Apagão de dados: Um navio sem capitão, navegando sem bússola
Desgoverno de Bolsonaro sofre apagão de dados em plena tempestade da pandemia do coronavírus. Cortes de vagas no Dataprev estão prejudicando o processamento de pedidos de auxílio emergencial para trabalhadores informais
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A pandemia do coronavírus arrastou como um tsunami os empregos nos Estados Unidos: da semana do dia 21 de março a esta quinta, 23, foram registrados 26,4 milhões de pedidos de auxílio-desemprego, 16% da força de trabalho. No Brasil, os números do seguro-desemprego no portal do governo federal não são atualizados desde 2018. A falta de dados oficiais no país, que afeta diretamente o acompanhamento da evolução da Covid-19, também ameaça os principais indicadores de emprego e renda.
Desde janeiro deste ano, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) não é atualizado. Um dos mais importantes indicadores de contratações e demissões de trabalhadores com carteira assinada, sua divulgação, tradicionalmente mensal, foi oficialmente suspensa pelo governo em 30 de março, por tempo indeterminado.
Já o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) vem fazendo por telefone a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, que abrange o mercado de trabalho formal e informal e revela a taxa de desemprego oficial do país. O percentual de pessoas que respondem caiu de 90% para 60%, e ainda não se sabe se a pesquisa atingirá o rendimento necessário para ser mantida durante a pandemia.
Cimar Azeredo, diretor-adjunto de pesquisa do IBGE, disse ao portal Repórter Brasil que a Pnad Contínua não foi desenhada para ser feita por telefone, por ter perguntas longas e um questionário grande, que as pessoas relutam em responder, por medo de fraudes. Segundo ele, caso não seja atingida a qualidade necessária, a Pnad Contínua poderá até mesmo ser temporariamente suspensa. “Precisamos que a população entenda que ficar no apagão estatístico diante de uma pandemia é muito ruim, pois as pessoas que estão hoje organizando o combate à epidemia precisam de números”, lamentou.
Já o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) Manoel Pires compara a situação a uma navegação sem bússola. “Houve uma piora geral de estatísticas do governo federal neste último ano e meio. Isso se deve a desinvestimento, falta de apreço pela informação e às vezes descuido”. O pesquisador cita ainda a falta de dados referentes ao Bolsa Família, e observa ruídos nos números do balanço de pagamentos do país.
O governo vem divulgando apenas, em coletivas de imprensa, quantos trabalhadores tiveram redução de jornada e salários ou suspensão temporária do contrato, conforme a MP 936, de 1º de abril. Mas esses dados não apontam o número de trabalhadores com carteira assinada demitidos ou os trabalhadores autônomos e informais sem renda e sem trabalho.
Desligamento incentivado
Em outra frente, a Dataprev, estatal responsável por processar todos os pedidos de auxílio emergencial para trabalhadores informais, desempregados, mães chefes de família e beneficiários do Bolsa Família, sofre com a perda de 600 servidores desde o ano passado, quando o governo Bolsonaro lançou um Programa de Desligamento Incentivado (PDI).
O presidente quer privatizar a empresa de processamento de dados do governo federal desde 2019, quando ela se tornou alvo de críticas pelo acúmulo de pedidos de benefícios, como aposentadorias, chegar à marca de mais de 2 milhões após a reforma da Previdência, em novembro. Quando lançou o auxílio emergencial, o governo prometeu analisar os requerimentos em cinco dias úteis, prazo que o Ministério da Cidadania admite que não está sendo cumprido. Tem gente há mais de um mês esperando por uma resposta de sua solicitação.