Wagner: diplomacia deve cuidar dos interesses do povo

Em sabatina do chanceler de Bolsonaro, senadores petistas Jaques Wagner e Humberto Costa cobram erros na política externa

Alessandro Dantas

Em apenas 100 dias de governo Bolsonaro, a política externa brasileira já comprou briga com os principais parceiros comerciais do País, colocando em risco nossas exportações e, consequentemente, a geração de empregos e de riquezas no Brasil.

“A função da diplomacia é representar os interesses do povo. Que eu saiba, os brasileiros querem sair da pobreza, querem ter empregos, querem desenvolvimento e prosperidade”, cobrou o senador Jaques Wagner (PT-BA) ao chanceler Ernesto Araújo, que foi ouvido na manhã desta quinta-feira (4) em uma audiência da Comissão de Relações Exteriores (CRE).

“Pelo que eu ouvi [da fala de Araújo], a nossa política externa vai apostar no conflito”, lamentou Wagner. “Não é do meu estilo ofender, mas tenho que lhe dizer que prefiro os diplomatas que são algodão entre os cristais e não a diplomacia de elefantes em cristaleira”, recomendou o senador petista ao chanceler Araújo.

Diplomacia hostil

Desde antes da posse, o governo Bolsonaro vem hostilizando claramente importantes parceiros. Desdenhou o Mercosul, terceiro maior comprador de produtos brasileiros, criou desconfortos com a Argentina, maior comprador das nossas manufaturas, e criou embaraços com a China, o país que mais importa produtos brasileiros.

Sou judeu e quero lembrar que o Estado de Israel não pertence ao primeiro-ministro Netanyahu – Senador Jaques Wagner (PT-BA)

Mais recentemente, conseguiu comprar briga com os países árabes e muçulmanos, com a ideia de transferir a Embaixada Brasileira de Tel Aviv para Jerusalém — cidade reivindicada igualmente por israelenses e palestinos.

“Eu sou judeu e quero lembrar que o Estado de Israel não pertence ao primeiro-ministro Netanyahu, que está prestes a enfrentar uma eleição. Assim como os Estados Unidos não pertencem ao atual presidente Trump”, cobrou Wagner, criticando o alinhamento automático de Bolsonaro aos governos desses países.

Prejuízos ao agronegócio

O Líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE) também participou da sabatina do ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo na CRE e condenou duramente as posturas do governo Bolsonaro que colocam em risco as relações comerciais do Brasil.

Este governo vai destruir o agronegócio – Senador Humberto Costa (PE), líder do PT

“Este governo vai destruir o agronegócio, o setor que foi, aliás, o primeiro a aderir à candidatura do atual presidente”, apontou Humberto, alertando para os prejuízos que vão decorrer dessa postura.

Ataques à China

O líder do PT citou o exemplo da China, nosso maior parceiro comercial, que em 2017 comprou US$ 47 bilhões em produtos brasileiros, com saldo positivo de US$ 20 bilhões na nossa balança comercial. No mesmo ano, o Brasil exportou US$ 26,8 bilhões para os EUA, com saldo positivo de US$ 2 bilhões.

Em 2018, as exportações brasileiras para a China saltaram para US$ 67 bilhões. Para os Estados Unidos, as exportações ficaram em US$ 28 bilhões.

“No entanto, o ministro das Relações Exteriores do Brasil e o presidente da República não perdem oportunidade de fazer críticas políticas à China, se alinhando com posições econômicas dos Estados Unidos”, criticou Humberto Costa.

Um dos resultados da submissão a Donald Trump é que recentemente China e Estados Unidos firmaram um acordo e os chineses passaram a comprar dos norte-americanos produtos agrícolas que antes comprava do Brasil.

Tradição diplomática ferida

Humberto e Wagner lembraram que o Brasil sempre se caracterizou por uma política externa de Estado, nunca de governos, seguindo o que manda a Constituição — os princípios da não intervenção, respeito à autodeterminação dos povos e de luta pela nossa soberania.

