Câmara confirma adesão do Brasil à convenção da OEA contra racismo. Bolsonaristas disseram não

Enquanto PT e oposição reafirmavam compromisso histórico do país com a luta contra a intolerância e que prevê punição a atos e manifestações contra raça, a bancada bolsonarista votou contra o texto. Trinta e nove deputados do DEM, PSL e Novo, além do Cidadania, Patriotas e Republicanos, se manifestaram contra a convenção. O filho do presidente da República também votou contra

Agência PT

Em votação histórica, a Câmara aprovou nesta quarta-feira, 9 de dezembro, a adesão do Brasil à Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância. O texto consta do Projeto de Decreto Legislativo  861/17. Os países que ratificarem o acordo devem se comprometer a prevenir, proibir e punir todos os atos e manifestações de racismo, de discriminação e de intolerância. A convenção resultou de negociações iniciadas em 2005 pela Organização dos Estados Americanos (OEA), e aprovada 2013, durante a 43ª sessão ordinária da OEA, em Antígua, na Guatemala.

Emocionada, a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) não escondeu a sua felicidade com a aprovação do PDL. “Nós já buscávamos há muito tempo a ratificação dessa convenção, porque no Brasil é preciso definir exatamente o que significa discriminação racial, porque, quando as pessoas falarem que vidas importam, é preciso dizer claramente que vidas negras importam, dados os índices que encontramos de homicídios nessas comunidades. Quando se fala em taxa de homicídio, sempre devemos colocar que a maioria, às vezes, até oito vezes mais, atinge exatamente pessoas de cor, de pele negra”, desabafou.

Benedita da Silva (PT-RJ): ”Quando se fala em taxa de homicídio, sempre devemos colocar que a maioria, às vezes, até oito vezes mais, atinge exatamente pessoas de cor, de pele negra”

A bancada do PT em peso votou a favor do decreto legislativo, assim como outros partidos da oposição. Apesar disso, 39 parlamentares da base bolsonarista – DEM, PSL e Novo, além de Republicanos, Patriota e Cidadania – foram contrários ao projeto. O Partido Novo orientou voto contrário ao projeto. No primeiro turno, 39 deputados votaram contra a ratificação do texto, incluindo o filho do presidente da República, deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). No segundo turno, 42 votaram contra e 417, a favor. A lista está abaixo.

Benedita da Silva frisou que a Abolição da Escravidão no Brasil não significou para os negros a inserção no mercado de trabalho. “Somos o maior número de desempregados no Brasil. Eu poderia dizer das crianças, da educação, da área da saúde, mas eu quero apenas dizer que esta convenção identifica um grupo específico que é beneficiado por isso, em que consiste o racismo, o racismo estrutural, o racismo institucional, que nós precisamos combater e pelo qual o Estado tem responsabilidade”, afirmou.

A deputada enfatizou que a convenção explica esses deveres e os compromissos convencionais do Estado. “É o Estado brasileiro que assume, na assinatura desta convenção, este compromisso de olhar parte desses brasileiros não com privilégio, mas com inclusão, para diminuir os danos causados pelo processo de colonização e a falta de inclusão desta comunidade”. Ela explicou ainda que a ratificação da convenção faz parte de uma série de projetos apontados pela Comissão Externa da Câmara que acompanha a apuração do assassinato de João Alberto, no Carrefour, em Porto Alegre (RS), como prioritários para serem apreciados pelo Parlamento.

Vidas negras importam

O deputado federal Vicentinho (PT-SP) destacou que ao aprovar este compromisso internacional, o Brasil está se colocando, pelo menos sob o aspecto da lei, em um patamar de dignidade e de comprometimento contra todo tipo de preconceito e de discriminação, contra o racismo, que hoje mata no Brasil. “Vidas negras importam. Vidas da comunidade indígena também importam. Esta decisão, tomada hoje, significa o fortalecimento da lei, mas são necessários também um trabalho cultural e educativo, campanhas de conscientização, para que aquele ou aquela que se sinta superior a uma pessoa por causa da cor da pele constate que é na verdade inferior, frágil, doente e temerosa de que alguém pode ter o mesmo direito que ela tem”, declarou.

O parlamentar citou a morte de João Alberto, em Porto Alegre, vítima de espancamento até a morte na entrada do Carrefour – crime ocorrido em novembro – e comentou sobre a Comissão Externa da Câmara que acompanha as investigações do assassinato. “Em visita e em solidariedade à família do João Alberto, fiquei feliz e esperançoso com o movimento popular negro no Rio Grande do Sul e também com as vereadoras e os vereadores, jovens negros que assumem essa missão. Esse é um novo sinal. Esse é um novo tempo”, afirmou. Vicentinh defendeu a aprovação de outros projetos que criam políticas preventivas e que tratam de qualquer tipo de discriminação.

A deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), que era ministra da Secretaria de Direitos Humanos na época em que o Brasil negociava a convenção da Organização dos Estados Americanos, defendeu a convenção e afirmou: “Faremos isso por João Alberto. Faremos isso pelas meninas negras assassinadas barbaramente na porta de casa neste final de semana no Rio de Janeiro. Faremos isso por Jane da Silva Nunes, em Porto Alegre, que morreu ontem numa abordagem policial desastrosa, que leva à circunstância de morte mais uma vida negra, uma lutadora negra. Nós faremos isso porque basta de ódio”.

O texto da Convenção da OEA

De acordo com a convenção, a discriminação racial pode basear-se em raça, cor, ascendência ou origem nacional ou étnica e é definida como “qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência, em qualquer área da vida pública ou privada, com o propósito ou efeito de anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade, de um ou mais direitos humanos e liberdades fundamentais consagrados nos instrumentos internacionais aplicáveis aos Estados partes”.

O acordo da OEA trata ainda da intolerância, conceituada como “um ato ou conjunto de atos ou manifestações que denotam desrespeito, rejeição ou desprezo à dignidade, características, convicções ou opiniões de pessoas por serem diferentes ou contrárias”. Os países que ratificarem a convenção devem se comprometer a prevenir, eliminar, proibir e punir, de acordo com suas normas constitucionais e com as regras da convenção, todos os atos e manifestações de cunho racista e discriminação racial.

A convenção lista 15 situações que se enquadram em atos e manifestações de racismo, discriminação racial e formas correlatas de intolerância, como “qualquer ação repressiva fundamentada em discriminação em vez de basear-se no comportamento da pessoa ou em informações objetivas que identifiquem seu envolvimento em atividades criminosas”.

O documento determina que os países ratificantes devem se comprometer ainda a garantir que seus sistemas políticos e jurídicos “reflitam adequadamente a diversidade de suas sociedades, a fim de atender às necessidades legítimas de todos os setores da população, de acordo com o alcance da convenção”.

A lista da bancada bolsonarista que votou contra

Da Redação, com PT na Câmara

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