Bolsonaro sequestrou a Independência para atacar a democracia

Isolado, candidato montou palanques com dinheiro público em eventos sem a participação de líderes do Judiciário e do Legislativo. “Ele deveria explicar como juntou R$ 26 mi para comprar 51 imóveis”, diz Lula

Bolsonaristas a serviço do golpismo do extremista de direita

Um ano após transformar o Dia da Independência no dia da tentativa frustrada de golpe, Jair Bolsonaro voltou a usurpar o Sete de Setembro e fez dos eventos alusivos ao Bicentenário do Grito do Ipiranga showmícios para tentar cabalar votos em sua corrida pela reeleição. Cada vez mais isolado politicamente, passou pelo vexame da ausência dos presidentes dos demais poderes da República e teve que se contentar com a companhia de Michele Bolsonaro e Luciano Hang ao seu lado no ato oficial em Brasília.

O inquilino do Palácio Planalto até convidou, mas não foi atendido pelos presidentes do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e do Superior Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux. Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes também não compareceu. Nem mesmo o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), um dos principais beneficiários do consórcio com o Centrão, deu o ar da graça, com a desculpa de que estava em um evento de campanha em Alagoas.

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Ao contrário do evento pelo bicentenário de independência do México, em 2021, quando mais de 50 delegações estrangeiras estiveram ao lado do presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, mesmo com as restrições impostas pela pandemia, Bolsonaro amargou o ônus de ter transformado o Brasil em pária global.

Apenas os presidentes de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, de Cabo Verde, José Maria Neves, e de Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embal, compareceram ao evento. Os governos de outros dois países lusófonos, Angola e Moçambique, com quem o Brasil vinha cultivando longas relações de amizade, apenas enviaram representantes.

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E quando Luciano Hang saiu do fundo da tribuna para se colocar na primeira fila, reservada a chefes de Estado, Rebelo de Sousa fechou a cara. Possivelmente contrariado por dividir espaço com um dos empresários bolsonaristas que foram alvo de mandados de busca e apreensão por compartilharem mensagens golpistas no WhatsApp.

No Rio de Janeiro, onde tradicionalmente a parada militar é realizada pela manhã no Centro da cidade, o showmício, realizado com uso da máquina do Estado e pago com dinheiro público, foi deslocado para Copacabana, à tarde. Tudo para que o “comandante supremo” pudesse promover uma motociata a caminho do evento.

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Na Zona Sul carioca, Bolsonaro preferiu a companhia de personagens como Fabrício Queiroz e Eduardo Pazuello, protagonistas de alguns dos maiores casos de corrupção do desgoverno Bolsonaro. Também esteve lá Daniel Silveira, cuja candidatura ao Senado foi cassada após o STF condená-lo a oito anos e nove meses de prisão por estimular atos antidemocráticos. O pastor Silas Malafaia acompanhou Bolsonaro nos dois eventos.

Dilma: “Bolsonaro sequestrou o 7 de Setembro”

Ao usar o 7 de Setembro para pedir votos, atacando adversários e dizendo as mentiras e escatologias de sempre, Bolsonaro “estapeou” a Constituição Federal, afirmou o ex-ministro do STF Ayres Britto. “Bolsonaro pôs o 7 de setembro a serviço dele”, disse ao portal Uol. “Ele falou do dia 2 de outubro ao final do discurso. Até a vitória, ele afirmou. O que configura um pedido de voto. Não se pode tapar o sol com a peneira.”

É o mesmo entendimento da ex-presidenta Dilma Rousseff, que em carta pública se desculpou com o presidente do Senado por não comparecer ao evento desta quinta-feira (8), em comemoração aos 200 anos da Independência. “Este ano, as comemorações tiveram uma característica única, que marca de maneira indelével e vergonhosa o calendário”, afirmou Dilma.

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“Desafortunadamente, o Brasil assistiu ao chefe de Estado sequestrar a data histórica que é de todo o povo em benefício de sua própria candidatura eleitoral, desafiando as leis e ignorando o rito sagrado da função institucional de quem está no comando do País”, prossegue a carta. “Que o Senado da República, que já foi palco de grandes momentos, mas também de atos de injustiça, alguns bem recentes em nossa história, desta vez permaneça atento e não nos falte neste momento decisivo.”

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A presidenta nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), reforçou a crítica. “Apropriação indébita do Bicentenário da Independência do Brasil por Bolsonaro. Ele roubou do povo a comemoração para fazer sua campanha. Apequenou o 7 de setembro. Usou um palanque para se auto elogiar e atacar Lula. Desprezível, quis se colocar acima do país!”, afirmou a deputada em seu perfil no Twitter.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pediu, via Lei de Acesso à Informação, para Bolsonaro detalhar o gasto público com os eventos. A OAB quer o detalhamento dos atos virtuais e presenciais ligados ao feriado. Também pergunta quantas manifestações receberam dinheiro do orçamento da Presidência da República.

“O presidente da República sequestrou o 7 de Setembro. Não houve uma data cívica. Bolsonaro se apropriou da data por interesses pessoais e para se defender do inquérito conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes”, afirmou Santa Cruz ao portal Poder360. “O objetivo foi atacar o Supremo Tribunal Federal para defender os seus, que estão sendo incomodados pelo inquérito.”

Maíra Recchia, presidente do Observatório Eleitoral da OAB-SP, disse ao Uol que “Bolsonaro ultrapassou todos os limites possíveis. Especialmente da legislação eleitoral”. “Foi o uso da máquina pública na sua forma mais clássica para promover seus atos de campanha, nunca visto anteriormente de forma tão escancarada.”

Já a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) entrou com ação no Procon-RJ contra a fabricante de armas Taurus, que está oferecendo “condições especiais” para a compra de carabinas e fuzis em uma promoção que faz parte da “Semana Brasil”. A ABI também acionou o Conar pela retirada imediata do anúncio, por violações do Código de Defesa do Consumidor e da Constituição Federal.

Na noite de quarta, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lembrou que nunca utilizou um dia da Pátria para campanha. “Em vez de discutir os problemas do País, tentar falar para o povo como vai resolver os problemas da educação, da saúde, do desemprego, do arrocho do salário mínimo, ele tenta falar de campanha política e tenta me atacar. Agora, ele deveria estar explicando para o povo como é que a família juntou R$ 26 milhões em dinheiro vivo para comprar 51 imóveis”, afirmou em vídeo divulgado nas redes sociais.

E mesmo usurpando uma data comemorativa, cometendo flagrante abuso de poder econômico e político com o uso de recursos públicos, Bolsonaro pode ter dado um tiro n’água. É a avaliação do analista de redes sociais Pedro Barciela.

“O que o bolsonarismo precisava não eram fotos ou ‘datapovo’, mas pontes para dialogar com novos eleitores. Não conseguiu nada disso nesse 7/9. A postura do presidente tem novo efeito reverso, aproximando atores não-polarizados do antibolsonarismo”, avaliou Barciela em seu perfil no Twitter. E ele não está sozinho.

“Bolsonaro não ganhou um voto hoje. Falou apenas para sua base de extrema direita. O sequestro da data nacional, o crime eleitoral explícito, a ameaça de golpe e a fala machista de homem fraco só o isolam mais política e eleitoralmente”, afirmou o jornalista Kennedy Alencar no Uol. “Bolsonaro perdeu de novo no 7 de Setembro. Tem gente, mas menos do que Bolsonaro e aliados esperavam. É um comício da extrema-direita, que vai perder a eleição presidencial. Bolsonaro não tem maioria no país”, concluiu Alencar.

Da Redação, com informações de agências

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