Outro aspecto fundamental das relações exteriores brasileiras foi o da preservação da política comercial, fundamental para a geração de empregos, transferência de tecnologia e cooperação técnica. Durante os governos petistas, por exemplo, essa postura fez as exportações saltarem de US$ 60 bilhões, em 2003, para US$ 255 bilhões, em 2011.

“Com a posse de Bolsonaro, houve uma mudança radical nessa política de Estado. O Brasil passou a ter um alinhamento automático, não com os Estados Unidos, mas com a facção do Partido Republicano que hoje governa aquele país”, lamentou Humberto Costa.

Graças a Deus, temos o Exército Brasileiro, que impediu que as posições atuais do Ministério das Relações Exteriores transformassem a atual crise na Venezuela em uma guerra entre nossos países – Humberto Costa

Venezuela

Irritado com a cobrança de Humberto, o chanceler Araújo lançou mão do clássico argumento de WhatsApp, tão caro aos bolsonaristas, e tirou da manga a carta da Venezuela, sugerindo que o Brasil teria sido um “seguidor do chavismo” durante os governos petistas.

“Os argumentos do ministro estão eivados de preconceitos políticos e ideológicos e de uma tendência de agredir a realidade”, rebateu Humberto. “Dizer que o Brasil era um seguidor do chavismo é o mesmo que dizer que o rabo balançava o cachorro”, ironizou o senador.

O líder do PT lembrou que em todas as crises que ocorreram na Venezuela, o Brasil dos governos petistas atuou como apaziguador, buscando saídas pacíficas para os impasses. Bem diferente do que fez o governo Bolsonaro quando da tentativa de Trump de intervir no país a pretexto de levar “ajuda humanitária”.

“Graças a Deus, temos o Exército Brasileiro, que impediu que as posições atuais do Ministério das Relações Exteriores transformassem a atual crise na Venezuela em uma guerra entre nossos países”, lembrou Humberto Costa.

Nós estamos entregando o certo pelo duvidoso. O Brasil vai entrar em uma briga que não é nossa – Wagner

OMC x OCDE

Wagner também criticou a intenção do governo Bolsonaro, anunciada no último 1º de abril, de abrir mão do Tratamento Especial e Diferenciado (TED) que o Brasil tem no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), em troca da entrada do País na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

O TED, previsto há mais de 70 anos, é um status oferecido às nações em desenvolvimento, no âmbito da OMC, que assegura condições especiais nas relações comerciais com outros membros da organização. Por exemplo, a prerrogativa de adotar medidas protecionistas e de ter acesso preferencial não recíproco a mercados.

Briga alheia

“Nós estamos entregando o certo pelo duvidoso. O Brasil vai entrar em uma briga que não é nossa, é do presidente norte-americano com a China na OMC”, alertou Wagner. O presidente dos EUA, Donald Trump, está empenhado em extinguir os TEDs, que protegem as economias de países mais pobres.

Trump, lembrou Wagner, “está brigando para gerar empregos dentro da casa dele, na lógica da America first (“América primeiro”), que foi um dos seus motes de campanha. Ao governo brasileiro, porém, não cabe engrossar esse coro. “A nós cabe gritar ‘Brasil primeiro’ e trazer benefícios para cá”, cobrou o senador.

Jaques Wagner também destacou que diversos outros países — como o Chile, a Turquia e a Coreia do Sul — usam TED e foram aceitos na OCDE, enquanto Trump coloca a renúncia ao TED como condição para apoiar a entrada do Brasil nessa organização.

“Somos nós que teremos de abrir mão de uma condição benéfica para pleitearmos entrar na OCDE? Não me consta que o presidente dos EUA seja dono da OCDE, por mais que ele possa contribuir com a nossa entrada na organização. Mas lá há países que também vão exigir outras contrapartidas nossas, vão cobrar protocolos referentes ao meio ambiente, por exemplo”, destacou Wagner.

Por PT no Senado

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