Chris Ramirez: Lei Aldir Blanc e a cartilha com passo a passo para sua compreensão
Ativista cultural e assessora da presidência da Comissão de Cultura da Câmara fala sobre a criação da lei que beneficia o setor cultural e o conteúdo da Cartilha que traz o passo a passo do seu funcionamento
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A lei de emergência cultural Aldir Blanc foi aprovada pelo Congresso e sancionada no final de junho. A lei de autoria da deputada Benedita da Silva (PT-RJ) irá beneficiar o setor de cultura com mais de 3 bilhões de reais, recursos através de Crédito extraordinário, conforme EC 106, de 7 de maio de 2020, e publicada MP 990 de 9 de julho de 2020, que destina esses recursos à Lei 14.017/2020 e que serão totalmente executados por estados e municípios.
Christiane Ramirez, ou simplesmente Chris, ativista cultural com vasta experiência na área e atualmente assessora da presidência da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados, fala em entrevista ao site do PT sobre a importância da lei para o setor cultural neste momento de crise provocada pela pandemia do coronavírus. “O setor cultural como um todo não pode executar suas atividades, está proibido, teve agendas canceladas, editais interrompidos, ou seja, você trabalha dois, três anos para ter um ano programado de trabalho, com tais projetos, tantos espetáculos, tantas locações, e através de algo que pegou o mundo de surpresa, e muito rápido, todos tivemos que parar e o setor cultural – não tem outro recurso para se sustentar, senão o apoio do estado”, destaca ela.
Ela conta ainda sobre como ocorreu todo o processo de elaboração do conteúdo da lei que teve uma importante participação social em todo o país, algo que se estendeu também durante a sua discussão e na busca de apoio na sociedade e no Parlamento para a matéria. “A construção da Lei Aldir Blanc é um passo histórico, tanto pela movimentação nacional do ‘social coletivo’, como dos princípios da construção, da união de todos os setores da sociedade e estado e do aceite tanto pela sociedade em geral, como do Parlamento onde tivemos atos memoráveis e inesquecíveis no Congresso Nacional”, afirma.
Na entrevista, Chris Ramirez aborda também a idealizaçao e o conteúdo da publicação “Cartilha, Memória e Análise da Lei Aldir Blanc”, trabalho coordenado por ela a pedido da deputada Benedita da Silva. A publicação contém, inclusive um passo a passo para o entendimento do que foi aprovado.
“A memória da construção da lei, ali você tem um cenário do país, a pandemia e depois a compreensão dos processos legislativos. A análise técnica da lei, os apontamentos de atenção em pontos em que quem não está habituado a lidar com lei, muita coisa passa despercebida, principalmente os beneficiários e critérios, as responsabilidades de prestação de contas, quais seriam os mecanismos quem tem direito a o quê”, explica.
Sobre a mobilização daqui para frente para garantir que a execução da lei saia do papel, Chris se mostra otimista. “O Brasil está confiante, e isso dá um respiro e esperança de que, logo, a lei cumprirá seu papel de amparar o complexo e transversal ecossistema cultural”, enfatiza.
Leia abaixo a íntegra da entrevista.
1 – Qual é a importância da lei de emergência cultural para o setor neste momento de crise provocada pela pandemia do coronavírus?
