Artigo: PPA, Protagonismo Popular e Planejamento Participativo
Artigo de Ubiratan de Souza , economista, Diretor de Planejamento e Orçamento Participativo, da Secretaria Nacional de Participação Social/SGPO PPA
Publicado em
Importante saber em que mundo vivemos.
Como percebemos a conjuntura nacional e internacional, no âmbito da política, da economia e da sociedade como um todo?
Como entendemos e deciframos esse mundo em transformação?
Sabemos que há uma evidente e disruptiva crise de legitimidade política e fiscal do Estado contemporâneo, dominado pelo capital financeiro, em escala global.
O Estado liberal burguês, em seu atual estágio neoliberal, imprime um processo de acumulação absolutamente desigual, através da financeirização e a concentração de grandes oligopólios globalizados, da privatização do patrimônio público, do endividamento dos Estados e das famílias, combinado com inovações tecnológicas cujas as vantagens são apropriadas de maneira privada e que levam a uma extrema precarização do trabalho.
O processo de concentração da riqueza e da renda, agravou a exclusão social, diminui o financiamento do Estado para as políticas públicas, provocando o aumento da concentração dos assentamentos humanos em condições precárias de infraestrutura e serviços nos centros urbanos, médios e grandes, evidenciando o fracasso das chamadas políticas compensatórias para a resolução dos problemas da sociedade capitalista.
Estamos recuando no processo civilizatório, onde o fazer político é desqualificado cada vez mais, uma fórmula sagaz para desestimular a participação cidadã das populações carentes.
Por outro lado, existe um processo em marcha para a construção de um mundo multipolar e de um outro modo de vida em sociedade, que coloca na ordem do dia a necessidade de novas relações de produção e trabalho digno. Neste sentido, a luta contra a exclusão social com políticas públicas que modifiquem a distribuição da riqueza, da renda e do poder nas cidades e nos países, coloca a pauta da reforma tributária progressiva como prioritária.
Como diz o Presidente Lula “colocando os ricos no imposto de renda e o povo no orçamento”.
E também as diversas formas de participação social e direta da população na definição das prioridades das políticas e da gestão pública. Por isso, as experiências do Orçamento Participativo são amplamente reconhecidas – nacional e internacionalmente -, bem como o recente e virtuoso processo de participação social na elaboração do Plano Plurianual Participativo do Governo Lula, porque respondem aos desafios da modernidade e sobretudo à crise de legitimidade política e fiscal do Estado contemporâneo.
A proposta de governo liderado pelo Presidente Lula apresentou um programa vitorioso nas eleições 2022, que tem como uma de suas diretrizes estratégicas a participação social com a retomada do diálogo com todos os movimentos sociais, organizações da sociedade civil e representações populares, e com os (as) cidadãos e cidadãs brasileiros (as) como importantes protagonistas na reconstrução e transformação do Brasil.
Neste sentido, o Governo Lula, desde janeiro de 2023, iniciou o processo coletivo e participativo de construção de políticas públicas por meio da restauração de todas as instâncias de participação social extintas pelo governo anterior, aprimorando sua composição e fortalecendo sua institucionalidade, iniciando o processo de “Reconstrução” dos Conselhos Setoriais e Temáticos.
Também foi institucionalizado o Conselho de Participação Social (CPS), que congrega em torno de 68 entidades nacionais dos movimentos populares e que teve um papel fundamental na transição do governo para a construção do presente processo de participação social.
Outra medida fundamental, foi recriar o Ministério de Planejamento e Orçamento (MPO), que havia sido extinto pelo governo anterior, retomando uma visão estratégica de planejamento para um projeto de Nação.
Ao mesmo tempo, foi reestruturada a Secretaria Geral da Presidência (SGP) como o Ministério da Participação Social. Com estas duas medidas o governo deu um salto qualitativo para o planejamento participativo com destaque inicial para a elaboração do Plano Plurianual Participativo coordenado pelo MPO, sob a Ministra Simone Tebet, e pela SGP, sob o Ministro Márcio Macedo.
O processo de participação social iniciou em abril de 2023, com a elaboração do PPA Participativo 2024–2027, que traça a partir do programa de governo consagrado nas urnas, em 2022: a visão de futuro, diretrizes, programas, objetivos e metas do novo governo para os três anos seguintes e o primeiro ano do próximo governo.
O PPA Participativo foi entregue no dia 30 de agosto último ao Congresso Nacional. É o plano de médio prazo que orienta, juntamente com a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), a elaboração da Lei de Orçamento Anual (LOA).
Para implementar o PPA Participativo se considerou a práxis das ricas experiências históricas da participação popular na elaboração dos Orçamentos Participativos (OP’s) municipais, estaduais e internacionais. Bem como dos conselhos setoriais nacionais e suas conferências. Sempre considerando a relação e o papel dos movimentos sociais e populares, sendo, ao mesmo tempo, revolucionário e inovador, integrando a participação social presencial com a participação digital, viabilizando, assim, o salto de qualidade para a esfera e escala federal, sem perder a organização e mobilização social e popular no território dos estados e municípios do País.
Para isto, se estruturou três instâncias de participação social articuladas e integradas:
a) Fórum Interconselhos, que articula os conselhos setoriais nacionais e o Conselho de Participação Social (CPS).
b) Plenárias Estaduais presenciais nos 26 estados e no Distrito Federal, que mobilizaram mais de 34 mil pessoas.
c) Plataforma Digital – Brasil Participativo, viabilizando que a população brasileira pudesse priorizar programas de governo, apresentar e votar propostas na plataforma, complementada e integrada por reuniões plenárias livres e autogestionárias.
O 1º Fórum Interconselhos ocorreu nos dias 18 e 19/04: reuniu representantes de 29 conselhos e comissões nacionais, debatendo a Dimensão Estratégica do PPA: visão de futuro e seus atributos; valores e diretrizes; eixos programáticos. O encerramento do Fórum contou com o pronunciamento do Presidente Lula conclamando à cidadania brasileira a participar do processo de construção do PPA Participativo 2024–2027.
No período de 11/05 a 14/07 ocorreram 26 plenárias presenciais nos estados e uma no Distrito Federal. O início foi na Bahia, em Salvador, com a presença do Presidente Lula e com o lançamento da plataforma digital Brasil Participativo, onde a cidadania podia apresentar e votar em até três propostas e votar em até três programas de governo. A última plenária estadual ocorreu em São Paulo no dia 14/07.
Já a Plataforma Brasil Participativo ficou aberta à participação social – remota e digitalizada – até o dia 16/07/23.
Cabe destacar o papel das reuniões preparatórias para a organização e mobilização das plenárias presenciais estaduais, que contou com a atuação das equipes e precursores da Secretaria Geral da Presidência (SGP), bem como dos movimentos sociais e populares e suas representações.
Estas reuniões preparatórias, tanto as digitais, como as presenciais, tiveram papel fundamental para os seguintes objetivos.
a) Explicar todo o processo de participação presencial e digital do PPA Participativo 2024–2027, a importância das reuniões livres, autogestionárias da sociedade, antes e depois das plenárias estaduais.
b) Organizar a mobilização para plenárias presenciais estaduais.
c) Definir os temas e propostas que seriam apresentadas, cadastradas e votadas na Plataforma Digital Brasil Participativo nas plenárias estaduais.
Desta maneira, as plenárias estaduais e do Distrito Federal presenciais, foram momentos ricos de debate, organização e mobilização da sociedade civil no processo de participação social no PPA Participativo 2024–2027, com apresentação e votação de propostas na Plataforma Digital Brasil Participativo, com falas de defesa das propostas feitas por lideranças representativas das mulheres, da juventude, do campo e da cidade, dos sindicatos, movimento LGBTQIA+, movimentos negros e povos originários, conselhos estaduais e municipais.
As plenárias foram acompanhadas por ministros de Estado, governadores, prefeitos e representantes do Poder Legislativo em todas as Unidades da Federação.
Com mais de 34 mil participantes, as plenárias constituíram momentos de ampla participação social e de diálogo entre a sociedade e o governo na elaboração do Plano Plurianual Participativo.
Nas plenárias, 309 movimentos e organizações da sociedade civil fizeram uso da palavra. Sempre com a presença atenta de representantes do governo federal.
