Carta em defesa da educação da Amazônia e liberdades democráticas
Professores, pesquisadores e intelectuais divulgam carta aberta a Fernando Haddad em que lembram legado dos governos petistas para educação
Publicado em
Manaus, 23 de maio de 2019
Ao Ilustríssimo Sr.Professor Fernando Haddad
Senhor Professor,
Nós, professores, pesquisadores e intelectuais de modo geral, somados aos estudantes (de ensino médio, superior e de pós-graduação), técnicos administrativos em educação, artistas, movimentos sociais e os diversos segmentos dos povos da floresta e das águas: indígenas, quilombolas, povos tradicionais não indígenas, mulheres, dentre outros, nos dirigimos a Vossa Senhoria para expressar nossas preocupações diante do grave quadro histórico-conjuntural do país, buscando situá-lo acerca dos prejuízos que este cenário aponta para a Amazônia, em especial para o Amazonas.
Aproveitamos o ensejo para dar-lhe boas vindas e desejar-lhe êxito na caravana Lula Livre, incluindo esta nossa pauta em defesa da Educação. Os povos da Amazônia indagam, nessa conjuntura, acerca da sua soberania, clamando pelo reconhecimento da região enquanto povos originários dessas terras.
Nossa arma contra as ações do capital (cada vez mais voraz e violento) é a educação. As recentes medidas anunciadas pelo atual governo sinalizam para o desmonte da educação pública brasileira, uma vez que os cortes de recursos feitos pelo poder executivo comprometem o funcionamento da educação básica e o desenvolvimento do ensino técnico e superior, além de comprometer sobremaneira a pesquisa e a extensão nas instituições publicas.
O legado das políticas nas duas últimas décadas representou substancialmente um avanço no campo dos direitos educacionais no Amazonas. Dentre as principais ações podemos destacar a expansão da Universidade Federal do Amazonas – UFAM, com a criação de cinco unidades permanentes no interior do estado e a criação do curso de Antropologia Social com ampliação de vagas para muitos cursos; o REUNI representa uma conquista singular no campo dos direitos ao acesso à educação por parte dos trabalhadores que têm jornada de trabalho durante o dia; a educação indígena registrou avanços no âmbito da especificidade curricular e na contratação de professores indígenas para ministrar aula aos próprios indígenas; em alguns cursos os currículos de graduação foram reestruturados e atualizados; ocorreu a expansão da pós-graduação com a implementação de vários programas na cidade e para alguns municípios do estado; implementação de políticas afirmativas com foco na diversidade cultural e de gênero; ampliação da política estudantil com bolsas de iniciação científica, mestrado e doutorado; ampliação de benefícios como o RU, auxílio acadêmico, auxílio moradia, bolsa-trabalho, dentre outros.
A manutenção da Zona Franca de Manaus foi fator sine qua non para a continuidade da Universidade do Estado do Amazonas – UEA, cujo aporte financeiro advindo do Polo Industrial de Manaus permitiu a expansão desta instituição no que diz respeito ao ensino, pesquisa e extensão; a criação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas – FAPEAM permitiu a ampliação das pesquisas na região.
Nesse processo, não podemos deixar de assinalar as conquistas obtidas em âmbito nacional no que diz respeito à educação, a saber: a criação dos institutos federais de educação, atualmente presentes em todas as mesorregiões do Amazonas, distribuídos em cinco Campi.
Hoje, o IFAM possui autorização para funcionar nos municípios de Iranduba e Boca do Acre, mas não vemos horizonte para a sua concretização em razão dos cortes orçamentários; a criação de novas universidades federais; o número de vagas ofertadas ao ensino superior federal com o aumento de 100%; criação do ProUni; implementação do ENEM e do SISU; a criação de programas institucionais como o PARFOR, que atinge professores da educação básica e o Ciência sem Fronteira, somado às ações afirmativas implementadas pela SECADI; ampliação da Rede Federal de Educação Profissional Científica; o fortalecimento da assistência estudantil; ampliação do aporte financeiro para a pesquisa e a extensão dentre outros.
