MPF aponta ilegalidades na intervenção federal do RJ

Desrespeito a preceitos fundamentais como direito à privacidade e igualdade preocupam procuradores, que alertam que Temer poderá ser responsabilizado

Agência Brasil

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A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e a Câmara Criminal do Ministério Público Federal divulgaram nesta terça-feira (20) nota técnica conjunta em relação ao Decreto nº 9.288, de 16 de fevereiro, que instituiu a intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro.

No documento, os procuradores federais, que são especialistas na defesa dos direitos do cidadão, deixam bastante claro todas as ilegalidades que enxergam no decreto de Michel Temer, bem como as preocupações com a possibilidade de que excessos sejam cometidos contra a população pobre que mora em bairros e comunidades onde tropas do Exército atuarão como se fossem policiais.

Para os membros do Ministério Público Federal, o decreto de Temer é “marcado por vícios que podem resultar em graves violações à ordem constitucional e, sobretudo, aos direitos humanos.”

De acordo com a nota técnica, a intervenção federal constitui uma medida extrema, porém menos grave do que o Estado de Defesa e o Estado de Sítio. Assim, não pode haver na medida de intervenção restrições a direitos fundamentais – diferentemente do que ocorre nas duas outras situações, para as quais a Constituição admite a temporária limitação de alguns direitos.

Veja, abaixo, os principais pontos irregulares do decreto de intervenção de Temer, que já recebeu críticas e repúdio de órgãos oficiais de defesa da democracia e dos direitos humanos, de movimentos sociais e do Partido dos Trabalhadores.

1 – Ilegalidade de mandados de busca, apreensão e captura coletivos

O ministro da Defesa anunciou na imprensa que uma das medidas a serem adotadas durante a intervenção poderia ser a requisição de mandados de busca e apreensão e de prisão “genéricos”, nos quais não serão especificados os destinatários das prisões e demais medidas cautelares.

Tal procedimento é ilegal, uma vez que o Código de Processo Penal é cristalino: a ordem judicial que restringe direitos, que deixa a polícia invadir uma casa, pegar coisas lá dentro e levar embora, precisa ser expedida com nome e sobrenome e por razões muito bem fundamentadas. Mandados em branco, conferindo salvo conduto para prender, apreender e ingressar em domicílios, atentam contra inúmeras garantias individuais, tais como a proibição de violação da intimidade, do domicílio, bem como do dever de fundamentação das decisões judiciais.

Por outro lado, a expedição de ordens judiciais genéricas, destinadas a serem cumpridas contra moradores de determinadas áreas da cidade, importa em “ato discriminatório”, violando o disposto no artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal. Isso porque faz supor que há uma categoria de sujeitos “naturalmente” perigosos e/ou suspeitos, em razão de sua condição econômica e do lugar onde moram.

2 – Amplitude e prazo de intervenção ilegais

O Artigo 36 da Constituição disciplina o decreto interventivo, mas não foi observado pelo presidente Michel Temer na hora de fazer o seu. O texto constitucional determina que o decreto  “especificará a amplitude, o prazo e as condições de execução (…)”. “Essa proeminência no detalhamento da intervenção encontra fundamento nos valores centrais do texto
constitucional: o regime federativo e os direitos fundamentais”, ensinam os procuradores, em sua nota técnica.

Conforme explicam, o decreto em análise não cumpre com essa exigência. Em seu art. 3º, diz que “as atribuições do interventor são aquelas previstas no art. 145 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro necessárias às ações de segurança pública”. Para os procuradores, no entanto, não se revela quais as providências específicas que serão adotadas na execução da intervenção.

O caráter excepcional da intervenção também demanda justificativa quanto ao prazo de sua duração. Ou seja, a medida é, em princípio, de curta duração, para fazer face a uma situação que se supõe seja uma disfuncionalidade ocasional e episódica no exercício autônomo dos entes federativos. “A previsão de um prazo alargado, que vai até 31 de dezembro de 2018, de forma peremptória e sem considerar eventual evolução da situação”, atenta contra a Constituição, ressalta o MPF.

3 – Desrespeito às leis do Estado do Rio de Janeiro

Está escrito no Artigo 3º do decreto de Michel Temer: “o interventor fica subordinado ao Presidente da República e não está sujeito às normas estaduais que conflitarem com as medidas necessárias à execução da intervenção”. Ora, isso significa que o general interventor não precisa seguir as leis do Rio de Janeiro, o que, como explicam os procuradores que assinam a nota técnica, é inadmíssivel. “Não parece razoável supor que o decreto em questão esteja a pretender suspender vigência e eficácia de legislação estadual. Não só pela sua inaptidão formal para tanto, mas porque não há, na Constituição, dispositivo que dê ao decreto interventivo tamanha possibilidade.”

“A intervenção federal é uma medida extrema, porém menos grave do que o Estado de Defesa e o Estado de Sítio. Na intervenção federal não pode haver restrições a direitos fundamentais, diferentemente das duas outras situações, para as quais a Constituição admite a temporária limitação de alguns direitos. Em realidade, a intervenção federal tem uma aproximação com a finalidade de preservar os direitos fundamentais e a democracia.”

Ou seja, não se pode imaginar que  uma intervenção federal no Poder Executivo de um Estado da Federação possa ser fonte de desrespeito à autonomia dos poderes Legislativo, Judiciário, ou mesmo às atribuição do Ministério Público. “Essa leitura parece bastante evidente, pois, como referido, a restrição de direitos humanos ou fundamentais, assim como o atentado à separação de poderes, são também causas de intervenção e, portanto, jamais podem ser consequência desses atos.

4 – Intervenção é civil não pode ter “natureza militar”

O interventor foi nomeado para assumir parte das competências do governador de Estado (decreto, art. 3º). A natureza da função a ser exercida pelo interventor é, portanto, aquela de governador de Estado, por definição constitucional um cargo de natureza civil. Não há impedimento para que um militar seja designado para assumir essa função, mas isso não altera a natureza da função, de acordo com a Constituição.

Mas o decreto de Temer estipulou que o cargo de interventor é de “natureza militar”. Por isso, o MPF demonstra sua preocupação quanto os termos usados pelo presidente em exercício, e alerta: “Em hipótese alguma a previsão no decreto interventivo da ‘natureza militar’ do cargo de interventor alterará a substância civil de sua atuação, inclusive para fins de
definição da jurisdição competente para o controle de seus atos e sobre a sua responsabilidade. Qualquer interpretação que tente vincular o exercício da função de interventor com o desempenho de função estritamente militar será inconstitucional.

“A intervenção federal no Poder Executivo estadual é, por definição constitucional, de natureza civil e não pode um decreto instituir uma intervenção militar, sob pena de responsabilidade do próprio Presidente da República que o emitiu”, avisa a Procuradoria.

O documento é assinado pela procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat; pela subprocuradora-geral da República e coordenadora da 2CCR, Luiza Frischeisen; e pelos procuradores adjuntos dos Direitos do Cidadão, Domingos Sávio Dresch da Silveira e Marlon Weichert. Para ler na íntegra, clique aqui.

Por Vinícius Segalla, da Agência PT de Notícias

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