Charles Gentil: Sobre a Questão da Unidade do Partido dos Trabalhadores e o Futuro Socialista

Não há dúvida que o Partido dos Trabalhadores irá superar os desafios de classe que estão colocados. Também não há dúvida que o Partido deve se desburocratizar

Tribuna de Debates do PT

No livro O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte, Marx diz:

Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado.

Desta maneira, neste ensinamento de Karx Marx a palavra circunstância ocupa um lugar central. Tanto é assim que, apesar dos homens fazerem “sua própria história”, isto não significa dizer que eles “a fazem como querem”. Isto porque “sua escolha” irá depender das circunstâncias dadas hoje e que, no entanto, são o resultado do que foi deixado e transmitido pelo passado.

Daí porque, as circunstâncias em que os homens vivem no presente, ao se constituírem enquanto resultado de um legado do passado, institui, por sua vez, um limite para as escolhas que os homens fazem. Tais limitações impostas pela circunstância não são, por isso, um impeditivo para que os homens atuem, mas apenas um fator que restringe e, portanto, delimita o campo de sua atuação.

Neste sentido, se pensarmos que o Partido dos Trabalhadores foi fundado em 1980[1], o que conforme bem observa Manoel Del Rio, autor do livro No Meio do Redemoinho a Luta é Sempre[2] “perfaz, um longo período de 480 anos – desde o descobrimento e invasão do Brasil em 1500 – em que os trabalhadores não possuíam um partido que os representasse”, a exceção, talvez, penso, do Partido Comunista, fundado em 1922 e que, no entanto, viveu quase sempre na clandestinidade.

Por isso, faço notar que o Brasil historicamente e, por conta de uma elite tão hábil, quanto conservadora ao extremo, sempre se mostrou indiferente, quando não hostil ao povo. Não à-toa o país foi o último do continente americano a abolir por completo a escravidão com a Lei Imperial ou Lei Áurea de 1888, e não somente por motivos altruístas[3], mas devido, sobretudo, às pressões externas: a Inglaterra, tendo abolido a escravidão em 1883 mostrava-se ávida por mercados mais amplos e necessitava para isto da substituição da mão-de-obra escrava pela mão-de-obra assalariada.

No entanto, se considerarmos a Era Vargas cujo início, porém, ocorre com a denominada Revolução de 1930, aliás, termo equivocado para designar um Golpe de Estado, que pôs fim [4] a República Velha, de modo que, tal Era, então, instalada é subdividida em Governo Provisório (1930-1934) Governo Constitucional (1934-1937) e Estado Novo (1934-1945) tem-se que, a nova elite no poder, confere avanços a classe trabalhadora, a fim de mantê-la sob seu jugo; um jugo mais discreto na nova engenharia do domínio de classe.

Daí porque, em todos os seus governos, Getúlio Vargas, sempre se caracterizou, por um lado, por uma conduta conciliadora, embora se soubesse, por outro lado, o quanto Vargas ambicionava a centralização absoluta do poder. Portanto, á luz do 18 do Brumário, neste fato histórico da vida nacional, evidencia-se com correção a tese marxista de que “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem”, isto porque não havendo objetivamente as condições de impor um regime autoritário ao país, só restava a Getúlio aceitar subjetivamente as circunstâncias dadas e, com isso, as restrições impostas para, então, com habilidade buscar mediar conflitos políticos de classe, até que as circunstâncias mudassem permitindo, com isso, a instauração, em 1937, do chamado Estado Novo.

Aliás, esta tese de Marx não só foi confirmada, mas, inclusive, reconfirmada em nosso país, por ocasião da ascensão de Luiz Inácio Lula da Silva à condição de Presidente da República. Observe que excluindo o perfil autoritário de Vargas, o que Lula tem em comum com o político gaúcho é, justamente, a desenvoltura para movimentar-se no tabuleiro político valendo-se da conduta conciliadora. Tal conduta de conciliação de classes (empresário/trabalhadores) permitiu ao Partido dos Trabalhadores não só chegar ao poder pacificamente pela via institucional, mediante um arranjo de coalizão partidária (PDT, PSB, PCdoB, PMN, PRB, além do PP e PPS), bem como adotar uma política econômica inclusiva e distributivista com promoção do desenvolvimento social.

