Milton Pomar: “Campanheiro” petista, com orgulho
Parece haver um consenso sobre as eleições de 2016: serão as mais difíceis da história do PT. Quando ouço isso acho graça, porque me lembro da dificuldade que era fazer…
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Parece haver um consenso sobre as eleições de 2016: serão as mais difíceis da história do PT. Quando ouço isso acho graça, porque me lembro da dificuldade que era fazer campanha petista, quando comecei profissionalmente nessa atividade, em 1986. Nesses 30 anos como “campanheiro” (termo que criei para me diferenciar dos “marqueteiros”), só atuamos em campanhas difíceis, a maioria delas com o candidato ou candidata iniciando “sem chance”. Essa sempre foi a nossa realidade, em todo o país, desde as primeiras campanhas do PT, em 1982.
As maiores dificuldades eram – e continuam sendo até hoje – a falta de dinheiro para propaganda e a massiva compra de votos pelos adversários. Sim, porque toda a lógica dessa imensidão de dinheiro nas campanhas dos capitalistas no Brasil se baseia na compra de votos. Os esquemas milionários que agora o país está conhecendo, de deputados federais eleitos em campanhas que custaram (oficialmente) seis a 12 milhões de reais, existem desde sempre como parte da engrenagem que viabiliza a eleição de figuras medíocres e em geral desconhecidas para vereadores(as), deputados(as) estaduais e federais, senadores(as) e governadores(as).
A lógica do sistema
Esses esquemas de comércio de votos continuam existindo graças à omissão dos tribunais eleitorais e de todo o “sistema” político, aí incluídas a mídia e as polícias. Aos céticos sobre a omissão do TSE em relação ao funcionamento do sistema tal como estou relatando aqui: se fosse para valer a sua atuação fiscalizadora, pegariam as prestações de contas de mais de R$1 milhão, dos candidatos a deputado eleitos e não-eleitos em 2014, e verificariam os gastos de forma detalhada. Quem gastou R$5 milhões para fazer 100 mil votos, como alguns notáveis(…), utilizou pelo menos R$3 milhões para abastecer as linhas de engrenagens, via “cabos eleitorais”, e distribuição direta e indireta de “ajudas”, incluindo contratação de muita gente para trabalhar, que é uma forma legal de compra de votos.
Há alguns anos, contestei artigo de um professor, no qual ele analisava pesquisa do Ibope que demonstrava que a compra de votos era um fenômeno “residual”, não chegando a afetar diretamente os resultados, porque menos de 5% admitia vender o voto. Argumentei que esses 5% eram o que bastava para alterar uma disputa eleitoral, e que além disso a maioria dos entrevistados dizia saber existir a compra de voto, enquanto somente uma minoria admitia o ilícito. Traduzindo, as perguntas da pesquisa não obtinham as respostas certas. Em geral, quem vende o voto não admite estar fazendo isso, mas apenas que o candidato lhe deu “uma ajuda” ou algo do tipo.
Quem trabalha em campanhas em grandes cidades pode até ficar na ilusão de que a compra de votos é residual, mas não é. Não pelo menos para a eleição de vereadores e vereadoras. Há uma engrenagem imensa em movimento, movida a muito dinheiro.
Toda a lógica do sistema é dinheiro, muito dinheiro. Os famosos acordos “políticos” nas disputas em grandes cidades são antes de mais nada acordos financeiros.
O detalhe é que o Brasil é um país de desastrosa pulverização municipal. Dos 5,5 mil municípios, mais de 80% são pequenos e muito pequenos – com menos de 20 mil habitantes. Se se considerar o conjunto dos municípios com até 200 mil habitantes, chega-se a mais de 90% do total. Na imensidão nacional, a compra de votos nos municípios com menos de 200 mil habitantes é dominante desde sempre.
Essa realidade está mudando para melhor, é verdade. Nos últimos dez anos, houve um aumento significativo e animador das cassações por compra de votos, e prisões de prefeitos, vereadores e empresários envolvidos em corrupção. Municípios “ricos” (que arrecadam muito) são os mais visados por quem está na política para ganhar dinheiro. Neles, a compra de votos é avassaladora, porque todo o investimento sempre será pouco, em relação à perspectiva de retorno.
