Abdias Nascimento e Carolina de Jesus completariam 100 anos nesta sexta

Debate marca centenário de Abdias Nascimento

Se por um lado, a obra de Carolina Maria de Jesus (1914-1977) é esquecida pelo mercado editorial brasileiro, por outro, coletivos de cultura se esforçam para multiplicar o testemunho de uma das mais importantes autoras negras do país. Em Salvador (BA), um grupo de mulheres negras formou o Coletivo Carolinas para propor atividades de reflexão no ano do centenário da escritora. Em São Paulo, na capital e no interior, raps e saraus de poesia inspiram-se nos textos de Carolina para pensar os desafios de uma realidade descrita na década de 1950, mas que se revela atual.

“Colocamos a necessidade de celebrar a obra de Carolina, fazê-la emergir e formar novas plateias, seja do ponto de vista da criação literária, seja pela frequência nos espaços”, explicou a socióloga Vilma Reis, integrante do Coletivo Carolinas, lançado em 21 de janeiro. O grupo, que atua em parceria com o Instituto Odara da Mulher Negra, faz neste ano uma série de atividades para marcar o centenário da escritora, como formações em comunidades sobre escrita criativa, cafés literários e a montagem de um espetáculo teatral, cujo texto foi encomendado à escritora Conceição Evaristo.

Vilma relata que esse projeto já se revela de muita força, sobretudo, a partir do contato de mulheres jovens com a escrita de Carolina de Jesus. “Participamos de um encontro na região do Recôncavo Baiano e muitas mulheres diziam: ‘quando eu leio Quarto de Despejo, ela está falando da minha vida hoje’. Os desafios que estavam postos para Carolina em 1955 continuam, por isso que a chamamos de centenária e atemporal”, declarou.

Por meio do texto de Carolina de Jesus, as periferias brasileiras se encontram. O depoimento das jovens baianas se aproxima do som feito pela rapper Sara Donato, de 23 anos, moradora de São Carlos, interior paulista. “Literatura marginal inconsciente foi escrita, marcando vidas mesmo sem ser conhecida. Respeito é chave para alguém que morreu no anonimato, talentosa, guerreira, para muitos em formato abstrato. A favela nada mais é um quarto de despejo, a burguesia joga aqui, tudo o que não é do se desejo”, revela o trecho do rap escrito por ela.

Sara, que é integrante da Frente Nacional de Mulheres no Hip Hop, conheceu a obra de Carolina quando ainda estava na escola. “A professora colocou em um trabalho de português aquela frase ‘A fome é amarela’. Fiquei interessada e fui pesquisar”, relatou. O exercício de pesquisa, no entanto, não foi fácil. “Tive que ir na biblioteca do centro, porque procurei em outras aqui do bairro, mas não achei nada”, apontou. Inspirada pelo livro Quarto de Despejo, Sara escreveu o rap com a ideia de alcançar outras mulheres, que também enfrentam uma vida dura, e lembrar o quanto é importante a presença da mulher na literatura.

Na zona sul da capital paulista, é nos saraus da Cooperifa que a palavra de Carolina ressurge. “Quando ela dizia [que a favela é o] quarto de despejo, era isso mesmo e, em muitos lugares, é ainda. Nessas leituras, a gente faz a reflexão de como podemos mudar a nossa realidade”, disse o poeta Sérgio Vaz, coordenador da Cooperifa, movimento cultural organizado há 12 anos que promove saraus de poesia no bar do Zé Batidão, no bairro Jardim Guarujá.

Sérgio considera Carolina de Jesus uma inspiração para mudar coletivamente a realidade das periferias. “Para mim, [ela] é o Dom Quixote da mulher negra. É uma sonhadora que enfrentou moinhos de mãos afiadas. Como, nos anos 1950, na favela do Canindé, alguém pensa em escrever um livro? Só sendo um Dom Quixote mesmo, só sendo uma sonhadora”, declarou. O poeta destaca a literatura periférica como uma referência atual à obra de Carolina. “É justamente o desejo de mudar essa condição, de não ser mais o quarto de despejo, de se impor”, apontou.

Editor: Lílian Beraldo

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