Christiane Ramirez – A lei que foi criada com os princípios dos direitos culturais e das políticas e programas vigentes para a cultura, com o propósito de prever medidas emergenciais ao setor, que teve que interromper suas atividades logo no início da pandemia, e será um dos últimos a voltar. A lei possui duas modalidades de propostas, os mecanismos diretos construído para atender as diversas modalidades setoriais do ecossistema cultural, como a renda básica, subsídios financeiros para espaços e equipamentos culturais e editais, chamamentos, prêmios – um processo mais amplo de fomento ao setor, possibilitando formatos mais simplificados de chamadas públicas. E os mecanismos indiretos, através da prorrogação de prazos para projetos e prestações de contas e editais, vinculados as leis federais e possíveis financiamentos e negociações, com taxas e condições que respeitam o momento emergencial de calamidade pública. A Lei Aldir Blanc sela a importância da construção social colegiada e participativa, e o papel da cultura como agente transformador. A lei possibilita o fortalecimento do setor, apesar do cenário bastante dramático que vivemos em função da pandemia, mas que nos possibilita dar vazão à esperança e criar pontes para esse novo mundo que devemos pensar e construir após tudo isso. A cultura é base de convívio e de construções a maioria de seus produtos e resultados, é para a aglomeração, é para o compartilhamento e o convívio, então passamos a compreender de forma mais real e palpável, nosso papel de cidadão e cidadã , a criatividade e o saber e fazer artístico, e a necessidade urgente de se avaliar novas formas de convivência de criação e construção. A lei nos diz que conseguimos avançar um grande desafio de unir o congresso nacional quase unânime, somente 1 partido, não apoiou o projeto, e temos uma sociedade que se uniu novamente e terá missão de cumprir esse desafio tanto da execução da lei, como uma sociedade em um papel de rever e transformar o mundo.
2 – Houve participação direta de setores da cultura na elaboração do projeto?
Esse foi o mais nobre tanto da elaboração quanto do processo de participação social, o Brasil se uniu em uma só voz, e isso dignifica a luta e a defesa pelos direitos culturais e dos trabalhadores e trabalhadoras. Tudo começou logo após a publicação das medidas de isolamento social, ainda de acordo com a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.A partir desta data os estados e municípios começaram a decretar estado de calamidade e a cancelar atividades com aglomerações, e logo o setor cultural se viu impedido de trabalhar. A situação se agravou a partir do fechamento dos espaços, quando a Deputada Benedita da Silva, começou a ser procurada, junto a equipe da comissão de cultura, na qual ainda é presidente, para saber se haveria um plano para atender ao setor cultural, isso começou pelo dia 12 de março. Neste período que se ampliou a partir do dia 17 de março, foram recebidas e analisadas as propostas e manifestações de diversas instituições em escala nacional, estadual e municipal no país, conforme citarei alguns: Trabalhadores e trabalhadoras da cultura na Baixada Fluminense, músicos, produtores culturais (autônomos e Microempreendedores Individuais – MEI), agentes da cultura viva, produtores de eventos e técnicos, Fórum de Cultura do DF, Comissão de Política Cultural no Amazonas em tempos de COVID-19; ATAC; ARTIGO QUINTO; APTR; RBTR, OAB, Comissão da Verdade e Reparação da Escravidão Negra no Brasil, Fórum Nacional dos Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura, Fórum dos Secretários do Nordeste, Conselho Estadual de Cultura do RJ, Associação Brasileira de Municípios, e muitos outros. Neste período já somavam 60 mil assinaturas entre profissionais e instituições .
3 – Na negociação pela aprovação do projeto, a deputada Benedita da Silva conseguiu vários apoios no Parlamento. Como isso foi feito?
Esse processo possui muitos atores. Na ocasião da decisão de organizar uma lei emergencial para o setor cultural, já partiu de ser um processo colegiado, como vinha sendo conduzida a comissão de cultura na gestão da Deputada Benedita em 2019. Então compreendo que o processo da lei, é um processo que se inicia quando Benedita assume a pasta da cultura , e faz o chamado para a classe cultural, a partir do papel da comissão de cultura no cenário que iniciaria a gestão Bolsonaro, e cientes dos atos já em andamento da criminalização da cultura e seus agentes, a comissão se tornou um espaço de participação social e salvaguarda de defesa dos direitos culturais e da constituição federal, respeitando o papel do legislativo na construção da soberania nacional e defesa do patrimônio nacional, de todos os brasileiros e brasileiras. Iniciamos a elaboração da lei, já com 30 parlamentares assinando junto, 8 partidos e 14 estados brasileiros representados, além do alinhamento junto ao senado federal. Quando a deputada Jandira Feghali assume a relatoria, uma alegria para todos nós, faz a brilhante conjunção dos demais projetos de leis que estavam apensados e amplia o chamamento público para selar a construção colegiada. A partir daí o que já vinha sendo amplo, ganha dimensões maiores e chegamos a um resultado no plenário e que foi batizado de “estado de conferência de cultura”, pelo Secretário de Cultura do Ceará Fabiano Piúba, um dos construtores desta lei, junto aos fórum de secretários e dirigentes estaduais de cultura, e todos nós seguimos neste estado de conferência.
