Bolsonaro aposta no caos para dar um golpe?
Em artigo, presidente da CUT-SP critica o presidente pelo pouco apreço à democracia. “Os sinais de que o presidente tem pré-disposição para tentar um golpe sobre a nossa democracia não param”, escreve Douglas Izzo.
Publicado em
Não é novidade para ninguém de que Jair Messias Bolsonaro não tem muito apreço à democracia, embora tenha exercido mandatos parlamentares por 30 anos (vereador e deputado federal) e ter sido eleito presidente da República num processo de eleição direta.
Apesar de ter cumprido sete mandatos na Câmara dos Deputados, somente ganhou projeção nos momentos em que conseguiu criar polêmicas em torno dos mais diversos temas. Um dos episódios foi sua exaltação ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um torturador condenado pela atrocidades cometidas quando chefiou o DOI-CODI, um dos órgãos atuantes na repressão política durante o período da ditadura militar no Brasil.
Em um ano e quatro meses na Presidência da República ainda age com se estivesse em campanha eleitoral, sempre buscando um alvo para polarizar e instigar seus seguidores a promover ataques virtuais e até pessoais. Assim como na ditadura militar, não perdem uma oportunidade de apontar o comunismo como principal inimigo a ser combatido. E para eles comunista são todos aqueles que se opõe ou divergem do governo Bolsonaro.
Recentemente, Philipp Lichterbeck que escreve a coluna “Cartas do Rio”, publicada no site da agência alemã Deutsche Welle (DW), fez uma análise interessante sobre o “bolsonarismo”. Para o colunista, o bolsonarismo assumiu agora todas as características de uma seita cujos membros estão dispostos a seguir seu líder incondicionalmente, até a morte, e que ameaça levar o Brasil para o abismo.
E não é para menos. Desde o início da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), Bolsonaro tem se colocado contra as medidas de isolamento adotadas por governadores e prefeitos conforme recomendação de autoridades médicas e da Organização Mundial da Saúde, chegando a minimizar, em pronunciamento oficial, que a doença não passava de uma “gripezinha”.
Desrespeito
A reação de seus seguidores foi quase que imediata, desencadeando manifestações em várias cidades brasileiras com a reivindicação da volta das atividades no comércio. Dias antes desse pronunciamento, contrariando as orientações para se evitar aglomerações, grupos bolsonaristas promoveram manifestações pedindo o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, e não foi a primeira vez. A convocação dos atos teve inclusive participação do presidente que, naquele domingo, 15 de março, também desrespeitou as orientações do próprio ministério da Saúde e foi ao encontro de manifestantes em Brasília.
Apesar das criticas e inúmeras manifestações de repúdio de parlamentares e entidades que defendem a democracia, Bolsonaro insiste em se contrapor ao modelo de isolamento social como forma de minimizar os impactos da proliferação do coronavírus nas cidades brasileiras, mesmo sabendo que o país não possui estrutura nas redes pública e privada de saúde para dar conta da demanda se houver uma explosão de casos de infecção pela Covid-19.
O presidente tem demonstrado que, para ele, a economia – que já vinha em crise antes da pandemia – é mais importante que as vidas e a saúde da população. Ao defender uma modelo vertical de isolamento, em que ficam em casa apenas idosos e pessoas dos grupos de risco, ele está jogando os trabalhadores à própria sorte. Hoje já temos cidades sem vagas de UTI, por exemplo, para tratar pacientes infectados com o coronavírus em estado grave.
Mas nossos problemas vão além da luta contra a Covid-19. Mesmo em meio a maior crise sanitária deste século, Bolsonaro, além de revelar sua sanha genocida, como quem quer exterminar a população mais pobre, segue sua política de polarização como quem aposta no caos social. Por isso, relutou em conceder auxilio emergencial aos trabalhadores informais e desempregados; aproveita-se dessa crise para aprofundar a retirada de direitos dos trabalhadores, mas em contrapartida busca beneficiar grandes empresas e os bancos – para os quais liberou R$ 1,2 trilhão.
Insensibilidade
A estratégia parece mesmo ser a de deixar os trabalhadores e a população mais carente sem renda, sem condições de ter comida na mesa, mantendo um discurso que incentive o povo a uma revolta, levando a saques, quebradeiras e assim culpar as medidas de dos prefeitos e governadores que adotaram a quarentena, a imprensa por provocar a histeria e justificar a adoção de medidas de controle da ordem ou até decretar estado de sítio, como já ventilado.
E os sinais de que o presidente tem pré-disposição para tentar um golpe sobre a nossa democracia não param por aqui. Segundo informou a Folha de São Paulo na coluna Painel, Bolsonaro disse a parlamentares que possui um documento da inteligência que aponta um plano do presidente da Câmara dos Deputados, do governador de São Paulo e do Supremo Tribunal Federal, no entanto, o jornal destaca que ele não apresentou qualquer prova, assim como fez depois de dizer que houve fraude nas eleições de 2018 e até agora não mostrou os tais documentos.
Paralelamente a isso, grupos bolsonaristas promoveram manifestações no Dia do Exército (19 de abril) em frente aos quarteis para pedir apoio das Forças Armadas para fechar o Congresso e o Judiciário. O jornalista Ricardo Kotscho, em sua coluna no portal UOL, lembrou que em 1964, pouco antes do golpe militar, ocorreu movimentação semelhante.
E, mais uma vez, Bolsonaro foi ao encontro dos manifestantes que, aglomerados na frente do QG do Exército, em Brasília, também reivindicavam a volta do AI-5 (ato institucional que foi baixado em 1968, inaugurando o período mais sombrio da Ditadura Militar). Ao discursar nesse ato, o presidente voltou a demonstrar sua simpatia com um possível golpe, provocando reações indignadas de vários setores da sociedade, inclusive das centrais sindicais.
Esse conjunto de evidências somadas às declarações e ações desse presidente, seus filhos e seus seguidores nos leva a refletir sobre dois cenários. Bolsonaro segue fazendo disputa dentro do jogo eleitoral de olho nas eleições de 2022 ou aposta alto no caos para dar um golpe em nosso país.
Diante desse quadro em que notamos um país à deriva e que registra contundentes ataques aos direitos da classe trabalhadora, da população e da democracia, reforçamos a convocação feita na nota das centrais para que tenhamos unidade de todos os setores do campo democrático em defesa das instituições, da Constituição Brasileira e para a construção de um amplo movimento em defesa da democracia, dos direitos e da vida.
Douglas Martins Iz é presidente da CUT-SP