Intervenção coloca RJ na mira do fuzil, mas não resolve problema

Reportagem da “CartaCapital” mostra que extrema pobreza dobrou no RJ nos últimos dois anos, enquanto os índices de violência permaneceram iguais

Agência Brasil

Soldados no Rio de Janeiro. População civil convive agora com tropas armadas e revistas inexplicáveis

“Evite andar à noite e portando guarda-chuva, podem pensar que você está armado.” A frase é de um vídeo produzido pelos youtubers Edu Carvalho, Spartakus Santiago e AD Junior, que dá dicas de como “sobreviver” sendo preto, pobre e favelado durante a intervenção federal no Rio de Janeiro.

Com 2,5 milhões de visualizações, o vídeo é um tapa na cara: por trás da justificativa cínica de “acabar com a criminalidade”, a intervenção causa medo e insegurança na população das comunidades do Rio de Janeiro, que há décadas sofre com a covardia de militares, policiais e traficantes.

Se parte da sociedade – que vive distante dos morros – comemora a medida de exceção do governo golpista, uma fotografia da Associated Press que rodou o mundo na terça-feira (20) mostra a real face da intervenção: crianças aterrorizadas e tendo as mochilas revistadas por militares portando fuzis.

Também chocam as imagens de militares “fichando” moradores, sejam eles crianças, idosos, mulheres, grávidas, que têm sua liberdade de ir e vir ameaçada, além de serem tratados como criminosos, antes mesmo de serem reconhecidos como cidadãos merecedores de dignidade e direitos.

Reportagem da revista “CartaCapital” publicada na segunda-feira (26) relembra como os moradores das comunidades, principalmente jovens, têm muitos motivos para temer a ostensiva presença de militares nos morros cariocas.

Em novembro de 2017 uma operação conjunta do Exército com o Core, unidade de elite da Polícia Civil, acabou com sete corpos espalhados por uma estrada do Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio. Logo depois, falecia a oitava vítima. Até hoje, nem os policiais nem os militares se responsabilizaram, jogando mais uma chacina na vala do esquecimento.

Não basta o histórico violento, mas declarações de militares que estão à frente da intervenção mostram que não existe sequer pudor ao deixar explícito o caráter de exceção da medida. Como bem lembra a “CartaCapital”, na segunda-feira (19), durante a reunião do Conselho da República, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, disse ser preciso dar aos militares “a garantia para agir sem o risco de surgir uma nova Comissão da Verdade”.

“Ao que parece, o oficial parece confundir a punição de torturadores com o uso legítimo da força em situações de confronto”, registra a matéria.

Violações aos direitos humanos

Ainda na terça-feira (20), a Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos e a Câmara Criminal do MPF divulgaram uma nota técnica conjunta apontando as ilegalidades da intervenção federal no Rio ide Janeiro.

Para os membros do Ministério Público Federal, o decreto de Temer é “marcado por vícios que podem resultar em graves violações à ordem constitucional e, sobretudo, aos direitos humanos.” A violação já é sentida desde os primeiros dias, como os exemplos citados acima.

No documento, os procuradores federais, que são especialistas na defesa dos direitos do cidadão, deixam clara a preocupação com a possibilidade de que excessos sejam cometidos contra a população pobre que mora em bairros e comunidades onde tropas do Exército atuarão como se fossem policiais.

O caráter de exceção está sendo denunciado diuturnamente, desde o dia do anúncio do decreto, pelo Partido dos Trabalhadores, que divulgou nota da direção junto às bancadas, que se posicionou a favor da criação de políticas públicas para melhorar a vida da população.

“O risco mais grave da intervenção federal é o risco de desvios autoritários. Tanto pelo forte aumento da militarização da política de segurança pública em um ano eleitoral, como pelo risco do envolvimento das Forças Armadas, treinadas para guerra.”

A revista “CartaCapital” lembra que Temer alcança o nível máximo de cinismo ao ir em cadeia nacional ao dizer que o “crime organizado quase tomou conta do estado”.

“Não houve nenhuma explosão de violência no Rio durante o Carnaval”, esclareceu Joana Monteiro, presidente do Instituto de Segurança Pública, órgão responsável pela divulgação de dados oficiais.

Segundo a “CartaCapital”, entre 9 e 14 de fevereiro deste ano, foram registradas 5.865 ocorrências policiais no estado, número 35% inferior àquele dos festejos de 2016, quando foram computados 9.016 delitos entre a sexta-feira e a Quarta-Feira de Cinzas.

No Carnaval de 2018, foram notificados 86 homicídios dolosos, número bem inferior ao dos anos anteriores: 94 assassinatos em 2017 e 101 em 2016.

“A taxa de 32,5 mortes violentas por 100 mil habitantes na cidade do Rio é menos da metade da registrada em meados da década de 1990. No estado, o cenário é muito parecido”, traz a reportagem, que lembra que o Rio de Janeiro é a décima capital do país com maior índice de morte violenta, segundo ranking do Fórum brasileiro com dados de 2016.

Moradores reprovam militares

Segundo uma pesquisa utilizada pela “CartaCapital”, feita pela ONG Redes da Maré, em parceria com o People’s Palace Projects da Universidade Queen Mary (Reino Unido), 69,2% dos mil entrevistados disseram que a sensação de segurança não aumentou, e 22% presenciaram confrontos violentos.

“Na comunidade, o Estado sempre negligenciou o direito à vida, à moradia digna, à educação de qualidade. Só ofereceu o seu braço armado, como se tanques de guerra fossem resolver os nossos problemas”, lamenta a jornalista Gizele Martins, nascida e criada na Maré.

Regressão social e aumento da pobreza

Intitulada “No Rio de Janeiro, o maior impasse é a violência ou a regressão social?”, a reportagem da revista mostra como houve uma regressão social no estado, piorando a qualidade de vida dos moradores, incluindo a taxa de desemprego entre pessoas acima de 14 anos no estado em 14,5%, acima da média nacional de 12,4%, de acordo com o Pnad Contínua do IBGE.

“Dos brasileiros que procuram trabalho há mais de um ano, 95% pertencem às classes C, D e E, indica uma recente pesquisa encomendada pelo Serviço de Proteção ao Crédito e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas”, mostra a reportagem.

A economista e ex-ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, em entrevista à “CartaCapital”, fala como o governo golpista está destruindo todas as conquistas, como a política econômica e social, dos governos do PT.

“Essa conquista só foi possível graças à forte geração de empregos no período, à formalização do mercado de trabalho, à valorização do salário mínimo, à ampliação da cobertura da Previdência rural e às políticas assistenciais, como o Bolsa Família e o Benefício por Prestação Continuada.”

A matéria traz ainda dados do Banco Mundial que mostram que de 2003 a 2014, o Brasil retirou mais de 29 milhões de cidadãos da pobreza.

“Hoje, todos esses elementos estão sendo destruídos pelo governo, com a política econômica recessiva, a supressão de direitos trabalhistas, a falta de reajustes no salário mínimo e nos benefícios assistenciais”, afirmou Campello à revista.

“No caso do Rio, emenda Campello, o cenário é mais grave devido à crise no setor de petróleo, que derrubou as receitas do estado e contribuiu para elevar o desemprego acima da média nacional. Após os carros alegóricos das escolas de samba, desfilam os tanques, mas a realidade continua a mesma”, traz a reportagem.

Assista ao vídeo “Como sobreviver a uma abordagem indevida”:

Da Redação da Agência PT de Notícias com CartaCapital

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