Bolsonaro destrói a economia e compromete saída da crise
Agravamento das condições socioeconômicas, com aumento da inflação, dos juros e do desemprego, e escalada de ameaças à democracia espantam investimentos e desencantam até o mercado
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O cabo-de-guerra de Jair Bolsonaro contra as instituições contaminou de vez a relação com as oligarquias. Enquanto empresários do agronegócio ainda se aferram ao bolsonarismo, beneficiados pela alta das comodities, o “big money” urbano aciona os porta-vozes na imprensa corporativa para anunciar o desembarque de um navio sem rumo e sem capitão, prestes a enfrentar uma tempestade perfeita.
Na visão dos analistas, o que era o “risco Bolsonaro” tornou-se “custo Bolsonaro”, diante da absoluta falta de rumos na condução da economia. A aposta de que a “racionalidade” de generais e do posto Ipiranga Paulo Guedes se contraporia à insanidade funcional de seu chefe caiu por terra definitivamente, e nem as falácias do ministro-banqueiro, descoladas da realidade da maioria da população, convencem mais.
Guedes, aliás, colocou a cereja no bolo do descontentamento ao dizer num evento em São Paulo que “nenhum fundamento indica que o país está fora do controle”. A afirmação, feita nesta segunda-feira, durante a abertura do 41º Congresso Internacional da Propriedade Intelectual, da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI), soou como um ato falho que carimbou o atestado de fracasso da equipe econômica.
Com a usual eloquência de vendedor de terrenos na lua, Guedes ignorou mais uma vez um cenário que combina inflação acima da meta, juros altos, dólar sobrevalorizado, risco de apagão, desemprego, queda da renda das famílias, fome e, agora, a escalada do conflito institucional promovido por Bolsonaro. Com um desgoverno sem credibilidade, previsibilidade, estabilidade e, cada vez mais, legitimidade, o quadro se agravou de vez.
“A economia continua demonstrando cada vez mais desconfiança em relação ao presidente e à gestão econômica. Na segunda-feira, 22, o Ibovespa caiu em dia de alta nas outras bolsas. O dólar teve mais um dia de volatilidade. A tendência de todos os indicadores mostra a deterioração da confiança, e o mês de agosto marcou esse ponto de virada na percepção do mercado financeiro”, escreveu Miriam Leitão em sua coluna desta terça-feira, 24, no O Globo.
Para a jornalista, ponta-de-lança do mercado, “o risco institucional passou a ser considerado central nas avaliações sobre o governo Bolsonaro”. “A questão é que não há juros que segurem uma crise de confiança quando o risco é de ruptura institucional”, concluiu.
Segundo reportagem da Folha de São Paulo, o “custo Bolsonaro” atingiu níveis inéditos. Ele seria identificado como a transmissão para a economia da instabilidade política alimentada diariamente com declarações golpistas, confronto com outros Poderes e questionamentos sobre o processo eleitoral.
“O comportamento errático de Bolsonaro vem produzindo estragos de ponta a ponta, expondo um governo que se revelou muito despreparado no geral”, explicou Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados.
José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Fator, afirmou que o quadro “é uma grande frustração para quem esperava alguma coisa com pé e cabeça do governo Bolsonaro e sua equipe”. Ele lembrou que a fuga de investidores derruba preços de ações, de ativos como imóveis e desvaloriza o real. O resultado é uma sociedade mais pobre e mais inflacionada.
“No caso brasileiro, teremos um problema adicional de inflação. A energia elétrica vai subir, o petróleo não deve cair e haverá uma crescente inflação nos serviços, com a volta de alguma normalidade a partir de agora”, enumerou Gonçalves.
Marcelo Neri, diretor do FGV Social, desenha a gravidade do quadro para as famílias mais pobres. ”Nos últimos 12 meses, a inflação dos pobres foi de 10%, quase três pontos percentuais maior que a da alta renda, resultado do aumento dos alimentos e do gás de cozinha, entre outros”, avalia. “Enquanto a renda média do trabalho caiu 11% entre os primeiros trimestres de 2020 e 2021, a queda na metade mais pobre foi de 21%.”
Assim, diz ele, a regressão social atingiu as classes mais baixas. Pelos seus cálculos, quase 32 milhões de pessoas deixaram a classe C (renda domiciliar de R$ 1.926 a R$ 8.303) desde agosto de 2020. A classe E (até R$ 1.205) foi a que mais inchou, com 24,4 milhões de pessoas. Já a D (R$ 1.205 a R$ 1.926) ganhou 8,9 milhões.
Fuga de investimentos
A deterioração das condições socioeconômicas internas e a tendência de reversão nos estímulos vindos da economia internacional atiçaram ainda mais a desconfiança de empresários e mercado financeiro com o desgoverno Bolsonaro. Ela se traduz em alta de ativos como as taxas futuras de juros e os indicadores de risco-país.
Juros futuros de 10 anos já estão sendo negociados a 10,5%, o dobro da taxa negociada para setembro deste ano. E o CDS de cinco anos para o Brasil, papel que reflete o “risco-país” na visão dos investidores internacionais, já subiu quase 20% desde o fim de junho. Metade dessa alta foi registrada nos últimos 20 dias, depois de Guedes anunciar um calote dos precatórios, já se situando nas vizinhanças de 185 pontos.
