“13 de maio: 133 anos, a liberdade não conquistada”, por Almir Aguiar
Todos os índices sociais que apontam para o aumento do desemprego, redução da renda e elevação da miséria, afetam muito mais a negros do que brancos. São os números oficiais. Por trás dos números, o racismo.
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A importância do 13 de maio, a chamada abolição da escravatura que completa 133 anos, não é exatamente a comemoração de uma data histórica secular, mas uma oportunidade de reflexão para toda a sociedade.
Não há como esconder para debaixo do tapete a triste realidade de exclusão, discriminação e dívida social que o Brasil tem com os afrodescendentes e a herança maldita do racismo vivo e do retrocesso político sem precedentes que tivemos, especialmente nos últimos três anos.
Pandemia e abismo social
A pandemia é um mal que afeta a todos. O Brasil já ultrapassa os 425 mil óbitos, mas é fato que morrem, vítimas da Covid-19, 40% mais negros do que brancos. Pretos e pardos representam 57% das vítimas do coronavírus. Isto não é por acaso: como resultado de uma sociedade racista, as pessoas de raça negra estão na base da pirâmide social, têm renda até 31% inferior aos brancos, mesmo com a idêntica qualificação.
E o desemprego é 71% maior entre os negros. Imaginem a gravidade destes números oficiais diante da crise econômica e sanitária que em nosso país está descontrolada, por incompetência e descaso do Governo Bolsonaro e sua política negacionista que isola a nação, envergonhada perante uma opinião pública internacional estupefata. Não é de se surpreender que, até numa pandemia, a desigualdade tem origem racial no Brasil.
A desigualdade tem cor
Segundo os dados do IBGE, os negros representam 56,1% da população brasileira, 54,9% da força de trabalho e 64,2% dos desocupados no país. A informalidade também atinge mais esse contingente. Enquanto 34,6% de pessoas brancas se encontram em condições informais de trabalho, a informalidade atinge 47,3% de pretos e pardos.
Esta realidade social fundamentada no racismo histórico é agravada pelo retrocesso sem precedentes em que o atual governo transforma a Fundação Cultural Palmares num instrumento das oligarquias racistas, mesmo tendo um negro a frente da instituição, mas que, infelizmente, como bolsonarista, age como um “capitão do mato” a serviço da Casa Grande contra seus irmãos de raça, não reconhecendo a si mesmo como negro, mas como um escravizado aculturado que incorpora a visão etnocêntrica branca e anglo-saxã dominante, negando a realidade do oprimido e reafirmando a versão do opressor.
Todos os índices sociais que apontam para o aumento do desemprego, redução da renda e elevação da miséria, afetam muito mais a negros do que brancos. São os números oficiais. Por trás dos números, o racismo.
Extermínio de negros
A violência que apavora toda a sociedade, afeta mais os negros e as negras do que os brancos. As mulheres negras são maioria entre as vítimas do feminicídio e de outras formas de assassinatos: cerca de 75% das mulheres assassinadas no Brasil são negras. A mortalidade de jovens negros mortos por ação policial é superior a de países em guerra civil no mundo. São 63 mil mortos por ano, sendo que quase 80% são negros pobres, das favelas e periferias.
Os números oficiais não são exatos em relação à realidade da exclusão e extermínio de negros: a raça de 2.064 das 5.660 pessoas mortas pela polícia em 2020 não é conhecida, ou seja, 36% do total. Dos 26 estados da Federação mais o Distrito Federal, 11 unidades federativas divulgam os dados de raça das vítimas de ações policiais. Das 3.596 vítimas para as quais há a informação da raça, 2.815 são negras (78%). A ausência de um levantamento mais apurado mostra que a violência contra os afrodescendentes é ainda maior.
A chacina mais recente, na favela do Jacarezinho, no Rio, que deixou 28 mortos, sendo um policial, só confirma que neste caso mudou o governador, com o impeachment de Wilson Witzel, mas a política genocida bolsonarista segue firme com Cláudio Castro (PSL).
Mesmo com a restrição, as operações em favelas do Rio, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em meio à pandemia, ao menos 944 pessoas foram mortas por policiais. Não é difícil supor que a esmagadora maioria é de negros.
Operações que perfuram residências e apavoram moradores, matam jovens e crianças, jamais ocorreriam em condomínios da Barra da Tijuca ou da Zona Sul, áreas nobres, e isto não pode ser tratado com normalidade e frieza.
Reacender a esperança
Que possamos dar um basta a esta situação insustentável. Que este 13 de maio possa ser o da esperança. Que no Brasil possamos reacender a chama da rebelião pacífica. Nos EUA, tivemos uma recente experiência que sim, nos serve de lição, onde as comunidades negras foram às ruas e às urnas e, unidas com toda a sociedade que se indigna com toda a forma de preconceito e discriminação, viraram o jogo, derrotando o governo negacionista e racista de Donald Trump. Que em nosso país o mesmo possa acontecer desde já, reencontrando o caminho da democracia.
O retorno de Lula ao direito que lhe roubaram em 2018, de ser um homem livre e candidato à presidente do país, após o julgamento do ex-juiz Sérgio Moro ter sido desmascarado, reacende uma esperança. A esperança de resgate do fortalecimento das políticas de cotas, da luta pela igualdade de oportunidades e contra toda a forma de discriminação.
A liberdade dos negros e negras é um processo histórico contínuo e temos muito ainda o que avançar. No período dos governos populares de Lula e Dilma, avançamos, mas ainda é pouco. Queremos e podemos mais.
A retomada das rédeas da história pelo povo brasileiro na construção de nosso processo civilizatório precisa acontecer e logo. Por que a pacificação da sociedade só será possível com democracia, justiça social, igualdade de oportunidades para todos e a emancipação popular.
O Brasil da lógica escravocrata de uma burguesia racista, mesquinha e perversa, levou o nosso país a atual situação, o fundo do poço. Enquanto houver racismo no Brasil não haverá democracia, que este 13 de maio seja, o fortalecimento da resistência, da virada, da esperança e do recomeço. Só depende de nós.
Almir Aguiar é secretário de Combate ao Racismo da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro – Contraf-CUT