4 – Qual o objetivo da publicação da Cartilha, Memória a Análise da Lei Aldir Blanc? Como surgiu a ideia?
A construção da Lei Aldir Blanc, é um passo histórico, tanto pela movimentação nacional do “social coletivo”, como dos princípios da construção, da união de todos os setores sociedade e estado e do aceite tanto pela sociedade em geral, como do parlamento que tivemos atos memoráveis e inesquecíveis no congresso nacional. Não há como pensar soberania de um país, sem sua identidade seu saber fazer e a ancestralidade. O Brasil é um país plural, com muitos povos e origens que compõe nosso território e nossa história, cultura é vida, e é por isso que lutamos, todos. A cartilha acaba tendo esse papel de memória e de uma análise mais didática da lei. A idealização veio quando a deputada Bendita da Silva, pediu para fazermos uma entrega, e marcar esse momento histórico, “o tempo tem passado muito rápido, voa, e será de suma importância compartilhar com todos os atores e setores que estiveram nesta caminhada junto, um documento com essa memória”. Dada a tarefa, comecei a elaboração do contexto para a cartilha e de uma reunião técnica junto à equipe que foi convidada para a elaboração da cartilha, tendo também três artigos com uma análise das políticas públicas da cultura e de todos os processos que a envolvem, além da importância técnica e legal, quando as consultorias técnicas da Câmara dos Deputados, são convidadas a construírem este documento a partir de estudos e pesquisas, que ajudariam a subsidiar a todos os entes federados e beneficiários (as) da Lei. Também é um documento de formação de cidadania. Eu particularmente nunca imaginei explicar e ter que estudar incansavelmente tanto os 3 poderes, em particular o legislativo, para poder ajudar a todos que nos procuram, e isso é incessante da mesma forma que gratificante, enquanto pudermos orientar, informar e ensinar assim será feito.
5 – No passo a passo da cartilha sobre o funcionamento da Lei, o que você destacaria como mais importante?
A memória da construção da lei, ali você tem um cenário do país, a pandemia e depois a compreensão dos processos legislativos. A análise técnica da lei, os apontamentos de atenção em pontos em que quem não está habituado a lidar com lei, muita coisa passa despercebida, principalmente os beneficiários e critérios, as responsabilidades de prestação de contas, quais seriam os mecanismos quem tem direito a o quê. Como é uma lei que passa a missão da execução aos entes federados de forma direta e com prazos curtos, se faz necessários esses apontamentos, pois muito terá que ser feito, o processo de execução, critérios para atender o setor que é imenso em especificidades, monitoramento e fiscalização e até o recurso chegar na base do setor cultural, são muitos desafios. A partir da publicação do regulamento, faremos outra atualizada e mais pontual.
6 – A Lei foi aprovada e sancionada pelo presidente da República, porém com veto sobre a execução dos recursos. Que problema isto traz para colocar a Lei em prática?
Os prazos emergenciais, ficam fragilizados, mesmo com o prazo de 15 dias, para o governo fazer o repasse aos entes federados já era um tempo longo – a fome tem pressa. Devemos considerar que o processo de regulamentação e da transferência aos entes também demandará tempo, e isso causa impacto direto em quem já não tem mais condições de sobrevivência. Algo que é importante considerar e com muita atenção, é que o setor cultural como um todo não pode executar suas atividades, está proibido, teve agendas canceladas, editais interrompidos, ou seja, você trabalha dois, três anos para ter um ano programado de trabalho, com tais projetos, tantos espetáculos, tantas locações, e através de algo que pegou o mundo de surpresa, e muito rápido, todos tivemos que parar e o setor cultural – não tem outro recurso para se sustentar, senão o apoio do estado. A situação dos trabalhadores e trabalhadoras do setor já beira a calamidade também, sem condições de manter escolas, comida, pagamento de contas e despejo, entramos no mês que muitos estão sendo convidados a entregar seus lares, pois não possuem como pagar seus aluguéis e isso se agrava em quem tem espaço cultural, pois tem funcionários, a manutenção do espaço, contas essenciais e a segurança do local, com equipamentos, que deve permanecer fechado, prevendo a segurança do público. É uma situação bastante delicada e grave.
