Após 20 anos, reforma política entra na pauta do Congresso
Defendida por Dilma Rousseff, proposta foi desengavetada e será apreciada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal
Publicado em
O Congresso aceitou discutir a reforma política, mas não como sugerido por Dilma. A proposta da presidenta, é a de realizar um plebiscito como meio de ampliar a participação popular e aprofundar as discussões acerca do assunto. Partidos de oposição e mesmo alguns da base aliada recomendam o referendo.
A exigência de reformas constitucionais nasceu nas chamadas jornadas de junho e julho de 2013, manifestações ocorridas em várias regiões do País que se desdobrou em reivindicações por mais democracia, educação e saúde. Uma das frases mais percebidas nos cartazes das manifestações era: “não me representa”, uma alusão ao Congresso Nacional.
De fato, a composição do Parlamento não é representativa da pluralidade brasileira. Lá, 70% dos congressistas, ou mais de 300 parlamentares, são empresários e latifundiários.
Este ano foram eleitos 462 homens e 51 mulheres. Elas são 53% da população, mas não passam de 10% dos congressistas. Os negros, mais de 60% da população brasileira, não passam de 8,5% dos parlamentares.
Para o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), com a atual composição do Congresso, a sociedade corre o risco de não ter os desejos atendidos. “O risco de um referendo, e não plebiscito, decidido a partir de uma decisão desse Congresso, é que os congressistas vão definir com sua ótica, com os seus interesses”, afirma Costa.
“Para responder à reforma política que os movimentos sociais querem, que a esquerda quer, só pode ser através de um plebiscito”, defende a vice-presidente do Partido dos Trabalhadores, Gleide Andrade. Para ela, é necessário perguntar à sociedade da necessidade de uma reforma no sistema eleitoral brasileiro.
Atitude presidencial – Em meio às manifestações de 2013, a presidenta Dilma falou, em cadeia nacional de rádio e tevê, para reafirmar o compromisso democrático do governo com as reivindicações pacíficas e conclamar, justamente, por uma reforma política.
“Precisamos oxigenar o nosso sistema político, encontrar mecanismos que tornem nossas instituições mais transparentes, mas resistentes aos malfeitos e, acima de tudo, mais permeáveis à influência da sociedade”, disse Dilma. A presidenta pregou a construção de uma ampla e profunda reforma política, para ampliar a participação social.
Segundo a proposta de Dilma, a mesma defendida pelo PT, a reforma deverá ser convocada por meio de uma assembleia constituinte exclusiva para reforma do sistema eleitoral. A partir daí, seria implantado o financiamento público exclusivo de campanha; participação paritária das mulheres na política; e o voto em lista pré-ordenada.
O financiamento empresarial a campanhas políticas é uma das principais fontes de abuso do poder econômico para influenciar o resultado das eleições. Empresas doam maciçamente, em geral, para partidos com mais possibilidade de vencer as disputas. A ideia é tonar os políticos reféns dos interesses de quem os financia.
Em maio deste ano, a presidenta encaminhou ao Congresso Nacional o Decreto 8.243, que institui a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS). “O objetivo é o de fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil”, diz o texto do decreto.
Em 28 de outubro, dois dias depois de Dilma convocar o plebiscito para a reforma política, a oposição e parte da base aliada do governo derrubaram o decreto. Foi uma clara demonstração do clima que o governo vai encontrar no Congresso para a realização da reforma política.
Parte da imprensa e alguns parlamentares acusaram a presidenta de tentar interferir na autonomia constitucional do Parlamento. Quando, na verdade, o objetivo é o de fortalecer a sociedade, mas sem dar a ela o poder de decidir pelas instâncias dos três poderes. O decreto apenas afirma que as instituições públicas devem levar em consideração a existência da opinião da população.
A Ordem dos Advogados do Brasil se colocou contra a convocação de uma constituinte. Segundo nota da entidade, há o risco de os parlamentares eleitos para o fim específico da reforma política extrapolarem os limites do tema e aprovarem assuntos diferentes.
“Esse discurso da OAB é incompleto porque nós sempre defendemos a constituinte exclusiva para a reforma do sistema eleitoral. A diferença entre eles e nós é que o PT quer dialogar com a sociedade”, afirma Gleide. Para a vice-presidente do PT, a proposta do partido é mais “radicalizada”. Segundo ela, a OAB defende o financiamento individual de até R$ 700 e o PT, o financiamento público exclusivo de campanha.
Também o senador Humberto Costa não acredita na possibilidade de desvirtuamento da constituinte. “Qualquer tentativa de furar a temática central da constituinte, pode ser coibida pelo próprio Congresso Nacional”, alerta o líder do PT no Senado.
Diante da polêmica sobre o assunto entre os parlamentares, inclusive de parte da base aliada, a presidenta passou a levar em conta a possibilidade de ser feito um referendo. Ou seja, ao invés de consultar a população, antes da discussão no Congresso (plebiscito), o eleitor poderá apenas ratificar a decisão dos constituintes (referendo). “Acho que não interessa muito se é referendo ou plebiscito. Pode ser uma coisa ou outra”, disse Dilma, em entrevista ao SBT, em 28 de outubro.
Diferenças – Uma constituinte é um órgão colegiado de parlamentares eleitos pelo povo, com a função de redigir ou reformar uma constituição. Ao fim da empreitada, o colegiado é dissolvido. Somente o Congresso Nacional tem a prerrogativa de convocar uma constituinte. A última delas data de 1986, quanto foram eleitos os parlamentares autores da constituição de 1988.
O plebiscito é uma consulta à população sobre determinado tema nos quais ela vota sim ou não. Por meio desse sistema, a sociedade é consultada antes do ato legislativo ser criado.
Segundo Gleide Andrade, o Congresso não tem condições de assumir a reforma política, nesse momento. “Nem se ele quisesse, ele teria tempo para cuidar do país e ainda se desdobrar em cima de uma constituinte para reformar todo o sistema eleitoral brasileiro”, analisa.
Referendo é também uma consulta popular, diferente do plebiscito porque a sociedade apenas responde se concorda ou não com um ato legislativo decidido pelo Congresso Nacional.
Mobilização – Durante a reunião da Executiva Nacional, ontem (3), o PT definiu por mobilizações em todo o Brasil. Segundo Gleide, foram marcadas duas plenárias de mobilização, em São Paulo e Recife, para esta terça-feira (4). De 9 a 15 de novembro, o PT irá promover uma mobilização da militância para participar das ações em defesa da reforma política.
Ela lembrou dos 7,5 milhões de votos obtidos pelo plebiscito popular convocado por mais de 480 instituições, entre os dias 1º e 7 de setembro deste ano. Ainda assim, o partido continua o trabalho de coleta de assinaturas para a constituinte exclusiva da reforma política.
Por Guilherme Ferreira, da Agência PT de Notícias