Artigo: 1º de Maio: a história não contada da vanguarda dos negros na organização dos trabalhadores

Por Almir Aguiar

Quando se fala na organização do movimento operário para as lutas e conquistas de direitos e melhores condições de vida, de trabalho e de salários, está consagrado no imaginário social a importante participação de imigrantes europeus, especialmente italianos. É inegável a importância desses trabalhadores europeus para a luta de classe no Brasil e disseminação de ideais anarquistas, socialistas e revolucionários, a partir do fim do século XIX.

Processo de ‘branqueamento’

Mas, o que a historiografia oficial esconde é que esta presença europeia tem forte ligação com a crença etnocêntrica e racista, num processo de “branqueamento” da população brasileira, marcada pela maioria de negros e negras entre trabalhadores e, a esta altura, pela miscigenação, com a consolidação de um processo civilizatório que visava impor a cultura, a religião, os costumes e tradições, bem como a presença branca na sociedade.

Além disso, nossas crianças e jovens não aprendem no período escolar, um fato propositalmente omitido nos currículos escolares: a presença e ativa participação da população negra como vanguarda nas lutas e organização da classe trabalhadora.

O que a historiografia esconde

A própria luta do povo africano contra o trabalho escravo, após serem sequestrados em suas nações e trazidos ao Brasil nos navios negreiros em condições sub-humanas, marcam as primeiras lutas dos trabalhadores brasileiros na ocasião, não somente pela liberdade, mas também por condições dignas de vida e de trabalho, representando a vanguarda na organização dos trabalhadores, o que inspirou movimentos de libertação dos escravos também nos setores médios da sociedade brasileira.

A primeira greve no Brasil

O povo negro, formados por escravizados e alforriados, foi protagonista na greve negra de 1º de junho de 1857, na Bahia, a primeira mobilização de greve geral de um setor importante da economia urbana daquele período, o dos carregadores de produtos e todo o tipo de carga, conforme relata o historiador baiano João José Reis, em seu livro “Ganhadores: a greve geral de 1857 na Bahia”. A Câmara Municipal impusera um imposto profissional, onde eles deveriam pagar uma taxa anual por uma placa de identificação com numeração, a ser fixada no pescoço e medidas de controle policial, entre outras imposições desumanas.

A reação foi imediata com uma greve de 10 dias. A cidade de Salvador, amanheceu naquela ocasião sem transporte de todo tipo de mercadorias, leves e pesadas, e sem ninguém para carregar pessoas (os táxis da época). As mulheres que andavam pela cidade com seus tabuleiros vendendo uma série de mercadorias, aderiram ao movimento grevista. Os trabalhadores negros, homens e mulheres, eram os motores da economia. Parou tudo.

Os levantes negros

“O levante dos Malês em 1835”, obra de 2003, do mesmo autor, mostra uma revolta popular de escravizados africanos que ocorreu durante o Império do Brasil, também em Salvador, como mais um entre tantos exemplos históricos da mobilização da comunidade negra pelo fim da escravidão e por melhores condições de trabalho. O período na capital baiana foi rico em movimentos organizados de revolta popular dos trabalhadores negros e negras.

Na verdade, a luta contra a escravidão e contra o racismo no Brasil está inserida na Luta de Classes. Nosso país tem historicamente uma divisão quase de castas delimitada claramente pela diferença racial entre brancos (Casa Grande) e negros (Senzala).

Revolta na Marinha

No início do século XX, a Revolta da Chibata, motim realizado pela insatisfação dos marujos brasileiros com os castigos físicos que sofriam na Marinha brasileira liderado por João Cândido é outro março da participação dos negros na luta por trabalho digno. O castigo físico com chibatadas era prática comum na Marinha contra todos os marujos que violassem as regras da corporação. O estopim para a rebelião ocorreu quando Marcelino Rodrigues Menezes foi punido com 250 chibatadas sem direito sequer a tratamento médico.

Nós escrevemos a história

Portanto, esse 1º de Maio, o primeiro após seis anos de governos que desprezaram as lutas da população negra no Brasil e da classe trabalhadora e até desmantelaram as políticas públicas que buscam mais do que a reparação histórica, a igualdade de oportunidades, é propício para o debate de uma reviravolta na historiografia dos ensinos básico e secundário, para que possa ser contado o verdadeiro protagonismo de negros e negras na história da organização dos trabalhadores e na luta de classes em nosso país, sem desprezar a relevante participação dos operários europeus, especialmente nas formulações ideológicas.

Em parte, esta história está sendo agora resgatada com a derrota do fascismo e a vitória de Lula nas eleições de 2022. Mas, diga-se de passagem, esta luta está apenas começando.

Nós, negros e negras, queremos não apenas recuperar a memória histórica de nossas comunidades, mas construir uma nova história neste país, sem racismo e com oportunidades iguais para todos, homens e mulheres, negros, índios e brancos, extensivas também para a população LGBTQI+ e os portadores de deficiência.

Não há avanço na luta de classes e por um país melhor e nem emancipação popular se não derrotarmos o racismo e toda a forma de discriminação.

Nossa luta é por um Brasil digno e com oportunidades para todos.

Almir Aguiar é Secretário de Combate ao Racismo da Contraf-CUT e do Partido dos Trabalhadores-PT/Carioca

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