Bolsonaro confisca até o feijão do prato dos brasileiros
Considerado a principal proteína vegetal do cardápio nacional, o feijão teve uma alta de 44,38%, comparando com fevereiro de 2020
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Enquanto o agronegócio, turbinado por uma enxurrada de agrotóxicos que é despejada no campo desde 2019, comemora mais uma supersafra “tipo exportação”, o grão mais emblemático da cozinha nacional some da mesa de brasileiros e brasileiras. A queda da produção e a consequente escalada dos preços do feijão estão tornando seu consumo proibitivo para uma parcela cada vez maior da população.
Considerado a principal proteína vegetal do cardápio nacional, o feijão teve uma alta de 44,38%, comparando com fevereiro de 2020. O feijão ajuda na composição dos músculos e tecidos do corpo. Alternativas de proteína animal como carne bovina e frango também tiveram variações de 32% e 22,5%, respectivamente.
O Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA) divulgado na última quinta (11), pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), demonstra o desinteresse dos grandes produtores agrícolas pelo cultivo da leguminosa.
Mais uma vez são esperados declínios na produção do feijão 3ª safra (-0,1% ou 810 toneladas), do feijão 2ª safra (-0,7% ou 8,6 mil toneladas) e do feijão 1ª safra (-3,6% ou 46,8 mil toneladas). Já o milho continua em patamares recordes (103,5 milhões de toneladas), e a produção de soja será 7,3% maior, com aumento de 3,1% na área colhida.
Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a área de cultivo de arroz e feijão vem sofrendo redução devido à maior rentabilidade do plantio de milho e de soja. “Os preços estão bastante favoráveis no mercado internacional e a demanda continua alta, por isso os produtores continuam ampliando as áreas dessas commodities pelo país”, avaliou o gerente do LSPA, Carlos Barradas.
Com o dólar alto, a exportação de soja e milho é mais atrativa que plantar feijões para vender em reais. Além disso, os feijões que o agronegócio exporta têm pouco consumo no Brasil e são plantados em determinadas regiões onde o feijão carioca e o feijão preto, por exemplo, não são viáveis, devido à diferença de ciclo de desenvolvimento da cultura.
O foco na monocultura para exportação derruba a oferta e, em decorrência, os preços sobem no mercado interno. Sem emprego, sem auxílio emergencial e pressionados pela explosão do contágio pela Covid-19, os brasileiros consomem cada vez menos feijão.
Falta política para a agricultura familiar
Os pequenos agricultores creditam à falta de investimento no setor o desabastecimento que ocorre desde o ano passado. “A partir do governo de Michel Temer, destruíram completamente todos os instrumentos políticos”, afirma o frei Sérgio Görgen, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA).
“Com a queda drástica no investimento para o setor, já prevíamos que haveria um desabastecimento. Temos alertado isso desde 2017. Desde então, nós vimos a área produzida, a produtividade e os estoques públicos caírem. É a crônica de um desastre anunciado”, completa o frade.
Diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Fausto Augusto Júnior afirma que a atual situação mostra a importância da agricultura familiar. “Porque de fato é a agricultura familiar que coloca a comida no prato dos brasileiros. Mas no Brasil ela é bastante prejudicada e pouco apoiada.”
Segundo o último Censo Agro, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2017, cerca de 77% dos estabelecimentos rurais foram classificados como de agricultura familiar. Eles foram responsáveis por 23% do valor da produção agrícola nacional, mas 100% de sua produção é destinada à mesa dos brasileiros.
A demolição institucional promovida por Jair Bolsonaro deste 1º de janeiro de 2019 acelerou a deterioração. Um de seus primeiros atos foi a Medida Provisória 870, que extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).
No Plano Safra para 2019/2020, dos R$ 225,59 bilhões destinados à agropecuária, o crédito rural ficou com R$ 222,74 bilhões. O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) recebeu apenas R$ 31,22 bilhões. Em setembro do ano passado, Bolsonaro vetou 17 dos 19 artigos do Projeto de Lei (PL) nº 735/2020, que estabelecia medidas para agricultores familiares durante a pandemia.
Em outubro, o senador Jaques Wagner (PT-BA) apresentou o Projeto de Lei (PL) 4.760/2020, que prevê medidas para conter a alta dos preços dos alimentos da dieta básica e garantir a oferta. Uma das principais medidas prevê taxas de juros zero nas operações de financiamento de custeio e comercialização das culturas de arroz, feijão, mandioca e hortigranjeiros com recursos do Pronaf.
Para ele, “a política deliberada de extinção dos estoques públicos e das exportações desenfreadas culminou com a hegemonia do agronegócio exportador no país e foi responsável pela fragilização da base produtora dos alimentos essenciais à nossa população”.
“Muitos não têm recursos para plantar e muitas vezes falta o que comer”, disse à Rede Brasil Atual a assessora de Direitos Humanos da Fian Brasil, Nayara Côrtes. “Levamos anos para construir uma política de segurança alimentar para ser totalmente desconstruída em pouco tempo.”
Dois anos antes da pandemia, entre junho de 2017 e julho de 2018, mais de 10 milhões de pessoas já não tinham o que comer, conforme a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do IBGE. Desse total, oito milhões moravam na zona urbana e pouco mais de dois milhões na zona rural, onde se produzem alimentos.
De acordo com a pesquisa, a insegurança alimentar grave durante esta pandemia – quando a pessoa relata passar fome – atingiu mais 4,6% das famílias brasileiras, o equivalente a 3,1 milhões de lares.
Da Redação, com Rede Brasil Atual