Barros ataca CPI por atrapalhar negócios escusos com vacinas
Acuado em depoimento, o líder do governo na Câmara acusou a comissão de “afastar empresas” do país. Agora, terá que depor novamente, mas como convocado, e não convidado
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O tiro do deputado Ricardo Barros (PP-PR) saiu pela culatra. A atitude provocativa do líder do governo na Câmara durante a sessão da CPI da Covid no Senado, nesta quinta-feira (12), fez com que o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), alterasse o status de Barros de convidado para convocado. Na prática, a decisão o torna um investigado, e não mais testemunha. Ele voltará a depor sob a nova condição em data a ser definida.
Após alguns bate-bocas e uma suspensão da sessão pela insistência de Barros em mentir e tergiversar sobre as perguntas que lhe eram feitas, a gota d’água foi a afirmação do deputado de que a CPI “afastou empresas interessadas em vender vacinas para o Brasil”.
“Aí não dá. Nós impedimos que houvesse roubo. Que ganhassem dinheiro com vacina. Foi isso que nós impedimos”, respondeu no ato Humberto Costa (PT-PE), titular petista na CPI, criticando a atitude agressiva de Barros.
“Maior absurdo que foi dito nessa CPI até agora”, resumiu a senadora Simone Tebet (MDB-MS), defendendo o fim da sessão. “Por mim, escancarava agora o contrato (da Covaxin) e só depois da vinda de todos os personagens que temos que trazer o líder do governo. Inclusive, para pedir desculpa a esta CPI. A CPI repudia veementemente a fala do líder do governo”, completou.
A #CPIdaCovid atrapalhou a ação de trambiqueiros que queriam levar vantagens financeiras com intermediários em cima do sofrimento do povo brasileiro. Veja: pic.twitter.com/W6k1htdGh0
— Rogério Carvalho ??? (@SenadorRogerio) August 12, 2021
“Afastamos as vacinas que vocês do governo queriam tirar proveito”, complementou Aziz, lembrando que Barros “está no radar” de todas as empresas suspeitas de corrupção na negociação de vacinas. Em seguida, ele anunciou a suspensão da sessão e disse que iria reavaliar a condição de Barros. Duas horas depois, a sessão foi retomada apenas para o anúncio da decisão do colegiado, e os trabalhos do dia foram encerrados.
Presente na sessão, o líder da bancada do PT no Senado e suplente do partido na CPI, Rogério Carvalho (SE), se manifestou no Twitter: “A #CPIdaCovid atrapalhou a ação de trambiqueiros que queriam levar vantagens financeiras com intermediários em cima do sofrimento do povo brasileiro“.
“O líder do governo Bolsonaro tentou nos enganar na CPI. Mas sua missão falhou. O depoimento dele não correspondeu à verdade e ele terá de voltar, como convocado, em um momento em que a CPI terá mais provas na mão contra ele”, afirmou Costa em seu perfil na rede social, onde já havia postado imagem de uma reportagem com o vice-presidente de Negócios Internacionais da farmacêutica chinesa CanSino, Pierre Morgon, desmentindo a acusação de Barros contra a CPI.
O líder do governo Bolsonaro tentou nos enganar na CPI. Mas sua missão falhou. O depoimento dele não correspondeu à verdade e ele terá de voltar, como convocado, em um momento em que a CPI terá mais provas na mão contra ele. pic.twitter.com/uhHWIa2iHc
— Humberto Costa (@senadorhumberto) August 12, 2021
CPI derruba sigilo de negociações pela Covaxin
Antes do depoimento de Ricardo Barros, a CPI aprovou a quebra de sigilo dos contratos relacionados à compra de 20 milhões de doses da vacina Covaxin. O Ministério da Saúde (MS) havia colocado sob sigilo de 100 anos os documentos que teriam sido entregues à comissão em julho. A pasta decidiu restringir o acesso público ao material após pedidos feitos em junho por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).
Aziz também protocolou nesta manhã um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF) que pede a suspensão do inquérito instaurado pela Polícia Federal para investigar suposto vazamento de dados sigilosos pela CPI. Aberta na semana passada, a apuração recai sobre a divulgação do material a respeito de suspeitas na compra da Covaxin, entregue pela corporação à CPI. A petição afirma que a ação da PF “configura evidente desvio de finalidade, excesso de poder e abuso de autoridade”.