Evidentemente que, a política de coalização, inclusive, com partidos como o PP, se deve ao reconhecimento da tese marxista de que “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem”, de modo que, as circunstâncias dadas eram aquelas cujas restrições impostas propiciavam que se chegasse ao poder mediante tal coalizão que, por isso, se expressou de forma inevitável em uma política de conciliação, isto é, de colaboração de classes capaz, naquele momento histórico determinado, de proporcionar, por um lado, ganhos substanciais à classe trabalhadora e por outro lado, auferir lucros expressivos ao empresariado. Tal conduta não deriva, portanto, de uma vontade pessoal, uma vez que, o elemento subjetivo condiciona-se ao elemento objetivo que é aquele que, enfim, regula a movimentação dos agentes históricos.

Neste sentido, o lulismo interpretou, até certo ponto e de forma assaz adequada, as exigências do momento histórico considerado, de modo que, as contradições que abrigou, nunca foram, na verdade, demérito de sua concepção, mas antes, reflexos da própria sociedade capitalista que, por sua natureza desigual e injusta, não iria, sem resistência dos setores reacionários, permitir com que houvesse o aprofundamento dos avanços sociais que já se acumulavam, de modo que, após atingir o poder a tese marxista de que “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem” continua sendo absolutamente válida e atual. Isto porque, as restrições que as circunstâncias impunham embora tenham permitido, por um lado, promover avanços sociais há muito represados no país, por outro lado, agora, convertiam-se já, necessariamente, em obstáculos ao alargamento maior destas conquistas, ainda que continuasse a se aspirar, ao aprofundamento dos avanços obtidos.

Consequentemente, chega-se à conclusão de que: considerando a circunstância histórica o problema não foi, em si, adotar, em caráter provisório, a tática conciliadora, mas a insistência em persistir nela, quando as circunstâncias históricas já possibilitavam (como ainda permitem) desembaraçar-se deste procedimento tático. Acontece que, neste ponto, prosperou certo sectarismo das direções do Partido dos Trabalhadores, que ao deixarem de enxergar a realidade pelo viés da dialética cristalizou, no fundo, uma análise da conjuntura mitigada por um olhar metafísico, que não enxerga ou não quer enxergar, o caráter dinâmico da vida social.

Com isso, o Partido foi, cada vez mais, se burocratizando; e assim, foi perdendo aquele caráter de organicidade com suas bases: militância e os movimentos sociais. Tal burocratização, por parte dos órgãos diretores, torna-se até mesmo autoritária, pois, deixa de proceder, inclusive, à escuta ativa da militância, a fim de, como prioridade, acomodar-se ao conforto dos cargos e das conveniências eleitorais de momento.

Neste sentido, a direção partidária sectária acaba por negar a tese marxista de que “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem”, pois, tudo o que se pretende e se quer é a prevalência de métodos antigos e análises deficitárias para avaliação de fluxos históricos mutáveis. Mas, a rejeição em considerar-se o curso da história como movimento ininterrupto da correlação e interesses das forças sociais em luta, conduz, então, o Partido dos Trabalhadores, a um estado de torpor geral que se reflete, tanto na demora para fornecer respostas a nova configuração histórica, bem como a demora em implementar primeiro uma agenda de resistência criando assim, as condições futuras para um cronograma de conquistas, a fim de atender a demanda social.

Evidentemente que, só se chega a este ponto quando alguns homens optam pela inversão da tese marxista e definem seu querer como aquilo que é capaz de ditar o curso da história. Sendo assim, manter como eixo principal, a política de conciliação/colaboração de classes do lulismo, em circunstâncias históricas já completamente modificadas é não reconhecer o caráter mutável da vida social e decidir por saudosismo apegar-se a um passado que já foi superado.

Aliás, este reconhecimento, ainda que ocorresse hoje, já seria tardio, porque a ausência desta compreensão inviabilizou com que, tal medida pudesse ter sido adotada de forma oportuna, ainda no final do 2º governo de Lula, mediante o religamento com sua base (o qual, aliás, nunca deveria ter se perdido), o que viabilizaria uma conduta de resistência e enfrentamento ao Golpe de Estado Parlamentar que surgiu e se avolumou, até que o golpe se consumou institucionalmente com o impeachment presidencial para, então, renovar-se e em sua nova fase buscar não mais atacar apenas os líderes da classe trabalhadora, mas, em sua continuidade e aprofundamento, o golpismo visa, agora, atingir também os direitos de todos os trabalhadores e trabalhadoras.

