dos estabelecimentos para garantir o afastamento social seguro; redimensionamento de turmas e turnos; equipamentos de proteção individual e de assepsia dos ambientes; adequação do transporte escolar e do transporte público geral; redimensionamento das cozinhas, cantinas, refeitórios, espaços de recreio, esporte, lazer e asseio; expansão e permanência da assistência estudantil; ação intersetorial de mitigação dos impactos, ampliação das ações de assistência social, segurança alimentar e renda básica em razão da redução da atividade econômica e o forte impacto fiscal sobre estados e municípios.
Embora a suspensão das aulas tenha sido inevitavelmente brusca, o retorno deve ser planejado, ainda que sem data certa para acontecer. A politização rasteira no presente no debate do coronavírus não pode dar a direção a uma operação necessariamente complexa, que envolve o direito à vida, à segurança e à educação de milhões de crianças, adolescentes, jovens e adultos/as. A volta às aulas tem que ser reafirmada como VOLTA SEGURA ÀS AULAS contemplando a imprescindível ação coordenada e intersetorial entre saúde, assistência social e educação.
Desta maneira, em respeito à vida, a primeira condição do retorno é a segurança sanitária atestada por infectologistas credenciados à vista da evolução e das medidas protetivas à covid-19 e com atenção à prevenção ao contágio de estudantes, profissionais e familiares pelo coronavírus.
Outro ponto fundamental é o estabelecimento de amplo processo de negociação com a participação de todos os segmentos envolvidos, a serem consideradas a diversidade entre estabelecimentos e redes, o nível ou etapa da escolaridade dos estudantes, as condições estruturais de cada unidade educacional, as regulamentações publicadas, onde houver, assim como a indispensável coordenação interfederativa, dentre outros aspectos pertinentes ao retorno.
A recomposição do calendário letivo deverá também fazer parte da negociação do retorno seguro às aulas. Há de se levar conta, prioritariamente, o direito dos estudantes à educação e se fazer uma avaliação diagnóstica do processo de atividades remotas. Ter em conta as experiências históricas que demonstram a desvinculação objetiva entre calendário civil e calendário letivo, respeitando-se tempos de pausa para recesso, organização curricular que contemple novas oportunidades de ensino-aprendizagem, atenção às condições de vida dos estudantes e seus familiares e de trabalho e valorização dos profissionais da educação, sob a égide do princípio da gestão democrática do ensino público, também presente na constituição federal.
Finalmente, vale ressaltar que todo esse período de isolamento social provocou uma nova dinâmica nas cidades, nas famílias, nos relacionamentos. Foram muitas experiências vivenciadas em função da pandemia, que provocam perdas e luto, angústias e descobertas, solidão e medo, alternativas e solidariedade. Há de se considerar o lugar pedagógico dessas ricas e dolorosas experiências de vida, que devem encontrar no ambiente educacional um clima de total acolhimento, transformação significativa do aprendizado e construção coletiva de conhecimento relevante.
Para efeito de regulamentação em lei, recomendamos o apoio ao PL 2949/2020, que tem como co-autora a deputada Professora Rosa Neide, do PT-MT. Entendemos que este projeto de lei consegue organizar, nos marcos legais, todas as reflexões e posição que vêm sendo amadurecidas na vivência do PT e inspiram projetos nas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais que normatizem o VOLTA SEGURA ÀS AULAS.
15 de junho 2020
Núcleo de Educação das bancadas do PT no Congresso Nacional,
Fórum Nacional de Deputados/as Estaduais
Núcleo de Acompanhamento de Políticas Públicas em Educação
Comissão Nacional de Assuntos Educacionais,
Secretários/as Estaduais e Municipais de Educação