PIB cai 1,5% e fracasso, enfim, sobe à cabeça de Guedes
Ministro da Economia admite agora que economia brasileira não vinha bem. “A impressão que eu tinha era que tínhamos começado a andar”, afirma, mas não descartou que atividade vinha em estado “meio anêmico”. Brasil perdeu 4,9 milhões de empregos na pandemia
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O fracasso finalmente subiu à cabeça do Posto Ipiranga. A queda de 1,5% do PIB no 1º trimestre de 2020 – antes, portanto, do impacto maior da pandemia do Covid-19 no país –, levou o ministro da Economia a admitir, pela primeira vez, que a economia brasileira não vinha muito bem. “Vou pedir para desagregarmos. Para vermos se nos dois primeiros meses já estávamos decolando e no terceiro mês a crise nos derrubou ou se já estávamos em estado meio anêmico”, disse Paulo Guedes, em seminário do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), na manhã desta sexta-feira, 29.
A declaração contrasta com afirmações anteriores de Guedes, que vinha insistindo que o Brasil vinha em voo de cruzeiro, antes do início da crise, e foi abalroado pela crise sanitária que levou à parada da economia. Ele antes gostava de falar em decolagem. “Estávamos em pleno voo, começando a decolar quando fomos atingidos por essa onda”, disse, em março. Os dados do PIB foram divulgados na manhã desta sexta-feira pelo IBGE.
Guedes fecha a semana com uma coleção de indicadores preocupantes e que mostram um cenário desolador para o Brasil. O fracasso não está apenas no fato da economia ter retraído 1,5% entre janeiro e março, na comparação com os três meses anteriores, de outubro a dezembro de 2019. Tem ainda um dado mais grave: o país perdeu 4,9 milhões de postos de trabalho. Desse total, 3,7 milhões vinham do mercado informal.
O tombo no PIB é a maior queda da atividade econômica desde o recuo de 2,1% no segundo trimestre de 2015. “A impressão que eu tinha era que tínhamos começado a andar”, apontou o agora hesitante Posto Ipiranga. Apesar do abalo diante do fracasso de política econômica, apoiada na precarização da mão-de-obra, o Guedes insiste na fórmula de arrocho fiscal, reformas anti-povo e privatizações. “Vamos surpreender o mundo”, disse o vendedor de ilusões. “Vamos fazer medidas especificamente desenhadas para a geração de empregos e ao mesmo tempo aprovando marcos regulatórios adequados para disparar investimentos privados”.
Vendedor de ilusões
O ministro vende há mais de 500 dias uma ilusão de que bastam mais reformas para que o país navegue rumo à prosperidade. A promessa soa como música ao mercado, mas a realidade mostra um concerto de cacofonias e trinados que têm ceifado empregos, empresas e ampliado a desigualdade. Desde o início da pandemia, a promessa de dinheiro para empresas e autônomos só chegou a atender parcialmente as expectativas. Só 1,5% dos R$ 40 bilhões reservados para as micro e pequenas empresas chegou aos negócios. E 23 milhões de brasileiros aguardam o auxílio-emergencial de R$ 600.
Hoje, Guedes criou uma nova miragem, ao desenhar uma bizarra retomada da economia nacional para o pós-pandemia. O ministro disse que acredita numa recuperação da economia em formato V, mas um V diferente. “Falo em V porque os sinais vitais da economia estão mantidos”, disse o ministro, dublê de ilusionista. “Pode ser um V meio torto? Pode. Pode ser um V da Nike? Pode”, afirmou. Ele faz referência ao logotipo da marca esportiva, que tem a segunda perna do “V” mais deitada (indicando uma recuperação mais lenta). “Dependendo da nossa reação pode ser U ou até L, só depende de nós”, disse.
O ministro continua descarado ao defender o neoliberalismo como solução para uma economia pujante no país. “Há uma falácia circulando por aí, um raciocino até cruel. De que foi muito bom o coronavírus vir para mostrar como é importante ter Estado”, disse Guedes, numa crítica velada ao ex-presidente Lula de que foi preciso surgir uma pandemia devastadora para que o Sistema Único de Saúde (SUS) passasse a ser valorizado. Nem o fato de Estados Unidos ter recorrido ao Tesouro para ajudar empresas e pessoas levou-o a admitir que o Estado é um indutor da economia.
O papel do Estado
“A nação que lança mais recursos para proteger as pessoas é a mais rica, a que tem menor Estado”, mentiu. “Não podemos voltar ao passado, temos que ir a um futuro diferente”, disse, num sofisma em que não menciona o fato de que, nos Estados Unidos, setores como gestão de água, recursos hídricos e de geração de energia elétrica estão na mão do Estado – da União – e não da iniciativa privada. Aqui, o ministro da Economia tem insistindo na venda da Eletrobrás e de suas subsidiárias, numa valor subestimado de R$ 370 bilhões – uma ninharia que não cobre os investimentos realizados pelo Estado e o povo brasileiro nos últimos 50 anos.
Paulo Guedes tenta vender a ilusão de que o Brasil continua a ser atrativo para os investidores estrangeiros. A realidade, entretanto, é exatamente o oposto. O país deixou de ser uma opção de investimento seguro porque o presidente Jair Bolsonaro tem provocado rachaduras na imagem do Brasil aos olhos do mundo, tanto por causa de seu comportamento na gestão do enfrentamento da pandemia – condenada pela mídia internacional – quanto pelo ambiente de instabilidade política.
Nesta sexta-feira, o economista francês Pascal Lamy, ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), deu entrevista ao jornal ‘Valor Econômico’ e disse que a instabilidade política no país pode afastar ainda mais os investimento externos. Ele disse que a crise política e institucional no Brasil sob Bolsonaro deverá dificultar nos próximos meses a atração de investimentos para o país. “Não vivemos um período muito favorável aos investimentos. Além disso, os investidores estrangeiros também olham os riscos políticos. Me parece claro que hoje o Brasil não está estabilizado no plano político”, comentou.
Lamy tem uma visão ruim da administração do Brasil, inclusive do Itamaraty. “É um governo de extrema-direita, que é perigoso para a democracia e perigoso para a evolução da cultura política no Brasil, que é um país com o qual tive muitos contatos”, lamentou. O economista ironizou a proposta do chanceler Ernesto Araújo de um redesenho do Conselho de Segurança da ONU, no qual o Brasil terá acento e poderia vir a influenciar numa nova ordem mundial. “Não vou responder sobre o caso brasileiro porque a ideia de que seria bom generalizar a todo o planeta os valores do senhor Bolsonaro é uma proposta que não acho sedutora”, disse.
Da Redação