Mas, para estar à altura do momento histórico é necessário que o Partido dos Trabalhadores, proceda a uma nova inversão, isto é, estando Marx, da perspectiva conceitual, de ponta cabeça, deve-se colocá-lo em pé novamente e assim, considerar como muito acertada sua tese de que “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem”, daí porque a direção partidária também deve admitir o erro em contrariar tal ensinamento não só abandonando avaliações dogmáticas que cristalizaram a real compreensão dos fatos históricos, mas também observando de forma dialética, a configuração atual da correlação das forças, pois, nas circunstâncias agora dadas e tendo, conforme já é fato mais que visível caducado a política lulista de conciliação/colaboração de classes, surgem, cada vez mais, elementos para que, não só se rompa esta orientação, mas que também se consolide a alternativa de uma tática e estratégia partidária, moderna e totalmente afinada com a classe trabalhadora e, portanto, com o futuro que a ela está reservado: o socialismo.

Com efeito, toda a unidade partidária só poderá efetivamente ocorrer na redefinição de sua tática e estratégia, de acordo com as novas circunstâncias históricas e as exigências e desafios que os novos tempos trazem. Não só: é desta reconsideração do marxismo e na aceitação clara de suas teses e princípios, que o Partido dos Trabalhadores não só se fortalecerá, mas também fortalecerá a esquerda brasileira como um todo, bem como a luta pela democracia em geral no país construindo a unidade interna e externa necessária para um novo triunfo da classe trabalhadora. Pois, tendo viabilizado com que um operário chegasse ao poder já é hora de trabalhar para que a classe trabalhadora também alcance o comando do destino do país.

Não há dúvida que o Partido dos Trabalhadores irá superar os desafios de classe que estão colocados. Também não há dúvida que o Partido deve se desburocratizar e voltar a uma escuta ativa de sua base: dos movimentos sociais e militância, dos quais as direções partidárias, em todas as suas instâncias, nunca podem se afastar e jamais devem se esquecer de que: a direção partidária não está acima das bases, mas que esta se constitui em mero instrumento de sua base e da classe trabalhadora no auxílio para a construção de um Brasil socialista e, portanto, justo e igualitário.

E ainda que, alguns queiram e, sobretudo, os elementos reacionários da sociedade burguesa também desejem impedir a luta e a vitória do socialismo sabe-se que apenas, no máximo, poderão, até que seja possível, protelar, mas não impedir com que a história brasileira, à semelhança, por exemplo, de Cuba, dê este passo adiante, o que, mais uma vez demonstra, o acerto e atualidade da tese de Marx de que:

Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado.

Por isso, ao contrário daqueles que pretendem liquidar o Partido dos Trabalhadores, destes liquidacionistas de ocasião, é preciso que se compreenda que o Partido não acabou, na verdade, ele apenas . . . “COMEÇOU”.

Viva o Partido dos Trabalhadores !!!

Viva a unidade partidária !!!

Viva a classe trabalhadora !!!

Viva a militância !!!

Viva os movimentos sociais e as forças progressistas em geral !!!

Viva o futuro socialista !!!

Por Charles Gentil, bacharel em Filosofia. Filiado ao Partido dos Trabalhadores e integrante do DZ Centro de São Paulo, para a Tribuna de Debates do 6º Congresso. Saiba como participar.

 

 

[1] mais precisamente, em 10 de Fevereiro de 1980.

[2] livro, sem dúvida, já de valor inestimável para a Democracia, porque contribui de forma decisiva para estimular a luta dos oprimidos por uma sociedade justa e igualitária de fato e não apenas, em palavras.

[3] embora, evidentemente, houvesse pressões internas do movimento abolicionista que, cada vez mais, ganhava força.

[4] Com a queda da Bolsa de Nova York (1929) o preço do café brasileiro cai de forma drástica, o que gera uma crise de superprodução aos cafeicultores paulistas e, então, São Paulo, agora, vulnerável viabiliza com que Minas Gerais se una ao Rio Grande do Sul mediante a Aliança Nacional e eleja Getúlio Vargas por meio de um golpe de Estado perfumado indevidamente com o nobre título de revolução.

ATENÇÃO: ideias e opiniões emitidas nos artigos da Tribuna de Debates do PT são de exclusiva responsabilidade dos autores, não representando oficialmente a visão do Partido dos Trabalhadores

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