À beira do colapso hospitalar, País pode repetir tragédia européia

Enquanto Bolsonaro volta a forçar o fim da quarentena, número de leitos ocupados explode no Ceará, Amazonas, Rio de Janeiro e São Paulo. País ocupa a 10ª posição no ranking entre as nações com os maiores números de casos confirmados.

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UTIs lotadas em todo o país

Parece ideia fixa. O presidente Jair Bolsonaro voltou a citar as medidas de isolamento social adotados por governadores e prefeitos como ações “excessivas” e que “não atingiram seu objetivo”. “Eu espero que essa seja a última semana dessa quarentena, dessa maneira de combater o vírus, todo mundo em casa. A massa não tem como ficar em casa, porque a geladeira está vazia”, afirmou nesta segunda-feira, 20 de abril.

Hoje, o Ministério da Saúde (MS) informou que registrou que o número de mortes causadas pela Covid-19 foi de 113 pessoas. O total de óbitos subiu para 2.575, e o número de infectados é de 40.581 – ou mais 1.927 casos desde ontem. A taxa de letalidade chegou a 7%. O País ocupa a 10ª posição no ranking entre as nações com os maiores números de casos confirmados. Na semana passada, estava na 14ª posição.

Mas o Observatório Covid-19 BR, que reúne pesquisadores de universidades brasileiras e estrangeiras, calcula que as mortes já seriam o dobro dos dados oficiais. Em cenário mais pessimista, o número pode ser até nove vezes maior. Estudo do grupo, feito com base nos dados divulgados pelo MS na última quarta-feira, 15, levou em conta a demora entre as ocorrências das mortes e a entrada delas nas estatísticas do governo.

Tragédia oculta

“O cenário brasileiro está escondido. Hoje, quando você vê os casos notificados ou até os óbitos já aconteceram há mais de uma semana, provavelmente há mais de duas semanas”, afirma o professor Domingos Alves, um dos pesquisadores do Covid-19 BR.

Outra análise, um modelo matemático de pesquisadores das universidades federais de Alagoas e Rio Grande do Norte, entre outras instituições, conclui que a partir desta terça, 21, o número de leitos de UTI no país como um todo já não será suficiente para atender à demanda.

Em um  cenário de “inércia”, caso as medidas atuais não sejam endurecidas, as projeções do modelo desenvolvido pelo grupo de pesquisadores apontam para um número total de infectados de 3,15 milhões, com 393 mil mortos em alguns meses.

Embora boa parte dos governadores tenha adotado medidas para restringir a circulação de pessoas, houve relaxamento em alguns municípios ou descumprimento das orientações por parte da população. Entre os pesquisadores da área da saúde, é praticamente unânime que qualquer tipo de relaxamento no isolamento social pode provocar esse colapso no sistema de saúde.

Há exatamente um mês, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, anunciava uma rápida subida no número de casos entre abril, maio e junho. “Claramente, em final de abril nosso sistema de saúde entra em colapso. Colapso é quando você tem dinheiro, mas não tem onde entrar (nos hospitais)”, vaticinou, entrando de vez em rota de colisão com Bolsonaro.

Alguns estados já enfrentam esse desastre. No Ceará, 100% das UTIs já estavam ocupadas na última quinta, 16, com pelo menos 48 pacientes na fila de espera. Só há 310 leitos de UTI no total e o pico das infecções ainda não ocorreu. A previsão do governo do estado é de que a partir de 5 de maio poderá haver 250 mortes por dia.

Amazonas em colapso

O Amazonas deve ser o próximo estado a entrar em colapso. Na quinta, 16, chegaram 25 novos leitos de UTI no hospital Deplhina Aziz, em Manaus, mas a capacidade total é de apenas cem, e já há 75 pacientes graves de covid-19 em vagas semi-intensivas. Sem leitos de UTI, respiradores e recursos humanos, o governo do estado equipa as unidades hospitalares, lotadas com pacientes infectados pelo novo coronavírus, com contêineres frigoríficos para acondicionamento de corpos das vítimas da doença.

Em São Paulo, onde estão 26% dos leitos de UTI do país, um dos hospitais atingiu a capacidade máxima na quinta, 16. No Emílio Ribas, as 30 vagas de UTI estão ocupadas por pacientes, e a unidade recebe todo dia cem pedidos de vaga. Outros sete hospitais estão com mais de 70% de ocupação nas UTIs, e alguns com mais de 80%.

No Rio de Janeiro, Alberto Chebabo, diretor médico do hospital da UFRJ, um dos centros de referência para a doença no estado, diz que a projeção para as próximas duas semanas é de “caos completo”. Para ele, o cenário é bem parecido com o visto na Itália, Espanha e Estados Unidos. “A gente conseguiu atrasar o caos inicial, mas as medidas agora estão caindo por terra no momento em que seria de endurecer o isolamento”, lamentou em entrevista à revista Exame.

Chebabo reclama da subnotificação e da falta de transparência nos testes realizados, o que impede de se obter um quadro real da evolução da pandemia no Brasil. O Brasil faz 296 testes a cada um milhão de habitantes. Na Itália, são 20 mil, e na Espanha, 19 mil.

Pacto da sociedade

Sem um remédio com eficácia comprovada de uso seguro em escala e sem vacina, o ritmo de contágio do novo coronavírus e seu impacto no sistema de saúde são determinantes nas previsões. O que depende diretamente das tomadas de decisão de governantes sobre restringir a circulação de pessoas e do comportamento social.

“Essa é uma doença, como muitas outras, em que você precisa de um comportamento da população para ajudar. Ou a sociedade faz um pacto social de que a gente quer sair dessa ou a coisa complica, até pela forma de transmissão”, afirmou ao portal HuffPost Brasil Clarissa Damaso, professora de virologia da UFRJ.

Domingos Alves, que é do Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), diz que em todos os estados brasileiros e em cidades importantes no Brasil, as curvas de ascensão do vírus são similares às de cidades americanas. “A diferença é que estamos atrasados em relação a eles. Mas o caos que está acontecendo lá, que está todo mundo acompanhando na televisão, vai acontecer aqui e não é daqui um mês ou dois meses. Vai ser agora”, avisa. “Teremos em muitas cidades um cenário como o de Guaiaquil, no Equador, com pessoas mortas em casa e corpos nas ruas, porque os hospitais estarão lotados”.

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