8/1: bolsonarista ex-chefe da PM admite crimes na Secretaria de Segurança do DF
Na CPMI, Contarato confronta Jorge Naime: “O senhor não sabe por que está preso? Eu falo: abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado, golpe de Estado, associação criminosa, incitação ao crime”
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As explicações do bolsonarista e coronel da Polícia Militar Jorge Eduardo Naime, preso por atuar a favor dos atos golpistas de 8 de janeiro, quando era o chefe do Departamento Operacional da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), serviram para confirmar os crimes cometidos no âmbito da Secretaria de Segurança do governo Ibaneis, então comandada por Anderson Torres. Após apresentar um atestado médico alegando não ter condições físicas e psicológicas para depor, Naime prestou depoimento na sessão desta segunda-feira (26) da CPMI do Golpe.
Oscilando entre a imprecisão, o descontrole emocional e uma envergonhada confissão de culpa pela negligência da Polícia Militar durante todo o período em que golpistas permaneceram acampados na frente do quartel do Exército, desde novembro, Naime não conseguiu explicar como a PM do DF falhou miseravelmente no planejamento da segurança pública em janeiro, quando no início do mês, já se sabia da marcha de golpistas à capital federal. O resultado: no dia 8, uma turba de bolsonaristas ensandecidos deslocou-se até Praça dos Três Poderes, cuja segurança das vias são atribuição da Secretaria de Segurança, para golpear a democracia e destruir o Congresso, o Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto.
Naime começou negando ter qualquer responsabilidade sobre os atos terroristas porque estava de licença e chegou a dizer que não sabe o motivo de sua prisão. Mas admitiu que a Secretaria de Segurança do DF sob Torres – que, inacreditavelmente, tirou férias com apenas uma semana no cargo – foi propositalmente negligente. Um dia antes dos ataques, no dia 7 de janeiro, o órgão recebeu informações da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) sobre a invasão das sedes dos Três Poderes no dia 8. E nada fez.
“Se essa informação chegou ao nível de secretário e comandante-geral [da PM], eles não tomaram as providências. Minimamente a gestão de crise tinha que ter sido acionada”, disse, tentando se eximir de responsabilidade. Ele também disse que as Forças Armadas impediram a Polícia Militar de desmobilizar os acampamentos.
“Ação da PM no acampamento sempre foi limitada pelas Forças Armadas. A gente não tinha esse acesso para entrar com policiamento, para efetuar prisão, para retirar ambulante, para poder fazer prisões”, declarou Naime.
Acampamentos bolsonaristas, epicentro dos atos
O senador Fabiano Contarato (PT-ES) lembrou do depoimento de Naime à Câmara Legislativa do Distrito Federal, em março, no qual o coronel afirmou ter certeza de que os acampamentos bolsonaristas foram o “epicentro” dos atos do dia 12 de dezembro e de 8 de janeiro. Contarato confrontou Naime sobre a não desmobilização dos acampamentos, base dos terroristas.
“O senhor fala aqui que presenciou e sabia que tinha prática de crime dentro do acampamento, o senhor falou que o foi o epicentro do que aconteceu, e o que a Polícia Militar fez?”, indagou o senador. “Escoltou os criminosos por 7,4 km, por 1h36, sem fazer absolutamente nada. Foi isso o que o senhor fez”.
“O senhor não sabe por que está preso? Eu falo para o senhor: abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado, golpe de Estado, associação criminosa, incitação ao crime. Quem de qualquer forma concorre para o crime, incide nas mesmas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”, acusou o senador.
Bolsonaro, o articulador do golpe
Ao inquirir o coronel, o deputado Rogério Correia (PT-MG) lembrou do papel de Jair Bolsonaro como o grande articulador da tentativa de golpe, desde as ameaças institucionais que antecederam o 7 de Setembro de 2022, sobretudo ao ministro do STF Alexandre de Morais. Para o deputado, não restam dúvidas quanto ao caminho aberto por Bolsonaro para o 8 de janeiro.