Ganhamos a eleição em Chapecó(SC), em 1996, contra todas as expectativas. Nosso candidato era pouco conhecido (iniciamos com 5% de intenções de voto) e os adversários tinham muito dinheiro, sendo que o principal deles começou com 60% e era conhecido pelo equivalente ao paulista “rouba mas faz”. Fizemos “tudo certo” na campanha, da análise da pesquisa à propaganda impressa e de rádio e TV. Apesar disso, ganhamos por pouco, por causa da compra de votos e de uma jogada criminosa contra o nosso candidato. Como nos preparamos para quase todas as situações, foi possível superar a bandidagem adversária. Enfrentamos a compra de votos com arma na mão, literalmente, e “miguelitos”, bloqueando a passagem de veículos com cestas básicas em ruas da periferia, na noite anterior às eleições. Bons tempos aqueles!
Foi assim também em alguns outros municípios nos quais trabalhei, desde então. Em Itapema(SC), a população da periferia esperava as cestas básicas na madrugada do dia das eleições. Ganharam por pouco, mas nós os derrotamos depois no Judiciário, porque conseguimos provar que houve a compra de votos. Em Caçador, Quilombo e outros municípios não tivemos a mesma sorte, porque as decisões judiciais definitivas demoram tanto, que os eleitos de maneira fraudulenta acabam governando até o final do mandato.
Preferência partidária
Há quem duvide que o sistema político funcione via compra de votos e muito, muito dinheiro para isso. Mas como explicar o fato de partidos com baixíssima ou nenhuma preferência popular elegerem tanta gente desconhecida (e rica)? O PT chegou a ter 30% de preferência partidária, mais do que o dobro da preferência de todos os outros partidos. Entretanto, para vereador(a), o PT não consegue mais que 10% dos eleitos (para prefeitos chegou a 12%), justamente por causa da lógica dos adversários, de muito dinheiro e compra de votos.
Chegam a ser engraçadas, se não fossem trágicas, as análises dos votos “certos” que cada partido adversário tem, antes das campanhas eleitorais acontecerem, como se fossem votos cativos por razões ideológicas, quando o são na verdade por dinheiro.
Analisa-se de fato os “esquemas” de compra de voto de cada partido no município.
Daí o desespero depois, dos figurões desses partidos, por participação nos governos federal, estaduais e municipais, para viabilizarem o ingresso de recursos para a manutenção dos respectivos esquemas.
Começamos a impactar esse sistema a partir de 1988, quando ganhamos prefeituras e elegemos vereadores(as) em várias capitais e grandes cidades em todo o país.
Nossa relação custo-benefício era fantasticamente superior à dos adversários: ganhávamos eleições gastando 10% do que gastavam, e essa diferença fazia toda a diferença. O crescimento eleitoral do PT era animador, ainda que muito aquém do que poderia ser, principalmente para vereadores(as). Ganhávamos na propaganda da majoritária e perdíamos para a compra de votos nos proporcionais, o que se revelava desastroso depois para governar. Era comum vencermos eleições para prefeito com mais de 50% dos votos e elegermos somente um(a) vereador(a), em 15 ou mais.
Onde o PT governa dá certo
Apesar das dificuldades da “governabilidade”, por derrotas nas câmaras municipais, o PT foi se revelando bom administrador, apresentando avanços importantes e se destacando nacionalmente, com muitos prêmios, o que resultou em vários sucessivos mandatos petistas. Tudo isso alimentou a argumentação eleitoral e ajudou a eleger prefeitos(as) do PT em municípios vizinhos aos que governávamos, em 1992/96/2000.
Em 2001, em evento da área de Comunicação do PT de caráter nacional, realizado em Brasília, os nossos dirigentes apresentaram o “marqueteiro” famoso contratado para fazer o “upgrade” na campanha presidencial. Ali ficou evidente que parte do PT resolvera enfrentar a situação eleitoral de maneira diferente da utilizada até então.
Manifestei-me contrário a essa opção no plenário, e depois duas vezes por escrito, no site do PT Nacional – sem sucesso algum, evidentemente. Tudo o que ocorreu depois, e continua até hoje, ainda será escrito e debatido muitas vezes, mas é inegável o sucesso eleitoral do PT nesse período: em 2012 foi o partido que mais votos recebeu no país, superando o PMDB, até então campeão nas disputas municipais, e em 2014 reelegeu a presidenta da República, alcançando a impensável marca de quarto mandato sucessivo. E o sucesso do PT nas campanhas de 2012 e 2014 foi ainda mais impressionante, porque se deu apesar da “exuberância” financeira das campanhas dos capitalistas brasileiros, que investiram pesado para nos derrotar.
Tão difíceis quanto
Por tudo isso, pelo cinismo que nos cerca e tenta asfixiar, desde que o PT foi criado, as campanhas eleitorais de 2016 serão tão difíceis quanto foram as anteriores, nem mais nem menos. A proibição do financiamento empresarial não impedirá nossos adversários de terem dinheiro para comprar votos, pelo simples fato de que o sistema político e eleitoral dos capitalistas funciona assim, e ele não foi alterado na sua essência. Os donos do Brasil tomarão mais cuidado, haverá mais caixa dois e será mais trabalhoso para contadores e advogados, apenas isso.