7 – Para que a Lei saia do papel é preciso haver uma mobilização do setor cultural. Como cobrar isso do governo Bolsonaro?
A sociedade e as instituições que nos representam, como um todo, estão fazendo seu papel, e diante dos alinhamentos dos parlamentares junto aos ministérios (turismo e economia), que irão executar a lei Aldir Blanc junto aos entes federados, hoje Lei n° 14.017.2020, estão alinhando reuniões e a interlocução já citada junto aos entes federados e as instituições que aos representam, desta forma temos tido um ótimo diálogo com os setores técnicos do governo. Existe outro ponto, também bastante especial, foi feito um acordo com a base do governo junto ao Congresso Nacional, que seria o da aprovação do PL 1075.2020, sem veto, devido ao estado da compreensão do desamparo ao setor, isso chama-se palavra de honra, e acreditamos nos processos éticos, morais e que será devidamente honrado por todos aqueles que se propuseram a convalidar este acordo. O Brasil está confiante, e isso dá um respiro e esperança de que, logo, a lei cumprirá seu papel de amparar o complexo e transversal ecossistema cultural.
8 – Com relação à manutenção e implementação de políticas públicas, qual deve ser a ação do movimento cultural frente a um governo que parece repudiar a arte e a cultura?
A partir da lei Aldir Blanc tivemos um aceno de acordou o gigante! O setor cultural movimenta mais de 10 milhões de trabalhadores diretos e indiretos, e estamos sem dados oficiais do extinto MinC, em função da extinção das politicas públicas da cultura, desde 2016. Temos o IBGE o IPEA, a FIRJAN e a FGV, apresentando dados, mais ainda na gestão Juca Ferreira, (até 2016), diversas vezes o então ministro dizia, que até aquele momento o Brasil já tinha mais de 130 mil empresas do setor cultural. Neste caso, há duas visões, na minha opinião: 1. As políticas públicas de estado, que hoje ainda vigentes mas apagadas que regem os princípios dos direitos culturais, e possuem demonstrativos oficiais através do PIB nacional entre 2007 e 2018, de que deram certo e coloca o setor cultural como um dos vetores do desenvolvimento do pais. Mesmo com o desmonte e a destruição, podem ser reestruturadas e implementadas imediatamente, pois são sólidas e construídas com princípios sólidos de execução, e temos a segunda visão; 2. Que é a da fragilidade com que em tão pouco tempo se destruiu tanto das políticas culturais. Há um ignoramento da função da carta magna deste país a Constituição Federal de 1988, há um equívoco do apagamento da identidade do povo brasileiro por questões ideológicas infundadas, colocando todo nosso passado em risco, todo nosso patrimônio seja histórico, artístico, territorial e cultural, em risco, mas sabemos disso, tudo está anotado, publicado e devidamente sendo tratado. Diante disso afirmo aqui, como uma pessoa que atua no setor cultural há mais de 30 anos, e que aprendi neste processo com uma grande mestra, a Gigante Deputada Benedita da Silva, que nos colocou além da Lei Aldir Blanc, uma missão ainda mais honrosa, o de possibilitar desenhar um novo futuro, no qual todos estamos tendo que lidar , que será o das novas formas de trabalho, novas formas de convívio social e do processo criativo, através da cultura como agente transformador e como direito fundamental, que como deputada constituinte que é, nos remete a luta pela democracia e pela nossa contribuição no desenvolvimento do país através da arte e da cultura.
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Da Redação