Wanderley Ferreira Jr: Brasil, mostra sua cara
Para o professor de Filosofia da UFG, “o oprimido assume o discurso do opressor, a ponto de reproduzir o sistema de dominação do qual ele foi vítima”
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“O velho mundo morre.
O novo tarda a aparecer.
E neste claro-escuro surgem os monstros”
A. Gramsci
Vivemos sob uma forma nefasta de democracia representativa que se degrada numa oligarquia corporativista na qual os partidos e os três poderes representam a reunião de interesses, no mínimo duvidosos, que favorecem a corrupção, o cerceamento da liberdade e a troca de favores e privilégios entre os poderes e seus representantes sinistros. Na realidade nossa pseudo-democracia infringe de forma acintosa os princípios básicos de uma verdadeira democracia, tais como: a igualdade perante a lei [isonomia], a liberdade de expressão e o reconhecimento do outro cidadão como um igual e portador dos mesmos direitos e deveres.
Partidos políticos, gestores públicos, parlamentares, todos interessam apenas em descobrir mecanismos, artimanhas, brechas na lei, para que melhor possam aproveitar da coisa pública [Res-pública] e conservar o poder satisfazendo seus interesses privados e de grupos.
Essa estrutura político-partidária repercute na própria estrutura da sociedade civil – onde certos segmentos da classe média almejam desesperadamente ser próximos da anti-elite que detém o poder político e econômico. O mesmo acontece com segmentos das classes menos favorecidas – que almejam agora aproximarem-se da classe média, copiando mais seus vícios, como o consumismo, do que suas raras virtudes.
O que presenciamos é uma luta frenética por ascensão social vista quase que exclusivamente como posse material de bens de consumo. Consumo, logo sou um cidadão. Assim, uma elite que não é uma verdadeira elite, torna-se o objeto desejo da maioria menos favorecida. Existe sim uma inveja latente no discurso radical e raivoso de certos segmentos sociais quando atacam o que consideram elite.
No fundo, para horror do velho Marx, a ideologia fez muito bem seu papel, os operários um dia almejam ser como seus patrões. O oprimido assume o discurso do opressor, a ponto de reproduzir o sistema de dominação do qual ele mesmo foi vítima. As elites brasileiras distingue-se claramente das elites Européias e Americana. Estas valorizam o trabalho, o mérito e o reconhecimento, não basta vegetar à sombra dos poderosos. Será por acaso o fato da Rede Globo ter mais importância para a formação da mentalidade média do brasileiro do que as universidades? Nesse ambiente de frivolidades e inquietação na busca do mais novo, da última moda, desenvolve-se a moral da indiferença.
A longa tradição escravocrata habitou nossas pseudo-elites a desprezar os excessos da classe média e dos mais pobres. Como já disse Euclides da Cunha [Os sertões]. Estamos num país onde tornou-se comum dizer – Você sabe com quem está falando? Estamos numa sociedade de pachecos empavesados, acácios triunfantes. Nunca se berrou tanta asneira debaixo do sol. É asfixiante.
O fato é que maioria dos políticos e gestores públicos desse país pratica uma baixa política como se política fosse troca de favores entre compadres. Consequência – ineficiência da máquina estatal infestada de redes de privilégios e clientelismo alicerçada na máxima – Não me dê, coloque-me onde há. No Brasil é inegável uma certa cultura avessa a civitas.
Nos misturamos e juntamos com que nos exclui. Sabemos que antes alguns negros ao serem libertos tinham como sonho de consumo comprar um ”escravo novinho“. É curta a distancia entre a boquinha aceita por todos como normal e a corrupção endêmica. Existe um ethos encarnado no parasita de plantão e que é reafirmado pelo otário da vez – todos querem levar vantagem em tudo. Em tal sociedade é difícil germinar os ideais republicanos da liberdade, fraternidade e igualdade.
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