Os investimentos estrangeiros, tão caros ao ministro-banqueiro e sua equipe, sofrem quedas históricas. Em junho deste ano, os ingressos líquidos em investimentos diretos no país (IDP) somaram apenas US$ 174 milhões, contra os já baixos US$ 5,2 bilhões em junho de 2020. O acumulado em doze meses somou um saldo de US$ 46,6 bilhões, contra US$ 65,8 bilhões no mesmo período do ano anterior.
Até as privatizações, com que Guedes esperava trazer uma “chuva de dólares”, estão sob suspeita. Fundos de investimento, de pensão e operadores internacionais que estudavam as propostas para participar das próximas concorrências agora decidiram esperar pelas eleições de 2022. Segundo assessores e advogados que cuidam dos interesses desses investidores, eles desconfiam do desgoverno Bolsonaro.
O economista Livio Ribeiro, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), calcula que sem “o gol contra da bagunça institucional” bolsonarista, o dólar deveria estar na casa dos R$ 4,20, ou quase 30% abaixo da cotação atual.
“Mas, dadas a estrutura de risco e a incerteza no Brasil, os exportadores agora mantêm a maior quantidade possível de dólares no exterior”, diz Ribeiro. “Em outros ciclos positivos de exportação como o atual, a entrada de dólares valorizava o real. Mas perdemos esse canal estabilizador.”
Até a terceira semana de agosto, as exportações cresceram 49,6% em relação a agosto de 2020, somando US$ 18,59 bilhões. No acumulado do ano, as exportações cresceram 36,8% em comparação ao mesmo período de 2020, somando US$ 180,24 bilhões.
Para Silvio Campos Neto, economista-sênior da consultoria Tendências, o fato de o Brasil estar com as contas externas equilibradas justificaria um dólar abaixo de R$ 4,50. Somando-se a isso, a ociosidade no mercado de trabalho (com 14,8 milhões de desempregados) e nas empresas suportaria uma eventual recuperação mais robusta da economia sem grandes pressões inflacionárias.
“Seria toda uma outra história se tivéssemos outro tipo de liderança e postura. Isso cai na conta do presidente, símbolo desse desarranjo e principal causador de ruídos”, criticou o economista.
“Acabou a euforia”, diz Celso Pastore
A derrocada do projeto neoliberal de Guedes, que Bolsonaro usou para seduzir os detentores do capital nas eleições, criou a perspectiva de um 2022 com a economia cada vez mais fraca, juros em escalada e inflação forte, corroendo o poder de compra dos brasileiros e mantendo milhões na fila do desemprego.
As estimativas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no ano que vem estão em queda livre e nem mesmo os riscos de recessão ou de estagflação são descartados, graças, principalmente, a um “custo Bolsonaro” cada vez mais elevado.
“Os fundamentos não são bons e estão se deteriorando ao longo do ano. Inflação baixa não existe e Selic deverá terminar o ano entre 7,5% e 8,5%, o que levará uma taxa real aos juros entre 3,5% e 4%, um patamar que poderá levar o país para uma recessão no ano que vem”, alertou o economista Simão Silber, professor doutor da Universidade de São Paulo (USP), em entrevista ao Correio Braziliense.
“O conflito entre os Poderes está muito acirrado e deverá colocar ainda mais desconfiança nas instituições. Esse mau humor aumentou com a possibilidade de calote dos precatórios, por meio de um pedido unilateral de reestruturação de uma dívida que tem que ser pago”, complementou.
Sergio Vale, da MB, reduziu de 1,8% para 1,4% a previsão de crescimento do PIB em 2022, e adianta que o viés é de novas baixas. “O pano de fundo central são os deslizes constantes da política econômica e o enfraquecimento do presidente às vésperas do ano eleitoral. Pelo temperamento de Bolsonaro, vai ser difícil acreditar em alguma conciliação. Esse permanente estado de conflito vai continuar tirando pontos do crescimento”, concluiu.
José Luis Oreiro, economista e professor da Universidade de Brasília (UnB), ressaltou que o risco de descontrole fiscal não é o principal motivo da piora das projeções. “O governo poderia ter adotado políticas proativas para tentar resolver os gargalos nas cadeias de produção, mas nada foi feito. No caso dos alimentos, o Guedes acabou com os estoques reguladores da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) em 2019, então o governo ficou sem instrumentos”, apontou.
Ex-presidente do Banco Central, Affonso Celso Pastore disse em entrevista ao Estado de São Paulo que que já está “comprada” uma desaceleração do Produto Interno Bruto (PIB) em 2022, com a ação do Banco Central para barrar o descontrole da inflação. Segundo ele, uma piora da economia, que tira popularidade e voto, pode sim levar Bolsonaro a forçar uma ruptura institucional.
“A euforia do mercado foi embora. Agora, o risco já está aparecendo na Bolsa. Esse é o clima com o qual o nosso presidente vai entrar na campanha eleitoral de 2022”, prevê o economista. Segundo ele, “o empresariado acordou, e o despertador tocou tão forte que não deu para ficar dormindo.”
Da Redação