‘America First’: Crise escancara humilhação brasileira pelos EUA

Comportamento subalterno de Jair Bolsonaro é o maior desastre da história da diplomacia brasileira. Em meio à pandemia, governo Trump vira as costas ao Brasil. “O povo brasileiro pode contar com os EUA quando virarmos a esquina”, diz secretário de Estado norte-americano

Alan Santos/PR

Jair Bolsonaro e Donald Trump: Obediência cega do brasileiro está ampliando os riscos para acordos comerciais entre Brasil e outros parceiros, como a China, o maior comprador de soja do mundo

O alinhamento cego e subserviente do governo Jair Bolsonaro aos Estados Unidos é uma guinada sem precedentes na histórica tradição de pragmatismo e valorização da soberania nacional pela diplomacia brasileira. O ‘novo rumo’ introduzido pelo Ministério das Relações Exteriores, chefiado por Ernesto Araújo, um diplomata de segunda linha, colocou um dos fundadores do BRICS de joelhos no tabuleiro das relações internacionais.

O que não era novidade para nenhum analista de política externa sério do planeta ficou agora escancarado pela crise da pandemia coronavírus: o Brasil tornou-se um anão geopolítico. A única coisa que o governo ganhou com sua diplomacia de completa devoção a Donald Trump foi a contaminação em grupo, presenteada na última viagem da comitiva brasileira ao país, em fevereiro. “Este alinhamento incondicional não rendeu nada até agora ao Brasil”, aponta o ex-chanceler Celso Amorim. “Só prejuízo junto a outros parceiros”.

Para não deixar dúvidas de que a América está sempre em primeiro lugar, principalmente em relação a Bolsonaro, o secretário de Estado Mike Pompeo declarou, na terça-feira (14), em entrevista coletiva, que os Estados Unidos só irão ajudar o Brasil com insumos e equipamentos no combate à pandemia depois de resolver a situação interna no país. “O povo brasileiro pode contar com os EUA quando ‘virarmos a esquina’ e aumentarmos a produção americana para todos os itens restritos, que vão de respiradores, testes, tudo o que é necessário”, anunciou. “Quando chegarmos lá, o Brasil deveria saber que faremos tudo o que pudermos para ter certeza de que eles têm o que precisam”.

Pirataria americana

Não é só. O governo americano vem prejudicando as ações de combate ao coronavírus no Brasil e em outros países, como a França e a Alemanha. Os Estados Unidos foram acusados, no início de abril, de praticar pirataria para desviar e confiscar equipamentos de proteção, como máscaras e outros insumos. Sob a ameaça do “aliado”, o Brasil enfrenta dificuldades, por exemplo, para trazer em segurança os equipamentos comprados da China.

Em que pese o claro desprezo de Trump ao Brasil e seu povo, Bolsonaro parece não se importar, copiando o ídolo americano em tudo, inclusive nas declarações estapafúrdias e no atropelo a instituições e adversários políticos. Lá fora, Trump confronta estados ao tentar impor o fim da quarentena sem ouvir governadores, criando um clima de insegurança na população. Aqui, Bolsonaro abre guerra a estados e municípios, exigindo que gestores locais encerrem as determinações de isolamento social.

Segundo o senador Humberto Costa (PT-PE), até mesmo os repasses constitucionais da União às 27 unidades federadas e às quase 5,6 mil cidades foram retardados, em descabida retaliação do Palácio do Planalto a governadores e prefeitos. “Essa é a necropolítica de Bolsonaro. Hoje, nós temos mais de 23 mil infectados, segundo os dados oficiais”, critica. “É necessário que deixemos Bolsonaro, que é um criador de crises, de lado. O Congresso e o Supremo estão fazendo o que é preciso para colocar rédeas em tantas loucuras e fazer o país andar”, afirma.