No que diz respeito às perdas, podemos dizer que ocorre atualmente um desmonte dessas políticas educacionais, a começar pela retirada da autonomia das universidades e dos institutos federais, agredindo a soberania da comunidade universitária com a imposição do Decreto 9.794/2019, que impede eleições dentro das universidades, proibindo os reitores de escolher suas equipes. Assoma-se a isso, o fim dos conselhos e comissões existentes nas universidades e nos institutos superiores e a retirada de gratificação comissionada de coordenadores, chefes de departamento e congêneres, via decreto; e a supressão das duas universidades federais que seriam implementadas no Amazonas, uma no Alto Solimões e outra no Baixo Amazonas.
Pensar a educação no contexto Amazônico implica que o governo volte o olhar para os povos tradicionais (pescadores, seringueiros, quilombolas, mulheres agricultoras, indígenas, dentre outros). Exige, sobretudo, que conceba a floresta como um patrimônio dos povos da Amazônia, implementando políticas de preservação e conservação dos rios, lagos e seus tributários, defendendo suas riquezas naturais saqueadas pelo grande capital e pela prática da biopirataria, sob os auspícios de uma cobiça internacional presente na região desde a sociedade colonial.
Hoje, mais do que antes, a soberania dos povos tradicionais da Amazônia encontra-se ameaçada pelo governo federal, incluindo o vilipêndio do pré-sal, das riquezas minerais e da biodiversidade. É preciso que sejam construídas ferramentas de contenção dos usos indevidos de bens naturais da Amazônia, de modo que os ecossistemas sejam preservados.
Supõe como diretriz do desenvolvimento fomentar a educação do campo não só com aporte de receita, mas também com a estruturação de uma política curricular específica voltada para os povos da floresta. É preciso que os poderes públicos voltem a atenção para a carreira docente da educação básica, especialmente a política de plano, cargos e salários, atualmente defasados em todas as esferas, municipal, estadual e federal. É fundamental que a educação básica assuma relevância no processo de desenvolvimento da região, constituindo-se como porta de entrada para o ensino superior e a pós-graduação.
É preciso, por fim, que a educação assuma relevância nesse processo socialmente sustentável, o que sugere investimento na infraestrutura das escolas, universidade e institutos federais de educação, além da qualificação de professores no plano da educação continuada e da pós-graduação. Deve-se voltar o olhar para a educação ambiental como política pública frente aos graves problemas socioambientais e ecológicos que gravitam nesta região. Estamos enfrentando tempos difíceis, sendo, pois urgente a conclamação LULA LIVRE.
Atenciosamente,
Povos da floresta e das águas.
Comissão organizadora do Ato coletivo – Eu, tu nós em defesa do Ensino, Pesquisa e Extensão: uma causa pública. Comissão organizadora: Programa de Pós Graduação Sociedade e Cultura da Amazônia – PPGSCA/ UFAM, Associação Nacional de História – Seção Amazonas- ANPUH, Comitê das Humanidades- UEA, Coletivo Escola Família Amazonas – CEFA, Centro Acadêmico de Francês – UFAM, Curso de Especialização em Desenvolvimento, Etnicidade e Políticas Públicas da Amazônia – DEPPA- IFAM, Laboratório de Ensino, Pesquisa e Experiencias transdisciplinares em Educação – LEPETE/UEA, Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Políticas Públicas e Educação – GEPPE/ UEA, Laboratório de História Oral e Audiovisual do Amazonas – LABHORA- UFAM, Direção Estadual do Partido dos Trabalhadores – PT/AM, Associação Nacional de Pós Graduandos -APG, Centro Acadêmico de História da UFAM, Laboratório Território, Saúde, Ambiente e Sustentabilidade da Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ.