Artigo: Volta a hora da esquerda com o Lula, por Emir Sader

“A reaparição do Lula muda os termos dos debates e dos enfrentamentos”, escreve o sociólogo Emir Sader em artigo que analisa a realidade do país após os últimos fatos da política nacional

Guilherme Santos

Emir Sader

O retorno pleno do Lula à vida política recoloca os termos dos enfrentamentos políticos. Até ali, o centro dos choques se dava no marco da direita, entre o Bolsonaro e os setores de direita que, apoiando sua política econômica, divergem do seu estilo de governo. Entre Bolsonaro e o Judiciário, entre Bolsonaro e o Congresso, entre Bolsonaro e a mídia.

Diante desses embates, a esquerda tinha que se posicionar, sempre contra Bolsonaro. Mas não era protagonista. Fazia uma frente concreta, em que a hegemonia, quem colocava os termos do confronto com Bolsonaro, era a direita. O horizonte da luta era limitado pela direita contra a extrema direita, que não tocava na política econômica do governo. Se chocava com as tendências autoritárias do Bolsonaro.

A reaparição do Lula muda os termos dos debates e dos enfrentamentos. O fato de que políticos de direita como o FHC, o Delfim, o Rodrigo Paes, Gilberto Kassab, optaram por votar no Lula no segundo turno, representa uma importante defecção para a direita e uma disposição de considerar o Lula como opção menos ruim, comparada com o Bolsonaro.

A divisão da direita é um sintoma mais da perda de narrativa e de capacidade hegemônica da direita. Seu discurso de luta contra a política e a corrupção perdeu capacidade de conquistar a manter adesões majoritárias na sociedade. O desalento com Bolsonaro não impede que continue a ter, pelo menos nas pesquisas, nível de apoio que, da mesma maneira que em 2018, faz dele o principal adversário da esquerda, do PT e do Lula. Os outros, em geral candidatos a expressão de uma suposta terceira via, se dividem, não conseguem agregar apoios políticos e sociais significativos. Mantêm suas candidaturas, porque acreditam que, em algum momento, a direita pode abandonar maciçamente Bolsonaro e buscar alternativas.

A esquerda precisa compreender a nova possibilidade que se apresenta para ela e estar à altura dos desafios. Antes de tudo, como frisa o Lula, se concentrar agora nas necessidades urgentes da população: auxílio emergencial, emprego, vacinas. Identificar-se com as urgências da massa da população, abandonada pelo governo.

A luta pela queda do Bolsonaro não deve ser abandonada pela esquerda. O controle do Congresso pelo Bolsonaro se mostra mais frágil diante do descontrole da pandemia, expressa em declarações, especialmente do presidente da Câmara, em quem o Bolsonaro deposita a confiança para brecar o impeachment. Revela como o Centrão está afetado pelo desgaste do Bolsonaro e o abandonará se esse desgaste abalar seus apoios eleitorais.

Um impeachment depende de um outro fator ausente por enquanto: a quarentena impede que a rejeição do Bolsonaro promova grandes mobilizações de rua. Os panelaços são uma mostra de como essa rejeição se estende e se torna mais vigorosa. Mas o clima de que a maioria não aguenta mais o Bolsonaro, requer mobilizações de rua, que não devem retornar por alguns meses ainda.

Mas alguma circunstância pode acender a chispa que alastre rapidamente um clima que torne viável o impeachment. A maioria do empresariado está muito descontente. A grande maioria da mídia, também. Será indispensável que a base parlamentar de apoio do Bolsonaro se quebre.

Mais além dessa possibilidade, que poderia fazer o Brasil ser poupado dos sofrimentos atuais, a esquerda tem que pensar na possibilidade de que a disputa política se derive para as eleições de 2022. Para esse momento, a primeira atitude responsável da esquerda tem que ser a da unidade de todas as forças, que hoje só pode se dar em torno do Lula, o grande candidato da esquerda.

Emir Sader é sociólogo e cientista políticos

 

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