“Havia um presidente que, desde o 7 de Setembro, falava que as eleições não seriam válidas. Aliás, um presidente que, amanhã, provavelmente ficará inelegível exatamente porque quis fazer com que as urnas eletrônicas no Brasil, o processo democrático, fosse desmoralizado”, observou.
Ele também examinou o papel dos acampamentos tanto nos ataques de 12 de dezembro quanto na tentativa frustrada de golpe de Estado, assim como a negligência de parte das Forças Armadas.
Ao deputado, Naime confirmou que o general [Gustavo] Dutra impediu que a PM desmobilizasse os acampamentos e reiterou que, caso os bolsonaristas tivessem sido retirados da área antes do Ano Novo, o desfecho de 8 de janeiro poderia ter sido outro. Dutra é bolsonarista assumido e chegou a acompanhar o resultado das eleições ao lado de Bolsonaro, destacou Correia.
O deputado chamou a atenção ainda para a atuação de arruaceiros profissionais, gente treinada, tecnicamente preparada e financiada para participar dos atos. “O principal responsável é quem chamou, quem pagou, quem foi fazer o ato”.
Técnicas de guerrilha
“A sessão nos ajuda a entender o braço militar na tentativa de golpe”, declarou o deputado Rubens Pereira Junior (PT-MA), no início da oitiva. Ele reforçou que a segurança na Praça dos Três Poderes é feita especificamente pela PM do DF.
“Queremos entender o perfil das pessoas que estavam vindo [para a Praça dos Três Poderes]. O próprio depoente admitiu que havia pessoas com técnicas de guerrilha participando da movimentação pela Esplanada”, destacou o deputado. “Reparem que aqui vai uma narrativa de que era uma manifestação de velhinhas de 90 anos”, ironizou Rubens Pereira. “Não era, era algo organizado, financiado e com pessoas com técnicas de guerrilhas”.
O deputado quis saber do depoente se ele tinha conhecimento de um diálogo, ocorrido dois dias antes da tentativa de golpe, no dia 6 de janeiro, entre o ministro da Justiça, Flávio Dino, e o secretário-chefe da Casa Civil [do DF], Gustavo Rocha. Nele, foi exposta a necessidade de o governo do Distrito Federal dobrar o efetivo da Política Militar para os atos do dia 8.
“Infelizmente, essas ordens foram ignoradas pelo major Flávio Alencar”, disse Rubens Pereira. “Ele está preso, e na interceptação telefônica dele consta a seguinte mensagem: ‘É só deixar invadir o Congresso Nacional””.
Ao ouvir a desculpa de Naime de que não participou do planejamento, já que estava de férias, Pereira Júnior acusou a PM de conivência com os criminosos ao deixar a tentativa de golpe prosseguisse sem qualquer impedimento.
Apagão no dia 8 de janeiro e férias
“Além de não garantir o efetivo, houve um verdadeiro apagão no dia 8 de janeiro”, denunciou o deputado. Ele enfatizou que o fato de que não apenas Naime, mas outros sete coronéis do Distrito Federal saírem de férias, assim como Anderson Torres, comprovam a omissão proposital, mesmo com uma ordem que proibia a dispensa de policiais do efetivo até o dia 9 de janeiro.
Rubens também questionou os motivos pelos quais os efetivos da PM não foram colocados de prontidão, o que tornaria a resposta dos agentes de segurança mais rápida. Segundo Naime, a PM estava “de sobreaviso”.
“Ao invés de [a PM] garantir a tropa de prontidão, permitiu apenas a tropa de sobreaviso, que demorou, e demorou bastante. Sabe quando cessou a situação de ilegalidade? Somente após a decretação da intervenção federal”, pontuou o deputado. “O que quero que essa comissão investigue é se esse apagão foi culposo ou criminoso”.
Na manhã desta terça-feira (26), a CPMI volta a se reunir para colher o depoimento do do coronel do Exército, Jean Lawand Junior.
Da Redação