China, a verdadeira ‘ameaça’ a Trump

Em busca de um bode expiatório para os erros de sua administração, sobretudo na condução da crise, Trump abriu guerra à Organização Mundial da Saúde (OMS), com anúncio de cortes no financiamento e acusações absurdas de que a agência da ONU ‘defende’ a China. É fato que Trump ressente-se do aparente controle do país asiático na disseminação do vírus em seu território.

O uso de expressões deselegantes como “vírus chinês”, responsáveis pelo aumento da intolerância à comunidade asiática nos Estados Unidos, esconde, no entanto, algo mais sério: o temor de que a crescente influência chinesa na economia mundial se transforme em supremacia absoluta, um fato consumado no mundo pós-pandemia.

Megalomania do Tio Sam

Por aqui, o par brasileiro segue à risca as instruções do Tio Sam e ignora a ameaça do coronavírus, desobedecendo constantemente as orientações de isolamento anunciadas pela OMS como medidas de contenção da disseminação do vírus. Semanalmente, Bolsonaro sai às ruas, arriscando a vida da população brasileira, numa ode tresloucada ao negacionismo.

Lá, em meio ao caos social, Trump é acometido por mais um ataque megalomaníaco. A ordem expressa de que seu nome apareça impresso nos cheques de auxilio que serão entregues às famílias americanas causará atrasos no recebimento do benefício, segundo fontes da Receita Federal dos Estados Unidos.

No Brasil, enquanto avança no Congresso com medidas que cortam salários e direitos dos trabalhadores, Bolsonaro tenta pegar carona na onda de uma proposta que não saiu da sua administração: o auxílio-desemprego de R$ 600, aprovado no Congresso, e que passou a ser concedido a trabalhadores informais pelo governo. A medida foi uma vitória das esquerdas, em particular do PT. Se dependesse do ministro da Economia, Paulo Guedes, o povo brasileiro teria de se contentar com a inacreditável soma de R$ 200, proposta felizmente derrubada pelo campo progressista.

Pandemia, um entrave nas eleições

O cálculo político de Trump – e por consequência, de Bolsonaro –, contudo, mostra que o tiro pode sair pela culatra. Em pleno ano de reeleição, os EUA atravessam um dramático cenário de guerra, com novas contaminações e mortes multiplicando-se numa espiral apocalíptica de tragédia e terror que parece não ter fim. Com mais de 600 mil casos confirmados e 26 mil mortes, os norte-americanos lideram o ranking de contaminados no mundo, que já passou a barreira dos 2 milhões de casos.

A fatura pode ser cobrada nas eleições presidenciais deste ano. A imprensa martela diariamente a tecla da omissão do republicano diante da gravidade da crise. Segundo o New York Times, o presidente foi alertado em janeiro sobre o perigoso potencial de destruição da pandemia. “Mas a falta de planejamento e a fé em seus próprios instintos levaram a uma meia resposta”, criticou o jornal.

Como resultado, corpos são empilhados diariamente nos hospitais de cidades cartão-postal, como Nova York. A condução desastrosa da crise sanitária na América pode, portanto, levar os democratas de volta ao poder. O adversário de Trump é Joe Biden, o ex-vice-presidente dos Estados Unidos na chapa de Barack Obama.

O cenário é repleto de incertezas e a situação em território americano pode ser ainda mais grave, exatamente como no Brasil. Devido às subnotificações, cientistas alertam que o número de casos registrados pode ser o dobro do que é divulgado oficialmente. Por progressão, especialistas calculam que, em apenas dois meses, os Estados Unidos podem ter um terço da população infectada, cerca de 100 milhões de pessoas.

Em um país onde o sistema de saúde pública é simplesmente inexistente, o temor maior é quanto ao grau de devastação em cidades com alto índice de moradores de rua, como Los Angeles. No Brasil, com a saúde pública prestes a entrar em colapso, sufocada por sucessivos cortes de financiamento, poderá haver um extermínio da população mais pobre, encurralada nas favelas e periferias. Como se vê, não havia nada para Bolsonaro se inspirar a não ser a falsa imagem de prosperidade refletida pela América de Donald Trump.

Da Redação, com agências internacionais

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