Claudio Puty: Pelo fim da impunidade

Foram precisos que se passassem 43 anos da morte e desaparecimento de Rubens Paiva para que a Justiça brasileira, finalmente, se pronunciasse sobre esse crime hediondo da ditadura militar. Na…

Foto: Agência Câmara

Foram precisos que se passassem 43 anos da morte e desaparecimento de Rubens Paiva para que a Justiça brasileira, finalmente, se pronunciasse sobre esse crime hediondo da ditadura militar. Na última semana, o juiz federal Caio Márcio Gutterres Taranto aceitou a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra cinco oficiais do Exército – entre eles um general e dois coronéis – acusados pelo assassinato e ocultação de cadáver do ex-deputado federal opositor da ditadura. Com isso, viraram réus o general reformado José Antônio Nogueira Belham – ex-comandante do DOI-Codi do Rio de Janeiro –; os coronéis reformados Raymundo Ronaldo Campos e Rubens Paim Sampaio e os sargentos paraquedistas reformados e irmãos Jurandyr e Jacy Ochsendorf e Souza.
Numa rara demonstração de coragem cívica, o juiz Caio Taranto afirmou que a denúncia do MPF trata de crimes previstos no Código Penal não protegidos pelas disposições da Lei de Anistia, de 1979, pois esta, na interpretação do magistrado, não inclui crimes previstos na legislação comum, mas apenas crimes políticos ou conexos a estes, punidos com fundamento em instrumentos de exceção, como os Atos Institucionais. Como afirmou a professora Vera Paiva, filha de Rubens Paiva, essa decisão é um indicador de que o Brasil está mudando para melhor, seguindo a tendência internacional de quebrar o cinturão da impunidade que protegia agentes do Estado que violaram os direitos humanos.
O juiz também argumentou que a morte de Rubens Paiva se insere na condição de “crimes contra a humanidade” que, por definição, são imprescritíveis. “O homicídio qualificado pela prática de tortura, a ocultação de cadáver, a fraude processual e a formação de quadrilha armada foram cometidas por agentes do Estado como forma de perseguição política”, escreveu ele na sua decisão.
Suspeito de intermediar a troca de correspondência entre exilados no Chile e seus contatos no Brasil, Paiva foi preso em sua casa no Rio de Janeiro em 20 de janeiro de 1971 por agentes do
Centro de Informações da Aeronáutica (Cisa) e depois transferido para o DOI-Codi, na Barão de Mesquita, onde foi torturado até a morte. Depoimentos de vários oficiais do Exército à Comissão Nacional da Verdade confirmaram que, depois disso, os militares montaram uma farsa, sustentando que Paiva fora resgatado, em meio a um tiroteio, por seus companheiros “terroristas”. Em março, o tenente-coronel reformado Paulo Malhães revelou que, como agente do CIEx (Centro de Informações do Exército), recebeu em 1973 a missão de desenterrar o corpo de Paiva do Recreio dos Bandeirantes e dar um destino definitivo a ele, jogando-o no mar.
Essa foi a segunda decisão da Justiça, em menos de um mês, que determinou a abertura de ação penal contra agentes do Estado durante a ditadura militar. Há 15 dias, a juíza federal Ana Paula Vieira de Carvalho recebeu denúncia contra cinco oficiais e um civil acusados pelo atentado à bomba no Riocentro, em 1981, articulado por setores da linha dura inconformados com a abertura política. Foram indiciados os generais reformados Newton Cruz, então chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI); Nilton Cerqueira e Edson Sá Rocha; o coronel reformado Wilson Machado, o major Divany Carvalho e o ex-delegado Claudio Guerra.
Assistimos, nos últimos anos, a uma enxurrada de denúncias e depoimentos de militares e civis envolvidos na repressão política da ditadura. Entre elas, é de se destacar as revelações do ex-delegado Claudio Guerra, que na condição de agente do DOPS incinerou corpos de presos políticos em uma usina de cana em Campos dos Goytacazes; e as do tenente-coronel Paulo Malhães, misteriosamente assassinado em abril depois de ter revelado os métodos bárbaros de sumir com os corpos. Na semana passada, a essas denúncias se somaram as do coronel PM Riscala Corbaje, que confessou ter torturado mais de 500 pessoas no DOI-Codi do Rio entre 1970 e 1972. Essas revelações e a reviravolta nas decisões da Justiça foram possíveis graças à dinâmica criada pela instalação da Comissão Nacional da Verdade, em 2012, pela presidente Dilma.
Por isso é importante discutirmos a revisão da Lei da Anistia. Não por revanchismo, como classificam saudosistas da ditadura, mas para acabar com a impunidade e criar um marco civilizatório, consolidando assim a defesa dos direitos humanos e o regime democrático no país. Pois se hoje dissidentes políticos como Rubens Paiva não correm mais risco, excluídos como o pedreiro Amarildo continuam sendo torturados e desaparecidos.
Claudio Puty é deputado federal (PT-PA), vice-líder do governo no Congresso Nacional.

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