Breno Altman: Aberração identitária do PT
Altman questiona criação de uma comissão de ética composta exclusivamente por mulheres em casos de denúncia de assédio
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A etapa paulista do 6º Congresso Nacional do PT aprovou, por unanimidade, resolução contra assédio às mulheres e machismo que deveria ter provocado fortes reações, não vivêssemos, entre as forças progressistas, clima de farta demagogia sobre questões referentes ao debate de gênero.
Obviamente não me refiro à dura condenação de práticas inaceitáveis, infelizmente ainda comuns nas hostes petistas, que devem ser combatidas de forma clara e permanente.
O problema reside na estrutura punitiva que foi aclamada pelos delegados paulistas, embora ainda sujeita à apreciação pelo congresso nacional: deliberou-se pela criação de uma comissão de ética, composta exclusivamente por mulheres, que pode decidir sanções contra homens que tenham comportamento machista e assediador, de forma terminativa, isso é, em caráter definitivo, sem possibilidade de recurso às instâncias dirigentes do partido.
Trocando em miúdos: um militante acusado de assédio, em determinadas circunstâncias, poderia ser advertido, suspenso e até expulso do PT a partir de decisão exclusiva dessa comissão de ética especial, sem direito a recursos previstos no próprio estatuto partidário.
Tal medida, por mais que sejam nobres as causas que a motivem, fere princípios comezinhos de justiça e democracia interna, além de naturalizar regra hierárquica de gênero incompatível tanto com as regras do Estado de Direito quanto com a natureza de um partido socialista.
Faço três observações pontuais para melhor apresentar meu ponto de vista:
1. Nenhum sistema civilizado de justiça se apóia sobre o direito punitivo da vítima, pois desaparece qualquer chance de sobrevivência do devido processo legal quando a normatização é atravessada pelo risco de vingança ou ajuste de contas, em caráter individual ou coletivo. Não há tribunal de juri, em qualquer país relevante no qual se recorra a júris populares, que aceite a participação de quem tenha sido alvo de determinado crime, sofrido delito correlato ou que predomine, entre os julgadores, integrantes do grupo social ao qual pertença eventual vítima.
2. Não se pode aceitar, em um partido político ou em qualquer forma de organização coletiva que se pretenda democrática, um regime de exceção, no qual determinadas infrações e seus supostos autores sejam excluídos do sistema processual interno, escolhido exatamente porque garante equilíbrio entre deveres e direitos.
3. A paridade em todas as instâncias deliberativas do PT foi adotada exatamente para impulsionar tanto a igualdade de direitos quanto o combate ao machismo como fator político-cultural. A criação de um organismo especial, baseado na exclusividade de gênero, representa ameaça à democracia interna, no mínimo por ser um precedente para que outros setores e grupos reivindiquem mecanismos semelhantes de exceção estatutária.
Por mais implacável e urgente que seja a luta contra o assédio e outros delitos de gênero, penso ser incorreto e perigoso trava-la com métodos administrativos que danifiquem os preceitos da democracia próprios a um partido proletário.
No limite, trata-se de ato demagógico, destinado a ganhar aplausos identitários, mas que atestaria a falência do PT em garantir, nas suas próprias fileiras, direitos e processos que atualmente são pisoteados pelo Estado burguês.
Por Breno Altman, para a Tribuna de Debates do 6º Congresso
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