Sob pressão, Bolsonaro e Guedes insistem em não retomar o auxílio
Embora sete entre cada dez beneficiários não tenham conseguido outra fonte de renda, segundo pesquisa Datafolha, o presidente e o ministro se escudam no teto de gastos para justificar sua omissão. Nove projetos de lei tramitam no Congresso com o objetivo de reabrir os pagamentos enquanto durar a pandemia
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Cada vez mais pressionados para retomarem o pagamento do auxílio emergencial a trabalhadores informais enquanto persistir a crise do coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro e seu ministro-banqueiro da Economia, Paulo Guedes, partiram para a grosseria e a chantagem no início desta semana.
Na segunda (25), Bolsonaro negou a um apoiador que o auxílio será prorrogado. Ao ser questionado na entrada do Palácio da Alvorada sobre o assunto, rebateu: “Converso isso com o Paulo Guedes, contigo não. A palavra é emergencial. O que é emergencial? Não é duradouro, não é vitalício, não é aposentadoria. Lamento muita gente passando necessidade, mas a nossa capacidade de endividamento tá no limite. Satisfeito aí?”.
Nesta terça, em evento virtual do banco Credit Suisse, Bolsonaro voltou a descartar a possibilidade. “Manteremos firmes o compromisso com a regra do teto de despesas como âncora de sustentabilidade e credibilidade econômica. Não vamos deixar que medidas temporárias relacionadas com a crise se tornem compromissos permanentes de despesas”, disse, afirmando que pretende “avançar na tramitação das propostas de reforma fiscal, tributária e administrativa em parceria com o Congresso Nacional”.
Ao lado do chefe, Guedes condicionou o auxílio ao corte de gastos em saúde, segurança pública e educação e à suspensão de reajuste salarial para servidores. “Quer criar auxílio emergencial de novo? Precisa ter cuidado. Pensar bastante. Não pode ter aumento automático de verba para educação, para segurança. [Auxílio] passou a ser prioridade, é dinheiro para guerra. Se apertar o botão aqui, vai ter de travar o resto todo”.
O ministro-banqueiro ainda recorreu a uma chantagem macabra. “Se a pandemia faz a segunda onda, com mais de 1,5 mil, 1,6 mil, 1,3 mil mortes, saberemos agir com o mesmo tom decisivo, mas temos que observar se é o caso ou não”, comentou, fazendo coro com o patrão: “[Vamos] avançar nas reformas fiscal, tributária e administrativa em parceria com o Congresso”.
Na segunda, o instituto Datafolha divulgou pesquisa revelando que sete em cada dez beneficiários do auxílio ainda não encontraram outra fonte de renda, seja trabalho formal ou atividade remunerada. Conforme o levantamento, 40% da população solicitou o auxílio. Entre os que tiveram direito ao pagamento, 89% já receberam a última parcela.
Dos 2.030 pesquisados, apenas 16% receberam as oito parcelas pagas enquanto durou o benefício, e 18% não receberam nenhuma parcela. Na média, foram pagas 4,5 parcelas do auxílio a cada beneficiado. Com o fim do pagamento do benefício, aumentou o percentual de famílias que tiveram queda na renda. Subiu de 51% para 58% o percentual dos que afirmaram ter perda de renda.
Outra pesquisa, da consultoria Atlas Político, apontou 75% dos entrevistados favoráveis à continuação do auxílio emergencial. No total, 59% desses entrevistados rechaçam o desempenho de Bolsonaro e 53% apoiam seu impeachment. Além disso, 63% acreditam que o caos na saúde pública está piorando, 81% acreditam que a situação do emprego é ruim e 75% acham que a situação econômica do Brasil é ruim.
A imagem negativa de Bolsonaro subiu de 55% para 60%. “Crise na saúde, impacto sobre emprego e popularidade do presidente estão fortemente correlacionados”, ressaltou Andrei Roman, diretor do Atlas Político, ao jornal ‘El País’.
Projetos pela retomada se multiplicam no Congresso
No Congresso Nacional, nove projetos foram apresentados na Câmara dos Deputados e no Senado Federal propondo a retomada do auxílio. Entre eles, o PL 5.494/20, de autoria dos senadores Rogério Carvalho (PT/SE) e Paulo Rocha (PT/PR), que estipula o pagamento de parcelas de R$ 600 até 30 de junho.
Há mais um projeto, autenticado no sistema interno da Câmara e que será numerado no início da sessão legislativa de 2021, em fevereiro, que prevê a prorrogação do auxílio de R$ 600 por mais quatro meses. Autor da proposta, o líder da Minoria da Câmara, José Guimarães (PT-CE), defende a adoção permanente de um modelo de renda mínima para os informais.
“Ainda estamos em pandemia. Não há previsão de vacinação, tampouco de retomada da economia. O auxílio ganha ainda mais importância com o aumento desenfreado do desemprego, que já atinge 14,1 milhões de brasileiros”, afirma o deputado. Esses 14,1 milhões de brasileiros que estão desempregados, segundo dados mais recentes do IBGE, equivalem a 14,6% da população com capacidade de trabalhar.
A pressão por novos gastos se deve à demora para vacinação da população e o aumento das medidas de distanciamento social neste início de 2021. Agora, até algumas entidades patronais defendem a medida a partir do recrudescimento da Covid-19 e das novas medidas de restrição que prefeituras e governos estaduais são obrigados a retomar. Para o empresariado, apesar das preocupações com as contas do governo, a volta do benefício é vista como saída caso as limitações aos negócios se prolonguem.
Haroldo Ferreira, da Abicalçados, disse ao jornal ‘Folha de São Paulo’ que o novo auxílio deveria ser direcionado a regiões específicas, e com mais controle para evitar pagamento indevido. Edmundo Lima, diretor da Abvtex (associação do varejo têxtil), lembra que também é importante resgatar a redução da jornada e dos salários, medida que no ano passado atingiu mais de onze milhões de trabalhadores.
Em 2020, o auxílio foi pago por meio de crédito extraordinário. Por isso, o dinheiro não foi contabilizado como despesa para apuração do limite do teto de gastos. Para que o mesmo não ocorra em 2021, seria necessário recorrer ao mesmo expediente.
De acordo com o painel de gastos com a pandemia elaborado pela Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão do Senado Federal, dos R$ 524 bilhões pagos pelo governo federal em todas as ações relacionadas ao enfrentamento da Covid-19 até o momento, R$ 293 bilhões se referem ao auxílio. Ainda há cerca de R$ 2 bilhões liquidados, mas que ainda não foram pagos (restos a pagar em 2021).
As primeiras parcelas do auxílio foram pagas em abril, mas há pessoas que só conseguiram liberar o benefício ou fizeram a solicitação posteriormente. Há beneficiários que ainda receberão a última parcela, em alguns casos mais de uma, até o fim de janeiro. Houve também uma sobra de R$ 28,9 bilhões autorizados por lei, mas que só podem ser utilizados caso haja a prorrogação do benefício. Projeção da IFI aponta, por exemplo, que seria possível pagar mais três parcelas de R$ 300 a 25 milhões de pessoas a um custo aproximado de R$ 15 bilhões.
Segundo a Caixa, 67,9 milhões de pessoas receberam o benefício (4 em cada 10 brasileiros em idade de trabalhar). Destes, 19,2 milhões estão inscritos no Bolsa Família e voltaram a receber o benefício a partir de janeiro. Quase 43% de todos os recursos do auxílio, cerca de R$ 125 bilhões, foram para o Norte e o Nordeste.
Da Redação