Cabe destacar, as inúmeras reuniões livres presenciais e digitais, autogestionárias, organizadas por movimentos sociais, populares e cidadãos construindo coletivamente e definindo prioridades para os programas de governo e apresentação de propostas ou apoiando propostas já existentes que eram cadastradas e votadas na plataforma digital.
Neste sentido, a práxis adotada mostra que a Tecnologia da Informação (TI) não é sujeito político, mas, sim, instrumento amigável e facilitador das relações políticas e sociais. Isso possibilitou a ampliação da participação direta da cidadania para além das plenárias estaduais, levando a participação presencial para os municípios que compõe a base territorial dos estados e do País.
No 2º Fórum Interconselhos, reunido nos dias 10 e 11 de julho, com representantes de 36 conselhos e comissões nacionais, foi debatida a proposta da Dimensão Estratégica do PPA Participativo com as incorporações propostas pelos conselheiros na reunião de abril e iniciou o debate da Dimensão Tática do PPA com seus programas, objetivos, indicadores e metas, analisando as propostas mais votadas na plataforma Brasil Participativo e apresentando novas propostas tendo como referência o acumulado das resoluções das conferências setoriais nacionais.
No dia 14/07/23, em São Paulo, aconteceu a última plenária estadual presencial e no dia 16/07/23 o encerramento do processo de apresentação e votação de propostas e de programas do governo na Plataforma Brasil Participativo.
Na sequência no dia 19/07/23, foi emitido e divulgado o relatório da participação social da Plataforma Brasil Participativo com os seguintes dados:
Participantes cadastradas(os)
1.419.729
Propostas enviadas ao governo
8.254
Votos em propostas e programas
1.529.826
Número de pessoas que acessaram
4.087.540
A partir do relatório da plataforma, o governo procedeu a análise da priorização feita pelo povo para os 28 programas estratégicos do governo, das 50 propostas da sociedade mais votadas no geral e as 20 mais votadas em cada um dos 37 ministérios, buscando a sua viabilidade técnica para incorporá-las no texto do PPA Participativo 2024-2027. Sempre considerando o conjunto dos elementos que o estruturam: enunciado dos Programas, Objetivos Gerais, Objetivos Específicos, seus indicadores e metas; entregas, seus indicadores e metas ou como Medidas institucionais.
Na Dimensão Estratégica do PPA 2024–2027 a participação popular colocou a sua marca “Um País democrático, justo, desenvolvido e ambientalmente sustentável, onde todas as pessoas vivam com qualidade, dignidade e respeito às diversidades”
Por último, o 3º Fórum Interconselhos, reunido nos dias 29 e 30 de agosto, debateu a proposta final da análise e incorporação da participação social no PPA e a forma do processo de acompanhamento e monitoramento pela sociedade civil da execução do PPA.
Todo o processo culminou com ato solene realizado no dia 30/08, no Palácio do Planalto, com a entrega do PPA Participativo 2024–2027, pelo Presidente Lula ao Presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco.
Importante destacar que o PPA, instituído pela Constituição de 1988, é um plano de médio prazo que organiza a ação governamental e serve de orientação para a lei do orçamento anual.
Portanto, ele não é executado diretamente, mas através dos orçamentos anuais, e na sequência, tem a previsão do seu monitoramento.
Por isso, a necessidade de um Orçamento Participativo Nacional (OP–BR), pois o debate e as definições de prioridades para a elaboração do orçamento público anual tem que ser feito com participação social, levando em conta os programas e ações das políticas públicas de investimentos e serviços para a melhoria da qualidade de vida da população, promover o desenvolvimento econômico e social e, ao mesmo tempo, contribuir para um processo de solidariedade e de construção da cidadania substantiva, e não meramente retórica.
A praxis do PPA Participativo 2024–2027 é uma rica experiência e base de referência para o processo de elaboração da proposta de um Orçamento Participativo Nacional (OP-BR), combinado com o conhecimento e o intercâmbio de experiências dos Orçamentos Participativos (OP’s) municipais, estaduais e internacionais, dos conselhos setoriais nacionais e suas conferências, da relação e o papel dos movimentos sociais.
Por Ubiratan de Souza, economista, Diretor de Planejamento e Orçamento Participativo, da Secretaria Nacional Participação Social/SGP