Menos médicos, menos investimento e um banho de agrotóxicos
Primeiro ano do governo Bolsonaro foi marcado por retrocessos e cortes no Sistema Único de Saúde (SUS)
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O corte orçamentário de R$ 1 bilhão para a saúde pública, efetivado pelo Congresso Nacional em janeiro de 2019, era o prenúncio de um ano de desmontes e retrocessos na área.
O governo Bolsonaro impôs uma série de obstáculos aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). Com menos dinheiro em caixa, as consequências eram inevitáveis: hospitais sucateados, menos servidores em campo, remédios em falta, minorias ainda mais desassistidas.
O presidente encerrou o programa Mais Médicos, apresentou o “Médicos pelo Brasil”, mas nunca expôs uma medida consistente para suprir a lacuna deixada pelos 8 mil profissionais cubanos.
Quem mais sentiu o baque foi a população periférica de grandes cidades, desassistida pelo novo programa, conforme análise da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares. O “Médicos pelo Brasil” também inviabilizou a construção de novas unidades básicas de saúde pelo país e enfraqueceu vínculos trabalhistas.
A relação entre direitos trabalhistas e serviços públicos de saúde, aliás, desencadeou várias greves em reação a medidas do governo. Em junho, trabalhadores de hospitais, pronto atendimentos, unidades básicas de saúde (UBS) e unidades de pronto atendimento (UPA) cruzaram os braços contra a reforma da Previdência. Os manifestantes diziam que a proposta penalizava os trabalhadores para beneficiar o mercado.
Sem medicamentos
O arrocho financeiro impactou nas farmácias populares. Sem coordenação por meses e com gastos 27% menores do que em 2015, o programa deixou de atender cerca de 7 milhões de pessoas nos últimos dois anos, segundo levantamento da Repórter Brasil junto ao Ministério da Saúde e a Fiocruz. Mais de 400 farmácias foram fechadas.
Ao mesmo passo, o Ministério da Saúde suspendeu, sem justificativas, o contrato com sete grandes laboratórios públicos, usados para a produção de 19 remédios gratuitos pelo SUS. O impacto foi sentido por mais de 30 milhões de brasileiros, que tinham disponíveis os medicamentos por preço até 30% inferior.
O debate sobre a liberação da maconha para uso medicinal ganhou força em 2019. Em outubro, a Câmara dos Deputados instaurou uma comissão especial para debater o tema no Legislativo – embora dezenas de pessoas tenham sido ouvidas pelos parlamentares, nenhuma ação foi concretizada pelo grupo, até o momento.
Já no fim do ano, em dezembro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) regularizou a venda de remédios à base de cannabis em farmácias. Apesar do avanço simbólico, ativistas e parlamentares de oposição a Bolsonaro classificaram a nova regra como “excludente e elitizante”.
No mesmo mês, Bolsonaro assinou um decreto que extinguiu 22,4 mil cargos da Saúde. Destes, 10,6 mil são de agentes comunitários, responsáveis por executar medidas de auxílio à prevenção de doenças, por meio de visitas às casas e da desinfecção de locais públicos e privados. Os investimentos na categoria são considerados essenciais, por exemplo, para a prevenção da dengue.
Em 2019, desde que Bolsonaro assumiu a Presidência, os casos de dengue no Brasil aumentaram sete vezes em relação ao ano passado e ultrapassaram a marca de 1,5 milhão.
Veneno na mesa
Sob governo Bolsonaro, o Brasil bateu recordes na liberação de agrotóxicos – até dezembro, mais de 500 rótulos haviam sido liberados. É o maior número dos últimos 14 anos, segundo monitoramento da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.
A liberação em massa refletiu-se em uma pesquisa divulgada pela Anvisa, em dezembro, que apontou que ao menos metade dos alimentos de origem vegetal consumidos no país tem resíduos de agrotóxicos. A agência, no entanto, relativizou o risco e afirmou que o consumo dos alimentos é seguro.
Ele atacou populações indígenas, por exemplo, sugerindo a extinção da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). A proposição se deu mesmo com o crescimento de 400% nos atendimentos dos últimos quatro anos. Após diversas manifestações populares, o ministro recuou e desistiu da ideia.
Em um exercício de suposição, o ministro da Saúde cogitou cobrar por atendimentos no SUS, em entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura.
Ao discursar na 16ª Conferência Nacional de Saúde, em Brasília (DF), Mandetta foi vaiado por cerca de 17 minutos. Ele garantiu aos presentes que o Brasil chegou “ao momento da democracia”, e que “pela primeira vez o Ministério se faz sem toma-lá-dá-cá’”.
Sem toma-la-dá-cá (diz o ministro), sem investimento, sem médicos, sem perspectivas.
Por Brasil de Fato