“Memória é instrumento de luta contra racismo e desigualdades”, diz gestora do MDHC
Ao Café PT, Fernanda Thomaz, coordenadora-geral de Memória e Verdade da Escravidão e do Tráfico Transatlântico de Pessoas Escravizadas, ressalta o impacto histórico da escravidão e as ações do governo para resgatar a memória coletiva
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A memória é um dos principais instrumentos de luta contra o racismo e as desigualdades no Brasil. Essa é a visão da coordenadora-geral de Memória e Verdade da Escravidão e do Tráfico Transatlântico de Pessoas Escravizadas no Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), Fernanda Thomaz. Em entrevista ao programa Café PT, ela ressaltou o impacto histórico da escravidão e as ações do governo para resgatar a memória coletiva e enfrentar as desigualdades estruturais que persistem.
“O Brasil foi o país que mais recebeu pessoas escravizadas durante o período do tráfico transatlântico. Ainda assim, nossa história é marcada por um apagamento deliberado da memória dessa população que hoje representa mais de 50% dos brasileiros”, afirmou.
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Ela destacou que o resgate dessa história é essencial para evitar a repetição de violências e promover uma sociedade mais justa.
Fernanda Thomaz explicou que o racismo presente no Brasil atual é herança direta de mais de 300 anos de escravidão. “Apagar memórias também é uma forma de violência. Quando você apaga a existência de um povo, ele deixa de existir na memória das gerações futuras”, enfatizou. Para ela, o resgate da memória da escravidão é fundamental não apenas para evitar sua repetição, mas para criar políticas de reparação e combate ao racismo.
Iniciativa pioneira
A criação da Coordenação Geral de Memória e Verdade (CGMET) foi uma das iniciativas pioneiras do governo Lula neste terceiro mandato. Ela lembrou que as políticas afirmativas, como cotas e reparações, precisam estar ancoradas no reconhecimento do passado.
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“Não tem como pensar em políticas de igualdade sem olhar para esse passado que foi sistematicamente apagado”, destacou.
Fernanda Thomaz elencou os projetos desenvolvidos pela CGMET. São eles:
– Sinalização de lugares de memória: Identificação de locais marcantes na história da escravidão no Brasil. “Nossa primeira placa foi instalada na Serra da Barriga, onde existiu o Quilombo dos Palmares”, contou. A ideia é não apenas registrar esses espaços, mas promover processos educativos para sensibilizar a população local e nacional sobre sua importância.
– Educação quilombola e turismo de memória: Em Alcântara, no Maranhão, ações integram educação, turismo comunitário e preservação de patrimônio histórico. O projeto inclui oficinas e produção de materiais didáticos desenvolvidos pelas próprias comunidades quilombolas.
– Resgate do nosso sagrado: Uma parceria com lideranças religiosas para analisar inquéritos históricos que documentam repressões policiais a terreiros. “Estamos trabalhando para criar um dossiê de reparação para essas comunidades”, explicou.
Reconstrução das pautas raciais no governo Lula
A coordenadora comemorou o retorno das políticas de combate ao racismo no governo Lula, interrompidas após o golpe de 2016 contra a presidenta Dilma Rousseff. Ela destacou o fortalecimento do Ministério da Igualdade Racial (MIR) e a aprovação do feriado nacional da Consciência Negra. “Estamos reconstruindo as bases de uma política de memória que não seja facilmente destruída por futuros governos”, afirmou.
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Ela também compartilhou como essas políticas transformaram sua própria trajetória. “Sou de uma família operária da Baixada Fluminense e só consegui entrar na universidade, fazer mestrado e doutorado graças às bolsas e ações afirmativas implementadas nos governos Lula 1 e 2”, disse.
Memória como instrumento de luta
Para Fernanda Thomaz, a memória é uma ferramenta poderosa de transformação social. “A desigualdade que vivemos hoje tem uma história. Sem conhecê-la, é muito mais difícil combatê-la”, ressaltou.
Com projetos que incluem exposições e narrativas inéditas, como o resgate das histórias de pessoas negras com deficiência, a coordenação busca tornar visíveis histórias apagadas. “Descobrimos que a maior parte das pessoas negras com deficiência se tornam deficientes devido à violência e ao racismo estrutural”, revelou.
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A coordenadora ressaltou ainda que a escravidão deixou marcas profundas que ainda se refletem nas relações de trabalho atuais.”Boa parte das pessoas em situação de trabalho análogo à escravidão são negras. Isso reflete como naturalizamos a desumanização de certos corpos no Brasil”, explicou.
Ela citou exemplos como o trabalho doméstico em condições de semiescravidão. “Quando você vê uma mulher negra trabalhando em uma casa, sem relações sociais e sem autonomia, é um reflexo direto da mentalidade escravocrata que ainda persiste”, alertou.
A Coordenação Geral de Memória e Verdade está desenvolvendo diversos materiais educativos e informativos. “Estamos elaborando cartilhas, materiais didáticos e até uma exposição sobre a história de pessoas negras com deficiência”, anunciou.
Todo o conteúdo será disponibilizado gratuitamente no site do MDHC e em formato digital para maior alcance. “Queremos que a sociedade tenha acesso pleno a essas informações, porque é fundamental conscientizar para transformar”, afirmou Fernanda Thomaz.
Ela encerrou a entrevista destacando que a luta pela memória deve ser uma missão coletiva. “Sem memória, não há identidade, e sem identidade, não há resistência. Precisamos conhecer nossa história para construir um futuro mais igualitário”, concluiu.
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Da Redação