BC nega realidade para blindar Bolsonaro pela inflação de dois dígitos
Presidente do Banco Central tenta blindar o chefe do Executivo do fracasso no controle inflacionário. Para Lula e Gleisi Hoffmann, ambos são “irresponsáveis”
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A terceirização de responsabilidades tão típica de Jair Bolsonaro se alastra entre os cúmplices na máquina federal. A carta emitida nesta terça-feira (11) pelo presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, para justificar a volta da inflação de dois dígitos é o exemplo mais recente. Na missiva, imposição legal sempre que a meta inflacionária é extrapolada, ele recorre a meias verdades para culpar a pandemia e a falta de chuvas pelo fracasso e tentar blindar o desgoverno Bolsonaro do fracasso.
“Os principais fatores que levaram a inflação em 2021 a ultrapassar o limite superior de tolerância foram os seguintes: 1) forte elevação dos preços de bens transacionáveis em moeda local, em especial os preços de commodities; 2) bandeira de energia elétrica de escassez hídrica; e 3) desequilíbrios entre demanda e oferta de insumos, e gargalos nas cadeias produtivas globais”, explica a carta do BC “independente”.
A argumentação foi criticada pela presidenta nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR). “Governo dolarizou preço dos combustíveis p/ enriquecer acionistas da Petrobrás às custas do povo. Real desvalorizado em país estagnado piorou tudo. E presidente do Banco Central diz q inflação foi importada. Não é “independente”. É irresponsável e cara de pau”, criticou Gleisi em postagem no Twitter. “E diziam q era só tirar o PT q tudo ia melhorar”, ironizou em outra intervenção na rede social.
Governo dolarizou preço dos combustíveis p/ enriquecer acionistas da Petrobrás às custas do povo. Real desvalorizado em país estagnado piorou tudo. E presidente do Banco Central diz q inflação foi importada. Não é "independente". É irresponsável e cara de pau
— Gleisi Hoffmann (@gleisi) January 11, 2022
Em entrevista ao site Gazeta Brasil, Jair Bolsonaro, para variar, também tentou culpar terceiros pela derrocada econômica de seu desgoverno. “Com a política do fique em casa a cadeia produtiva sofreu solavancos e a inflação é uma questão natural”, afirmou, dizendo ainda que “se pudesse, ficaria livre da Petrobras”. Como se não fosse o principal sabotador do combate à pandemia no país, e como se não tivesse mantido a prática de dolarização dos preços da Petrobras adotada pelo usurpador Michel Temer.
“O lockdown não tem culpa nenhuma. Era o melhor do mau negócio. Se não fosse isso, a situação seria muito pior. O isolamento social feito de forma adequada evita que a economia fique paralisada por muitos meses”, já havia afirmado André Braz, coordenador do Índice de Preços do Consumidor (IPC) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), em entrevista ao UOL em outubro.
“A economia vai mal exatamente por um discurso do governo. Houve muito ruído em comunicação. Isso não foi bom para o país e fez com que a vacinação atrasasse. Esse atraso está na conta do país: aumento da inflação e crescimento da dívida pública”, concluiu Braz.
É importante o povo saber que boa parte da inflação nesse país se deve aos preços controlados por um governo irresponsável. Segundo o IBGE, em 2021, a Gasolina ficou 47% mais cara, o Diesel 46%, o botijão de gás 36%.
— Lula (@LulaOficial) January 12, 2022
Preços administrados elevam a carestia
Em seu relatório sobre o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de dezembro de 2021, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta as principais causas da inflação de dois dígitos. O principal impacto vem do grupo Transportes, movido principalmente pelos preços administrados pela Petrobras.
No grupo Habitação, uma alegada “crise hídrica” foi o pretexto para o avanço abusivo das contas de energia elétrica. Ainda em Habitação, outro destaque foi a disparada do gás de botijão (36,99%), outro resultado da dolarização na Petrobras.
