Crítico dos juros altos de Campos Neto, Nobel de economia defende taxar ricos
Em palestra no STF, Joseph Stiglitz afirmou que impostos sobre dividendos devem ter, no mínimo, os mesmos índices aplicados a trabalhadores. “Mesmo uma pequena taxa sobre as fortunas já geraria uma grande receita”
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O vencedor do Nobel de Economia, Joseph Stigltiz, chamou a atenção da mídia corporativa ao defender, durante uma passagem pelo Brasil, no mês de março, a queda dos juros extorsivos praticados pelo Banco Central, à época, estacionados em 13,75%. Agora, o renomado economista americano encampa mais uma bandeira do presidente Lula: a promoção da justiça tributária no país. Em uma palestra no Supremo Tribunal Federal (STF), na segunda-feira (11), Stigltiz defendeu a adoção de um modelo tributário progressivo, que faça com que os mais ricos paguem mais impostos no Brasil.
“Mesmo uma pequena taxa sobre as fortunas já geraria uma grande receita. Esse é um dos poucos ‘benefícios’ de se ter muita desigualdade em um país, poder taxar quem está no topo”, comentou Stiglitz durante sua intervenção no painel “Desafios para o crescimento econômico com estabilidade e inclusão social”.
Na palestra, o Nobel também foi incisivo ao criticar o atual sistema financeiro vigente no país. “Tem muita especulação no mercado financeiro, isso quase nenhum país faz, mas o Brasil está no topo da lista dos que fazem”, condenou Stiglitz, que foi economista-chefe do Banco Mundial e presidente do Conselho de Assessores Econômicos do ex-presidente americano Bill Clinton.
A avaliação do economista vai de encontro à Medida Provisória assinada por Lula no fim de agosto para taxar fundos de alta renda. A MP estabelece uma alíquota entre 15% a 20% para os fundos exclusivos. Ele também enviou ao Congresso um projeto de lei para tributar quem investe dinheiro no exterior. Trata-se dos chamados trusts, empresas estrangeiras que administram bens familiares, e os fundos offshores, que abrigam empresas de investimento fora do país em paraísos fiscais.
Taxas mais altas para super ricos
Como se sabe, setores do Congresso Nacional tem se mostrado resistente em promover justiça tributária no país, preferindo manter privilégios de quem administra grandes fortunas e heranças. De acordo com reportagem do jornal Valor, congressistas consideram “muito alta” alíquota de 10% sobre a antecipação de Imposto de Renda dos fundos exclusivos e advogam para algo perto da metade da taxação proposta atualmente, 6%, o que contraria o economista americano.
“Eu defenderia taxas mais altas”, definiu o Stiglitz, para quem os lucros sobre dividendos devem ser taxados tendo como base, no mínimo, as mesmas alíquotas impostas aos trabalhadores.
Stigltiz também fez um alerta: a mudança no sistema tributário para um modelo mais progressivo deve avançar logo, antes de o país sentir os efeitos da utilização de tecnologias como a Inteligência Artificial, que trará impactos profundos na arquitetura econômica global. “Não é falar em fazer isso em 20 anos. Em 20 anos, as coisas estarão muito piores e pode não ser possível lidar com as consequências”, advertiu.
Ele fez ainda elogios públicos ao presidente Lula pelos esforços de simplificação do sistema tributário brasileiro, a fim de torná-lo mais eficiente, inclusive medidas para fechar brechas tributárias que tornam o sistema mais injusto.
Juros altos impedem transição energética
O economista, que já disse “chocado” com a taxa Selic no Brasil, e chegou a comparar os juros básicos a uma “pena de morte”, voltou a criticar duramente a política do Banco Central (BC) do bolsonarista Roberto Campos Neto. Desde a última visita do economista ao Brasil, o arrocho monetário de Neto persiste, com a manutenção da Selic em 13,25%.
Para Stiglitz, o índice impede inclusive a agenda de transição energética planejada pelo governo Lula. “Nós precisamos que as pessoas façam investimentos ‘verdes’, mas elas não conseguirão fazer isso com as taxas de juros do Brasil, que são muito mais altas do que em qualquer outro país”, insistiu o economista.
O economista faz parte da corrente liderada pelo presidente Lula, segundo a qual os juros são o maior fator de impedimento do crescimento econômico do Brasil. “A necessidade de se adaptar à transição verde e reduzir a desigualdade torna ainda mais urgente buscar modelos econômicos alternativos. As questões do Brasil são mais urgentes do que em outros países ao redor do mundo. O Brasil sempre foi descrito como o país do futuro, mas o futuro continua sempre deixado para o futuro”, já alertava ele, em março, durante palestra promovida pelo BNDES.
Fracasso do neoliberalismo
Já na palestra do STF, o ex-chefe do Banco Mundial fez questão de reafirmar que o modelo clássico de economia de mercado propagandeada pelos neoliberais foi um completo desastre, resultando em concentração de renda e agravamento da pobreza mundial. “O neoliberalismo fracassou. Aumentou a desigualdade e não resultou em crescimento maior do que em outros períodos”, opinou Stiglitz.
Para ele, não há dúvida de que a rota de financeirização das economias, traçada pelos Estados Unidos e pela Europa, a partir da década de 80, não produziu grandes resultados. Ao contrário, a economia, na visão do economista, deixou de servir a sociedade, que passou a ser escrava do sistema financeiro. Ele também compartilha da tese do presidente Lula, que defendeu na Índia uma reforma da arquitetura global do sistema financeiro, bandeira recentemente levantada pelo bloco econômico do Sul Global, BRICS.
Da Redação, com Valor