Boujikian: Imparcialidade do juiz é imprescindível para a democracia

Para a desembargadora Kenarik Boujikian Felippe, Moro tenta normalizar situação em julgamento de Lula que é inconstitucional e STF deve tomar providências

Daniel Cima/CIDH

Kenarik Boujikian Felippe

A troca de mensagens entre o ex-juiz Sérgio Moro e os procuradores do Ministério Público (MP) na operação Lava Jato, divulgadas pelo The Intercept Brasil, não são normais. São ilegais. Assim classificou a desembargadora aposentada Kenarik Boujikian Felippe. Ela é co-fundadora da Associação Juízes para a Democracia (AJD). “O ex-juiz Moro tenta normalizar uma situação que, absolutamente, não é normal. A postura é inconstitucional, é ilegal, e juízes não fazem isso. Se algum juiz faz ou não, tem de ser averiguado e tomadas as medidas cabíveis”, afirmou em entrevista à Rádio Brasil Atual.

Juíza no Tribunal de Justiça de São Paulo entre 1989 e 2019, Kenarik considera chocante a relação entre o juiz e os promotores, reveladas nas mensagens trocadas pelo aplicativo Telegram entre Moro e o coordenador da Lava Jato, o procurador Deltan Dallagnol, e agora divulgadas pelo site de notícias, que começa a compartilhar o conteúdo com outros veículos como forma de ampliar o alcance e a credibilidade do material.

“Cada dia vem uma bomba maior”, diz. “O que houve nesse último relato (exclusão da participação da procuradora Laura Tessler na audiência de Lula) é mostrar a relação entre juízes e promotores. Essa relação não é normal, é bastante chocante. Comprova a parcialidade do juiz e a subserviência do Ministério Público que é inaceitável.”

A desembargadora explica que o Ministério Público tem um determinado papel dentro da Constituição que transborda para cada um dos processos. “No caso específico, mostrou essa relação e a consequência dessa relação, que foi o juiz dizer para os procuradores quem (da equipe de acusadores) não deveria participar das audiências. Ou seja, é o juiz que está no processo, indevidamente escolhendo quem deve ou não deve conduzir a audiência na parte que diz respeito ao MP. É uma posição absolutamente indevida para um juiz. Ele não tem esse papel.”

Kenarik considerou patética a forma como o agora ministro da Justiça, Sergio Moro, respondeu às perguntas em audiência no Senado, na última quarta-feira. “Acaba por admitir tudo o que estamos constatando. Ele não tem como negar e não nega. Diz ‘não lembro’. Se não tivesse cometido todas essas ações diria ‘não fiz isso’.”

Processo deve ser anulado

Sobre a anulação de processos, Kenarik diz que isso tem de ser averiguado no processo em curso. “Evidentemente todas as pessoas têm direito a ser julgadas por um juiz imparcial. Se um juiz não é imparcial, o processo tem de ser anulado. Essa é a consequência que o direito prevê. Isso está previsto na nossa Constituição, nas convenções internacionais, na nossa lei ordinária. Temos todo um arcabouço jurídico para proteger qualquer pessoa para ser ouvida e julgada por um juiz imparcial.”

A ex-juíza explica as irregularidades. “Por exemplo, os processos têm de ser públicos. Tudo que um juiz pode fazer e deve fazer tem de estar no processo.” E ironiza. “Alguma daquelas falas, coisas assustadoras que estamos vendo, poderiam estar no processo? Evidente que não. E não estão por um motivo: eles sabem que não poderiam fazer isso, tinham pela consciência. Tanto que ficam preocupados em dizer ‘apaga isso’. Toda conduta deles é de forma clandestina, eles atuaram em segredo. Mas a publicidade é a regra do processo.”

Para Kenarik, Moro tenta confundir a sociedade ao dizer que promotor, juiz e advogado conversam. “É claro que conversamos, afinal somos pessoas educadas. Mas não sobre os processos, sobre se deve investigar, quem mandar, o que fazer”, avalia. “Essas conversas dele são absolutamente irregulares e terão consequência no processo, espero. Claramente se vê uma quebra por interesses outros e o Supremo Tribunal Federal (STF) tem de dar resposta inclusive a toda magistratura. Porque se o Supremo disser que isso é normal, ele está dizendo que pode fazer isso também.”

A desembargadora sugere empatia para entender melhor a situação. “Vamos nos colocar na posição de uma pessoa que o juiz está combinando com a outra parte como agir. Ninguém precisa saber qual o artigo do Código Penal para saber que essa é uma conduta absolutamente inaceitável”, avalia.

“Vivemos um momento muito difícil, delicado. É preciso que a gente tenha um realinhamento, para a segurança da democracia, ressalta, dizendo-se preocupada com a possibilidade de adiamento do julgamento previsto para 25 de junho, quando o STF deve analisar o pedido da defesa de Lula sobre a suspeição de Moro no caso. A suspeição do ex-juiz de Curitiba já era apontada pela defesa, e as revelações do Intercept devem ser incluídas na análise.

A defesa do ex-presidente divulgou nota em que corrige interpretação da Procuradoria-Geral da República, segundo as revelações do site seriam a base do pedido de suspeição: “Ao contrário do que foi afirmado pela ilustre Procuradora Geral da República em manifestação protocolada nesta data (21/06) o Habeas Corpus nº 164.493 que impetramos em favor do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 05/11/2018 e que está na pauta da 2ª. Turma do STF do próximo dia 25 não está amparado nas reportagens divulgadas pelo The Intercept. Referido habeas corpus, que começou a ser julgado pela Suprema Corte em 04/12/2018 — muito antes, portanto, das reportagens”. diz a nota (íntegra).

“Não sei qual a justificativa a dar para anular um julgamento que está colocado em pauta”, diz Kenarik, referindo-se à noticia de que a ministra Cármem Lúcia, da 2ª Turma do STF, estaria invertendo a pauta do dia 25 colocando outros temas na frente, com risco de o recurso de Lula ficar para o mês de agosto. “O Judiciário tem um papel na democracia e espero que o STF cumpra esse papel. Não é possível nem aceitável que algo dessa magnitude que está sendo revelado passe em brancas nuvens e o Supremo Tribunal fique de braços cruzados. Eu espero que não seja adiado. É preciso que o Supremo enfrente essa questão que a defesa tem colocado que é a suspeição do juiz.”

Por Rede Brasil Atual

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