Com mais de 500 acusações, João de Deus quer culpar vítimas
Para a Rede Feminista de Juristas, culpabilização das vítimas é um problema estrutural. Advogados e juízes não podem se basear no senso comum
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A cada 11 minutos uma mulher é vítima de estupro no Brasil, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). O caso de João de Deus é apenas mais um que tenta desesperadamente desqualificar as vítimas e inverter a história para transformá-las em culpadas. Já são mais de 500 relatos de abusos sexuais praticados pelo médium. A defesa sustenta que é preciso analisar o contexto das denúncias para avaliar se os depoimentos possuem “crédito ou não”.
A história de João Teixeira de Faria, conhecido como médium João de Deus, reflete diversos outros casos de violência sexual na sociedade e faz parte de um dos intuitos da violência institucional contra a mulher que aceita a culpabilização da vítima.
Uma representante da Rede Feminista de Juristas (DeFEMde), se posicionou sobre o caso em entrevista à Agência PT e afirmou não haver surpresa na tentativa da defesa de João em tentar culpar as vítimas. “É muito comum tentarem jogar a culpa para as mulheres, dizem que elas são malucas e que estão inventando aquela história para destruir a vida do agressor. Isso é extremamente perverso. É inaceitável que a estratégia da defesa seja deslegitimar a vítima”.
Esse tipo de situação corrobora para prejudicar a vida das mulheres que apesar de todas as dificuldades enfrentadas, como exemplo o medo do agressor, decidem denunciar. No Brasil, em 2015, foram registrados 45.460 casos de estupro ou 22,2 casos a cada 100 mil habitantes, de acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Porém, especialistas estimam que esse número representa entre 10% e 15% do total porque a maior parte das vítimas tem medo de denunciar.
“Constroem a imagem da mulher desequilibrada. Existe uma lenda de que a mulher que denuncia violência está inventando ou buscando atenção de alguma forma para benefício próprio, mas a verdade é que os dados não revelam isso, não há lastro em pesquisas, investigações policiais que mostram invencionices das mulheres, isso é uma mentira”, declarou a representante da DeFEMde.
A maior parte dos casos de violência sexual no Brasil acontece em locais fechados, portanto o depoimento da vítima precisa ser valorado como a prova mais importante. Para a DeFEMde “é preciso ter a construção de uma nova perspectiva da advocacia penal e do judiciário com relação ao depoimento da vítima quando estamos falando de violência de gênero. Nós estamos diante de problemas estruturais quando falamos dessa violência. Negar os depoimentos é negar todas as pesquisas e estatísticas e se basear em senso comum”.
Andamento do caso
João Teixeira teve a prisão decretada nesta sexta-feira (14) a pedido da Polícia Civil e do Ministério Público Estadual de Goiás (MP-GO), que investigam os casos de abuso sexual durante atendimento realizado na Casa Dom Inácio de Loyola. No domingo (16), João se entregou à polícia.
A DeFEMde alertou para a gravidade do caso. “São mais de quatro décadas de abusos, assédios e estupros contra mulheres, e se trata de uma pessoa que se aproveitou de sua posição de poder, já que as vítimas estavam em contato com ele buscando alternativas para resolver problemas que estavam passando naquele momento, ou seja elas aceitariam qualquer solução proposta por ele”.
Por Jéssica Rodrigues, para a Secretaria Nacional de Mulheres do PT