Em entrevista ao Jornal Brasil Atual, a supervisora de pesquisas do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Patrícia Costa, disse que o desgoverno Bolsonaro abandonou o controle dos preços administrados de produtos que pressionam o consumo. “Esse é o nosso governo. O brasileiro vem pagando por tudo porque no Brasil o governo priorizou o lucro de pequenos grupos”, criticou.
“Para as commodities, era preciso que parte dos alimentos ficasse aqui por meio de uma política de estoques reguladores. Para o petróleo, seria necessário subsidiar esses impactos e desfazer essa política de paridade (com preços do mercado internacional). E a Petrobras, como uma empresa rica que é, deveria subsidiar parte desses impactos para que o consumidor brasileiro não sinta tanto”, finalizou a pesquisadora.
Sobre a alegada “crise hídrica”, um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou uma série de falhas do Executivo na condução das medidas contra o esvaziamento dos reservatórios das hidrelétricas. O documento, obtido pelo jornal O Globo, aponta que o Executivo tomou medidas de “maneira açodada e com pouca previsibilidade” porque não teve um plano de contingência para enfrentar o problema.
“O governo foi negacionista em relação à crise hídrica, demorando a reconhecer o problema climático e a tentar acordos com grandes consumidores para evitar picos de consumo. Com isso, contribuiu para que o sistema elétrico tivesse de recorrer à totalidade da reserva de geração termelétrica, mais cara e mais poluente”, apontou o jornalista econômico José Paulo Kupfer em sua coluna no Uol.
Inflação brasileira está entre as mais altas do mundo
Kupfer lembra ainda a influência na inflação da taxa de câmbio, com a forte desvalorização do real alimentada pelo descrédito do ministro-banqueiro da Economia, Paulo Guedes, e pelas seguidas escaramuças de Bolsonaro contra a democracia e suas instituições. O resultado é a piora, no Brasil, de fenômenos mundiais, como a inflação.
“A inflação do Brasil foi a que mais se desviou da meta”, ressalta Felipe Camargo, economista para América Latina da consultoria inglesa Oxford Economics, na BBC Brasil. “Foi o que mais sofreu choques: a pior depreciação cambial, que veio antes e durou mais, e o maior choque de oferta, por causa da questão da crise hídrica e da energia.”
Um levantamento da consultoria Nexgen Capital mostra que entre os países que integram o G-20, a alta de preços no Brasil só fica atrás da inflação registrada na Turquia. Levando em consideração as 11 maiores economias da América Latina, o Brasil só fica atrás de Argentina e Venezuela, conforme projeção do Fundo Monetário Nacional (FMI).
No Globo, José Cassiolato, sócio da Nexgen Capital, diz que a desvalorização do real frente ao dólar, mais do que a média de outras moedas de países emergentes, pressiona a alta dos preços, já que matérias-primas importadas ficam mais caras. Segundo ele, o real está pelo menos 30% mais desvalorizado que outras moedas emergentes. A atratividade do dólar para exportadores também tem impacto na menor oferta de produtos no mercado interno, elevando os preços.
Alberto Ramos, economista-chefe do banco Goldman Sachs para a América Latina, destaca o papel das questões domésticas no caso brasileiro. Ele as vê como fundamentais para entender porque o país tem um dos piores desempenhos da região.
O “ruído político”, fruto das tensões entre o Executivo, o Judiciário e o Legislativo, e suas consequências institucionais e na economia, pontua o economista, acabaram criando um “desencantamento” com o Brasil entre os investidores, que passaram a procurar outros mercados e engrossaram a saída de dólares do país. “É difícil ver um lado bom hoje”, diz. “Um otimista hoje (em relação ao Brasil) é um pessimista mal informado.”
“É importante o povo saber que boa parte da inflação nesse país se deve aos preços controlados por um governo irresponsável”, apontou Luiz Inácio Lula da Silva em seu perfil no Twitter. “E hoje é 12 de janeiro, o ano mal começou, e o Brasil já enfrenta a primeira alta nos combustíveis de 2022. Já o aumento do salário mínimo, esse ano, não irá sequer cobrir a inflação”, completou o presidente que transformou o tsunami da crise econômica global de 2008 em marolinha no Brasil.
Da Redação