Artigo: O legado econômico do governo Lula, por Eduardo Fagnani

Suposição de que ex-presidente ‘quebrou o país’ é fake news com refinamento acadêmico, escreve Fagnani

foto: Ricardo Stuckert

Queda da vulnerabilidade: sob Lula, entre 2002 e 2010 a dívida externa bruta caiu de 42% para 12% do PIB

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é culpado pela crise econômica, afirma o colunista da Folha Marcos Mendes (“Em defesa do governo Dilma”, 25/1). O malabarismo para provar o argumento equipara-se ao aplicado para justificar o desastroso teto de gastos, do qual aquele crítico é mentor.

O artigo reprisa a narrativa de que o PT teria “quebrado o país”, ladainha tantas vezes utilizada para justificar o golpe parlamentar. A novidade é que, nessa versão, Lula teria sido o autor da façanha.

A ideia viciosa que se repetiu naquela crítica foi categoricamente desmentida pelo então Ministério da Fazenda do governo Michel Temer (MDB), em 2016: “A situação do Brasil é de solidez e segurança, porque os fundamentos são robustos. O país tem expressivo volume de reservas internacionais (…). As condições de financiamento da dívida pública brasileira permanecem sólidas (…). A dívida pública federal é composta majoritariamente de títulos denominados em reais”.

Quebrado estava o país em 2002, pelas políticas neoliberais adotadas a partir de 1990. Um dos legados de Lula foi reduzir drasticamente a vulnerabilidade externa. Entre 2002 e 2010 a dívida externa bruta caiu de 42% para 12% do PIB; as reservas cambiais aumentaram mais de 17 vezes (de US$ 16,3 para US$ 286,6 bilhões); a dívida externa líquida foi reduzida, de 37% para -2,4% do PIB —e, assim, o Brasil passou a ser credor em moedas estrangeiras, fato inédito na história econômica nacional.

A melhoria dos fundamentos entre 2002 e 2010 também é atestada pela queda da dívida pública (de 60,4% para 39,2% do PIB); da taxa de juros básicos da economia (de 24,9% para 10,7% ao ano); da taxa de inflação (de 12,5% para 5,9% ao ano); das despesas com juros, como proporção da arrecadação tributária federal (de 38,3% para 22,4%); das despesas com pessoal e encargos (de 4,8% para 4,3% do PIB); e no índice EMBI, que reflete a percepção de risco dos investidores externos (de 1.465 para 189 pontos).

O colunista diz que Lula teria sido beneficiado pelo “boom de commodities“, mas omite os impactos da crise financeira internacional de 2008-09, considerada a “maior crise do capitalismo desde 1929”. As medidas anticíclicas adotadas —tratadas nas ladainhas como se tivessem sido “estragos populistas”— foram escolhas acertadas que fizeram o Brasil sair rapidamente da crise (o PIB cresceu 7,5% em 2010). Não há menção ao fato de que o ciclo de commodities começou no governo anterior, mas, mesmo assim, por três vezes, o Brasil teve de recorrer ao FMI e ao aumento da carga tributária (de 27,2% para 32% do PIB).

No governo Lula foi feita a consolidação fiscal de longo prazo apoiada no crescimento —não na redução do Estado, como queriam os “economistas do mercado”, com o conhecido plano rudimentar, excludente e recessivo. A economia cresceu, em média, 3,5% (primeiro mandato) e 4,7% (segundo mandato). A relação dívida/PIB caiu significativamente, e foi possível praticamente zerar o peso dos títulos indexados ao câmbio no total da dívida (em 2001, esses títulos chegaram a representar 29,5% da dívida brasileira) e reduzir quase pela metade a proporção de títulos indexados à Selic, fortalecendo o governo central frente às pressões especulativas. Houve expressiva geração de superávits primários no governo Lula (média anual de 3,4% do PIB). O Brasil passou de 13ª para 6ª entre as maiores economias do mundo e ganhou “grau de investimento” das agências de classificação de risco.

A melhoria dos indicadores sociais, embora não seja valorizada pelos “economistas do mercado”, é outro legado. Houve queda do desemprego, geração de empregos formais, valorização do salário mínimo, redução da pobreza e da desigualdade de rendado trabalho e elevação da renda domiciliar, que gerou mercado interno com mais de 140 milhões de pessoas, o que fomentou o crescimento do consumo e das vendas no varejo.

Temer e Jair Bolsonaro (PL) radicalizaram a agenda neoliberal e mergulharam o país em grave crise. Já fracassaram todas as alardeadas “certezas” de que o impeachment geraria algum “choque de confiança”, que, milagrosamente, recuperasse a economia. O Brasil só não quebrou porque está sobrevivendo à custa dos mais de US$ 360 bilhões de reservas —80% das quais acumuladas no governo Lula.

Em suma, a suposição de que Lula teria “quebrado o país” é fake news com brilho superficial de refinamento acadêmico. A narrativa, alheia aos fatos, é tentativa demagógica de reescrever a história a partir de fantasias ideológicas sem suporte na realidade, que, teimosamente insiste em desmascará-las.

Eduardo Fagnani é professor colaborador do Instituto de Economia da Unicamp e membro do Núcleo de Economia da Fundação Perseu Abramo

Publicado na Folha de S. Paulo

 

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