AGU pede prosseguimento de investigação sobre operações suspeitas de Campos Neto

Órgão recorreu à Justiça Federal contra liminar que proibiu Comissão de Ética Pública de investigar investimentos do presidente do Banco Central em paraísos fiscais

Marcelo Camargo/Agência Brasil e Site do PT

Na Câmara, deputados se voltam contra a sabotagem de Campos Neto ao país

A Advocacia-Geral da União (AGU) ajuizou, no último dia 23, no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), recurso contra a liminar da 16ª Vara Federal do Distrito Federal que determinou a suspensão de um processo da Comissão de Ética Pública, da Presidência da República, sobre uma empresa aberta pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, no paraíso fiscal das Ilhas Virgens.

Conforme o processo, o recurso da AGU é o agravo de instrumento nº 1041771-67.2023.4.01.0000, que foi distribuído ao gabinete do desembargador federal Morais da Rocha. O magistrado ainda não se manifestou no caso.

O processo sobre Campos Neto na Comissão de Ética Pública é o de número 00191.000622/2021-71. Seu julgamento estava marcado para 27 de setembro, mas foi suspenso pela liminar da 16ª Vara Federal do DF, solicitada pelos advogados do economista.

Pandora Papers

Em outubro de 2021, no escândalo dos Pandora Papers, um consórcio internacional de mídia revelou os nomes de figurões detentores de empresas em paraísos fiscais – as chamadas offshores. O de Campos Neto apareceu ligado à empresa COR Asset, aberta em 2004, nas Ilhas Virgens, com um aporte de US$ 1 milhão.

Após a revelação, o presidente do Banco Central, no cargo desde fevereiro de 2019, se defendeu afirmando ter fechado a offshore em agosto de 2020. Ou seja, por 15 meses, ele acumulou as funções no Banco Central e as de investidor em offshore. Em resumo: escapava da obrigação de pagar impostos no Brasil e ainda podia obter ganhos extras na hipótese de o dólar se valorizar em relação ao real, cujo preço é diretamente influenciado por medidas adotadas pelo BC.

Foi a partir do escândalo internacional que a Comissão de Ética Pública abriu investigação sobre as atividades de Campos Neto.

Dois lados do balcão

Na última sexta-feira (27), a revista Carta Capital noticiou, em reportagem de capa, as operações suspeitas de Campos Neto. Intitulada “Dois lados do balcão”, a matéria afirma que o presidente do BC abriu, ao todo, quatro empresas em paraísos fiscais: Peacock Asset, COR Asset, ROCN (iniciais do nome do proprietário) e Darling Corp. A primeira nas Bahamas, e as outras nas Ilhas Virgens. A revista diz ter se baseado em documentos apresentados pelo economista ao Senado à época de sua indicação para o BC.

A reportagem informa que, em 27 de setembro, no mesmo dia em que foi obrigada pela Justiça a suspender o processo sobre investimentos de Campos Neto em paraísos fiscais, a Comissão de Ética Pública recebeu um pedido de investigação sobre conflito de interesse contra o presidente do BC, apresentado pelo deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ) e relacionado a um outro caso suspeito.

Segundo a matéria, Lindbergh, um dos críticos mais ferrenhos dos juros altos praticados pelo BC, pede que o colegiado apure a suposta ligação de Campos Neto com um fundo exclusivo registrado, em 10 de janeiro de 2018, na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e na Receita Federal. O fundo possui um único cotista, pessoa física e detentor de 100% do patrimônio desde o início. O CNPJ é 30.077.624/0001-78.

A matéria da Carta Capital informa que, em 27 de setembro, horas antes de Lindbergh pedir investigação na Comissão de Ética Pública, o deputado inquiriu Campos Neto em uma audiência da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara sobre se ele era o dono do referido fundo. A reportagem lembra que, durante a audiência, o parlamentar ficou sem respostas do presidente do BC, inclusive para a pergunta sobre se o fundo exclusivo tem investimentos em Tesouro Direto ou em títulos do Tesouro.

Título público é um papel que o governo vende no mercado financeiro em troca do compromisso de devolver o dinheiro lá na frente ao comprador e de pagar um adicional sobre o valor original da venda. Uma das referências usadas para remunerar compradores de títulos é a taxa básica de juros (Selic), que o presidente do Banco Central mantém nas alturas, sufocando a economia.

Em março de 2021, quando a Selic estava em apenas 2% ao ano, Campos Neto iniciou o maior ciclo de altas da taxa no século 21 – foram 12 aumentos seguidos. Em agosto de 2022, ela chegou a 13,75% ao ano, índice que foi mantido até agosto de 2023, quando o BC começou a fazer uma redução a conta gotas do índice, que ainda está em patamar elevado, de 12,75% ao ano.

Conflito de interesses

A revista informa que os investimentos no fundo começaram em 29 de janeiro de 2019, um mês antes de Campos Neto assumir a presidência do BC, e que o montante guardado à época somava R$ 12,5 milhões.

Em agosto de 2020, o fundo exclusivo investiu R$ 5 milhões em Letras Financeiras do Tesouro, títulos indexados à taxa Selic, conforme a reportagem, que detalha que o valor correspondia a 20% do patrimônio do fundo à época. Neste mês de outubro, segundo o texto, o montante chega a R$ 30,5 milhões – crescimento de 144% em pouco menos de cinco anos.

A reportagem da Carta Capital informa que os investimentos do referido fundo exclusivo são geridos pelo Santander, a instituição que empregou Campos Neto por quase duas décadas e que, hoje, está entre uma das poucas escolhidas pelo BC para planejar a criação de uma “moeda digital” brasileira.

A presidenta do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), comentou a reportagem da Carta Capital. “O curioso caso do presidente banqueiro do BC que tem grana nos fundos exclusivos e offshores e agora vai ser taxado”, disse a parlamentar, nas redes sociais, em referência à recente aprovação, pela Câmara dos Deputados, do projeto do governo Lula que prevê a taxação desses dois tipos de investimento.

“O mais curioso ainda é que Campos Neto está sendo investigado por assumir o BC e ficar por 15 meses na gestão dos seus quatro offshores – o que é proibido. Vai também ter que responder a mais um processo a pedido do companheiro Lindbergh Farias por conflito de interesses. Campos Neto tem fundo exclusivo que é afetado por decisões do banco como a definição dos juros”, prosseguiu Gleisi, concluindo: “Presidente do BC que usa essas aplicações, burla IR e ganha com a alta do dólar e da Selic, não pode decidir a política de juros do Brasil”.

Da Redação

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