Bem Viver: um projeto político e de vida de mulheres negras

A vida das mulheres negras sempre foi marcada por injustiças, desumanização e explorações, por essas razões, elas estão centralizando e reivindicando uma nova alternativa de sociedade que são conjuntos de práticas políticas chamado Bem Viver.

Fundamentado nas concepções milenares dos povos indígenas, o Bem Viver é uma construção sociopolítica que engloba novas ideias de gestão coletiva e individual, natureza (política ambiental) e cultural, valorizando a (re)existência. 

Segundo a ativista e psicóloga focada na população negra e indígena, Adriana Camilo, na visão das mulheres negras, o Bem Viver enaltece a conexão com a  ancestralidade e a cultura; celebra a diversidade e enxerga a vida como um presente, uma dádiva sagrada a ser vivida agora; abraça relações familiares,  comunitárias e cooperativas  baseadas na solidariedade. 

Além do respeito com os recursos naturais como água limpa e de qualidade, alimentos saudáveis e sem  agrotóxicos, ar puro e sustentabilidade.

A psicóloga ainda enfatiza que as mulheres negras demarcam políticas do Bem Viver por ocuparem um lugar de sustentação da  “economia do cuidado”. Nesse sentido, designa o trabalho doméstico, a gestação e criação de filhos, o cuidado com as crianças e o cuidado com os(as) mais velhos(as) – funções que, na maioria das vezes, não são remuneradas; tampouco valorizadas.

“Essa perspectiva de projeto de vida se contrapõe à lógica colonial e capitalista de acumulação, a partir da exploração da natureza e dos seres humanos. Especialmente dos povos originários deste continente e da África, não diferente, as mulheres negras são atingidas nessa lógica desigual de distribuição do trabalho e das oportunidades”, diferencia a psicóloga.

Marcha das Mulheres Negras 

 

O novo projeto político do Bem Viver ganhou destaque na luta do feminismo negro, quando, em novembro de 2015, mais de 50 mil mulheres negras, das cinco regiões do país, uniram-se para a realização da Marcha das Mulheres Negras: Contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver. 

A marcha também teve como objetivo a entrega de um documento com reivindicações das mulheres negras, à ex presidenta Dilma Rousseff que contém a proposta do Bem Viver:

“Exigem transformações radicais no modelo de sociedade que temos, em sua estrutura e valores. E, portanto, inconciliável com propostas desenvolvimentistas, violentas, exploradoras, privatizadas e monopolizadoras de saberes e recursos (saberes e fazeres que correspondem ao padrão tecnológico das sociedades, onde tecnologia está relacionada com a arte de decidir bem sobre o território e suas riquezas naturais, materiais e simbólicas).” 

Nilma Bentes, uma das fundadoras do Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (CEDENPA); co-criadora da Rede Fulanas- Negras da Amazônia Brasileira, foi propositora da Marcha das Mulheres Negras, explica que o Bem Viver faz com que a cooperação e o coletivo superem a competição e o individualismo; enaltece o respeito crítico  à ancestralidade; e defende que a economia seja subordinada à ecologia.

“Alguns conceitos filosóficos que se articulam com o Bem Viver, tais são, o Ubuntu, Feminismo Decolonial e o Paradigma do Cuidado para  basear políticas  macro – micro de curto, médio e longo prazo”, salienta.

Autocuidado também é um ato político

 

Nilma Bentes destaca que, na perspectiva do Bem Viver, há o paradigma do autocuidado que engloba a necessidade de priorizar a saúde mental, alimentação, intelecto, espiritual. Além do fortalecimento de políticas públicas nas áreas da  saúde, educação, segurança pública e meio ambiente, entre outras.

A historiadora, especialista em educação para as relações raciais e ativista do movimento negro e do PT, Nazaré Cruz, sinaliza a importância do autocuidado corpo e mente, numa outra perspectiva de construção de sociedade, referenciados na cosmovisão de valores das comunidades tradicionais, ameríndias e africanos. Povos que priorizam a coletividade, a natureza e a espiritualidade. 

“A sociedade que estamos inseridas tem valores eurocêntricos e exploratórios, onde o racismo é a base do capitalismo. E para se termos um bem viver é urgente pensar num novo modelo econômico que priorize os direitos das pessoas e respeite as diferenças, um modelo sem exploração na qual as mulheres negras e toda sociedade vivam e não que sobrevivam. Um modo de vida que busca o resgate e o encontro da vivência, ancestralidade, conexões, povos que vivem com a coletividade e a natureza”, descreve.

A psicóloga Adriana Camilo complementa, ao dizer que é importante entender que a visão do autocuidado do Bem Viver é incompatível com a lógica capitalista de consumo, que individualiza tudo e quer associar bem estar a ter determinados bens de consumo, como roupas e procedimentos estéticos. 

“As práticas do Bem Viver passam por aspectos como leis trabalhistas e políticas sociais mais justas e equânimes, além de direitos básicos: divertir, socializar, se exercitar, comer e dormir bem, estar na companhia de quem se ama. Não morrer por nenhum tipo de violência ou negligência, ter acesso à natureza, liberdade para celebrar sua cultura, sua espiritualidade e seus afetos. Bem Viver inclui a demarcação de terras indígenas e quilombolas, o comprometimento real com a preservação e restauração ambiental, cuidados com a água, o ar e o solo, celebração da diversidade”, destaca.

Julho das Pretas: Por mais Mulheres Negras na Política!

Esta é a primeira matéria de uma série especial do Julho das Pretas, produzida pelo projeto Elas Por Elas, da Secretaria Nacional de Mulheres do PT. 

Dandara Maria Barbosa, Agência Todas