Agência da ONU ganha Nobel por combate à fome, prioridade das gestões de Lula e Dilma

Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas foi premiado com o Nobel da Paz nesta sexta-feira (9) por também promover a paz “em áreas afetadas por conflitos”. “[A premiação é um] reconhecimento de que a fome tem sido ao mesmo tempo causa e consequência das guerras e conflitos desde sempre”, aponta o ex-diretor da FAO e criador do Fome Zero, José Graziano. Em 2014, no fim do governo Dilma, o país deixaria o Mapa da Fome da ONU, para onde agora retorna, com a asfixia social de Bolsonaro

foto: Ricardo Stuckert

José Graziano, ex-diretor da FAO e criador do Fome Zero, e o ex-presidente Lula

Nesta sexta-feira (9), a imprensa noticiou que representantes do Programa Mundial de Alimentos (PMA, ou WFP, na sigla em inglês), das Nações Unidas, foram surpreendidos com o anúncio de que a agência foi premiada com o Nobel da Paz. De acordo com o comitê norueguês que examina as indicações, o PMA foi reconhecido “por seus esforços para combater a fome, pela contribuição para melhorar as condições para a paz em áreas afetadas por conflitos e por atuar como força motriz nos esforços para prevenir o uso da fome como arma de guerra e conflito”.

Para a organização do Nobel, a pandemia do coronavírus tornou ainda mais necessária a atuação da agência, que enfrenta um cenário de escassez mundial de alimentos. “O programa da ONU demonstrou uma habilidade impressionante de intensificar seus esforços”, justificou o comitê, em comunicado.

Em nota disponibilizada no site da agência, o PMA afirmou que o prêmio é um reconhecimento “comovente do trabalho de funcionários que arriscam suas vidas todos os dias para levar comida e assistência para cerca de 100 milhões de crianças famintas, mulheres e homens em todo o mundo, pessoas cujas vidas são frequentemente dilaceradas brutalmente pela instabilidade, insegurança e conflito”.

Para a agência, “cada uma das 690 milhões de pessoas que passam fome no mundo hoje tem o direito de viver em paz e sem fome”. A agência agradeceu ao comitê por voltar os “holofotes globais para eles e para as consequências devastadoras do conflito”.

Na atual conjuntura de crise sanitária econômica, com milhões de pessoas empurradas para a pobreza extrema – inclusive no Brasil, onde o abandono da população por  Temer e Bolsonaro recolocou o país no Mapa da Fome da ONU – nada mais pertinente do que abraçar os esforços de quem luta para dirimir a maior das chagas mundiais, como fizeram os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff.

“Fome, causa e consequência das guerras”

“[A premiação é um] reconhecimento de que a fome tem sido ao mesmo tempo causa e consequência das guerras e conflitos desde sempre”, afirmou o ex-diretor da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), José Graziano, ao colunista Jamil Chade, do ‘UOL’.

Graziano, que esteve à frente da agência entre 2012 e 2019, também foi o pai do ‘Fome Zero’, implementado no governo Lula. Ele considera que a premiação é importante porque reforça a necessidade de se manter em evidência as discussões sobre combate à fome e à pobreza.

“Em 2016, tive a oportunidade de abordar, pela primeira vez, a conexão entre conflito e fome no Conselho de Segurança da ONU”, afirmou Graziano, pelo Twitter. “Fico feliz que o prêmio dado ao PMA coloque a fome novamente no centro da agenda internacional”, escreveu.

“Hoje o Nobel da Paz premiou o Programa Mundial de Alimentação da ONU, iniciativa voltada para a segurança alimentar no mundo”, afirmou Lula, pelo Twitter. “É a fome no centro do debate mundial. Uma luta do Brasil e do mundo”, apontou o ex-presidente.

Combate à fome, prioridade de Lula e Dilma

“Enquanto houver um irmão brasileiro, ou uma irmã brasileira sofrendo com a fome, teremos motivos de sobra para nos cobrir de vergonha”, afirmou o ex-presidente Lula, em seu histórico discurso de posse como presidente, em 2003. Estava estabelecida a diretriz de um projeto de governo que faria uma revolução social no país.

Pouco mais de uma década depois, em 2014, o Brasil deixaria o Mapa da Fome da ONU, no fim do primeiro mandato de Dilma Rousseff. Os programas de transferência de renda, integrados a políticas públicas como a aquisição de alimentos da agricultura familiar, fizeram do país uma referência internacional ao tirar 36 milhões de famílias brasileiras da miséria.

Os esforços do presidente Lula conferiram ao petista o título de Campeão Mundial na Luta Contra a Fome, ainda em 2010, pela mesma agência das Nações Unidas. “Presidente, você deu o produto mais precioso para seu povo: esperança”, reconheceu a então diretora do PMA, Josette Sheeran, à época.

Exemplo para o mundo

Sob Lula e, adiante, Dilma, o Bolsa Família virou exemplo para o mundo, ganhando destaque até na imprensa neoliberal europeia. O prestigiado semanário ‘The Economist’ destacou, em reportagem de 2008, que o programa de transferência de renda estava ganhando adeptos em todo o mundo. “Os governos do mundo inteiro estão olhando para este programa”, declarou Kathy Lindert, do escritório do Banco Mundial em Brasília, à revista.

De acordo com a reportagem, versões do programa estavam sendo estudadas para implementação no México, na cidade de Nova York e até no Egito. Para a ‘Economist’, o Bolsa Família “contribuiu para o aumento na taxa de crescimento econômico do Nordeste acima da média nacional” e ajudou a “reduzir a desigualdade de renda no Brasil”. Um dos fatores, pontuou a publicação, foi o aumento do poder de compra da população mais pobre devido à oferta de microcrédito adotada pelo governo.

Desamparo e volta ao Mapa da Fome

A situação começa a mudar a partir do golpe de 2016 e a implantação de uma agenda de destruição do Estado brasileiro, com resultados catastróficos para a população. Com cortes em investimentos sociais, impostos por Temer e Bolsonaro, a insegurança alimentar voltou a assombrar as famílias brasileiras. Após 13 anos de conquistas, a politica de desamparo da população adotada pela agenda neoliberal da direita brasileira levou o país de volta ao Mapa da Fome das Nações Unidas.

A fome, que atingia menos de 3,6% da população em 2013, voltou a ultrapassar o patamar estabelecido pela ONU, de 5%, a partir de 2018, anunciou o IBGE, no mês passado, confirmando o temor de especialistas. A situação foi mantida e aprofundada por Bolsonaro desde então.

“Houve um desmonte muito grande de políticas [públicas de segurança alimentar], a partir de cortes orçamentários”, relatou ao ‘Valor’ Francisco Menezes, ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), uma das mais amplas plataformas de participação popular dos governos petistas.

“Alguns, como o programa de aquisição de alimentos da agricultura familiar, com compra institucional, foram praticamente zerados”, constatou Menezes, hoje pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase). Ele considera que o retrocesso no combate à fome é enorme. “Se olharmos o montante de domicílios em segurança alimentar, podemos ver que voltamos ao patamar registrado em 2004”, observou.    

Em demonstração de absoluto desprezo pela vontade popular, Bolsonaro extinguiu o Consea em 2019.  O conselho foi responsável pelo Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o Plano Safra da Agricultura Familiar, a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica e o Programa de Aquisição de Alimentos e as compras institucionais de alimentos da agricultura familiar para escolas.

Da Redação, com informações de ‘UOL, ‘The Economist’ e ‘Valor’

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