Não tenho dúvida que 2016 será duro, mas nada parecido com o que já enfrentamos: minha primeira eleição, por exemplo, em 1978, foi no Exército, como soldado – éramos 200 mil militares “de prontidão” em todo o país, prontos para sair para as ruas, para o que desse e viesse, para garantir a “eleição” de Figueiredo, o general da Cavalaria/SNI que ficou seis anos na presidência da República. Ainda durante a ditadura, em 1982, o PT ganhou duas prefeituras, das quatro mil e tanto em disputa. A primeira vitória eleitoral do PT após o fim da ditadura, em 1985, foi Fortaleza, das 201 cidades consideradas de “segurança nacional” em disputa – o PDMB ganhou 127. Alguém faz ideia hoje da dureza que era fazer campanha petista em 1982/85/86/88? Em 1989?
As campanhas do PT não serão mais difíceis em 2016, também porque, “apesar da crise”, e apesar principalmente da propaganda diuturna, feroz, desonesta e descarada contra o PT, Lula, Dilma, e outros integrantes do Partido, alimentada em grande medida pela promíscua relação entre parte da mídia e alguns integrantes do Judiciário e da Polícia Federal, o PT cresceu em 2015. Cresceu e se fortaleceu.
Toda a propaganda contra o PT parte da premissa de que a população não tem capacidade para diferenciar a realidade das percepções que os capitalistas tentam criar. E a realidade é uma só: o Brasil melhorou muito, graças aos governos, parlamentares, e à militância do PT e dos demais partidos e movimentos de esquerda, em todas as áreas nas quais atuam. Nossa contribuição foi, e é decisiva, sim, para as transformações que ocorreram e continuam ocorrendo em todo o país, mais nítidas a partir de 2003.
Com a quinta maior população mundial, o Brasil é hoje um dos poucos países do mundo cujos habitantes têm, em sua grande maioria, perspectivas reais de mobilidade social, de efetiva melhoria de vida – o oposto(!) da situação da população dos Estados Unidos, por exemplo.
Falta fazer muito, é claro, não se transforma de maneira democrática um país dessa dimensão em tão pouco tempo. Faltam ainda as reformas Agrária, Urbana, Tributária, Política e do Sistema Financeiro. Falta alterarmos a lógica patrimonialista e rentista dominante, para inclusão da maioria da população brasileira no desenvolvimento econômico necessário, que é a base para a elevação do padrão de vida “para todos”.
Como optamos por fazer tudo isso de maneira democrática, implica ganharmos cada vez mais eleições em mais municípios e estados, nas assembleias e no Congresso Nacional. Um árduo caminho, mais árduo por causa da compra de votos.
Orgulho de ser “campanheiro”
Existem milhares de “campanheiros”, mas somos poucos, para dar conta da demanda do PT no país inteiro esse ano, de candidatas e candidatos a 5,5 mil prefeituras e 60 mil vagas em câmaras de vereadoras e vereadores. (Diferentemente do “marqueteiro”, que assessora qualquer partido, “campanheiro” é o profissional de propaganda petista, que trabalha de graça ou por ajuda de custo. Em algumas, chega a “pagar para trabalhar”, e nas que recebe, ganha sempre menos que no “mercado”.) Como não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe, com a volta dos “velhos tempos” de dureza nas campanhas, nos quais mais vale ter militância preparada e motivada para fazer campanha nas ruas, contrapondo argumentação consistente à retórica dos adversários, o PT conseguirá dar a volta por cima nas eleições de 2016.
Tenho orgulho de ser “campanheiro”, de trabalhar somente para candidatas e candidatos do PT nesses 30 anos, e de ter ajudado muita gente boa a disputar e a se eleger. Devo ter contribuído em cem campanhas desde 1986, em vários estados, analisando pesquisas, ajudando a definir estratégia e táticas, monitorando planejamentos, elaborando propaganda, e motivado e preparado muitos militantes e candidatos(as). Assim como eu, há muito mais militantes com orgulho do que o PT faz de bom, com a real compreensão do que está em jogo, e dispostos a continuar a longa batalha pelo socialismo.
Milton Pomar é profissional de marketing e geógrafo, mestrando na Fundação Perseu Abramo em Estado e Políticas Públicas. Ex-Secretário de Comunicação do PT-SC e ex-integrante do GTE Nacional