O caso Covaxin é uma das principais linhas de investigação da CPI. O valor do contrato, de R$ 1,6 bilhão, chegou a ser empenhado pelo governo federal, mas o acordo foi rescindido pelo Ministério da Saúde após os irmãos Luis Ricardo, chefe de Importação da pasta, e o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) denunciarem irregularidades no processo.
Em depoimento ao Ministério Público Federal (MPF), Luis Ricardo disse que sofreu “pressão anormal” para agilizar a importação de uma vacina que, à época, sequer havia sido aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A Covaxin é uma vacina produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech e sua compra foi a única para a qual houve um intermediário e sem vínculo com a indústria de vacina, a empresa Precisa Medicamentos. A. O preço acordado foi 1.000% maior do que, seis meses antes, era anunciado pela fabricante. Após as irregularidades virem à tona, a Bharat cancelou o acordo com a Precisa.
Barros é autor de uma emenda à Medida Provisória n° 1026, das vacinas contra a Covid-19, que possibilitou a importação do imunizante. O parlamentar teve os sigilos de dados telefônico, fiscal, bancário e telemático quebrados pela comissão. Os senadores querem saber da relação de Barros com o sócio da Precisa, Francisco Maximiano, que também era sócio da Global Gestão em Saúde.
Quando Barros foi ministro da Saúde do usurpador Michel Temer, entre 2016 e 2018, a Global Saúde celebrou contrato com a pasta para fornecimento de medicamentos raros, recebeu o pagamento antecipado e não entregou os fármacos. O prejuízo ao erário foi de cerca de R$ 20 milhões.
O líder do governo na Câmara e a empresa são alvos de ação de improbidade administrativa do MPF por favorecimento de empresas, inobservância da legislação administrativa, de licitações e sanitária, prejuízo ao patrimônio público, descumprimento de centenas de decisões judiciais, entre outros motivos.
Questionado sobre o caso na sessão da CPI, Barros responsabilizou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pelo atraso na entrega dos produtos da Global. Segundo ele, a Anvisa negou o cumprimento de duas liminares que determinavam a concessão de licença de importação para os remédios de alto custo.
O deputado também negou ter participado das tratativas do MS com a Belcher Farmacêutica, de Maringá (PR), para a compra de 60 milhões de doses da vacina Convidecia, da chinesa CanSino, a US$ 17 por dose, valor mais alto que o de outras vacinas. O deputado admitiu ser amigo do empresário Francisco Feio Ribeiro Filho, pai de um dos sócios da Belcher.
Disse ainda não ter nenhuma relação com o tenente-coronel Alex Lial Marinho, ex-coordenador-geral de Aquisições de Insumos Estratégicos para Saúde, e com o coronel da reserva Marcelo Bento Pires, ex-diretor da pasta.
Antes, Barros afirmou que Luis Miranda quebrara a confiança de Bolsonaro ao relatar na CPI a conversa com o chefe do Executivo. Segundo Miranda, ao ouvir as denúncias em uma reunião no Palácio do Alvorada, em março, Bolsonaro disse que “isso era coisa” de Ricardo Barros e que acionaria a Polícia Federal. A PF apura se Bolsonaro cometeu crime de prevaricação por não pedir a apuração do caso.
Bolsonaro confirma ter se reunido com os irmãos Miranda, mas nega que eles tenham feito essas denúncias. Ele já defendeu a credibilidade de Barros, mas nunca confirmou ou negou que tenha citado o nome do líder do governo no encontro com Luis Miranda.
O caso Covaxin está na pauta da CPI da Covid na próxima semana. Uma acareação entre o ministro do Trabalho e Previdência, Onyx Lorenzoni (DEM), e Luis Miranda será realizada na próxima quarta-feira (18), e o depoimento de Maximiano está marcado para a quinta-feira (19/8). Pelo andar da carruagem, a CPI acabará tendo que marcar outra acareação – de Luis Miranda com Ricardo Barros.
Da Redação