Celso Amorim: participação do Brasil no Comando Sul com EUA é uma arapuca
Ex-chanceler considera grave o país estar ao lado dos EUA diante de nações que eles têm como “inimigos”. Objetivo do Comando Sul é assegurar a hegemonia americana sobre a América Latina e o Caribe
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A decisão brasileira de indicar um general para assumir um posto no Comando Sul (SouthCom) das Forças Armadas norte-americanas, no fim do ano, “é uma coisa espantosa”, na opinião do ex-chanceler e ex-ministro da Defesa Celso Amorim. A informação foi revelada no dia 7 pelo almirante Craig Faller, responsável pela divisão incumbida da segurança dos Estados Unidos na América Central, Caribe e a América do Sul, mas foi divulgada no Brasil apenas esta semana. Para Amorim, o Brasil entra numa arapuca.
“Mesmo na intervenção da República Dominicana (1965), que é algo muito criticável, feita durante o governo militar, o general brasileiro tinha autonomia dentro da ação dele, pelo menos teoricamente. Nesse caso, não. Ele está integrado dentro do Comando Sul, dedicado a cuidar dos interesses norte-americanos no hemisfério. Ou seja, o brasileiro está dentro de uma cadeia de comando estrangeira. É uma coisa para mim espantosa”, diz o ex-ministro brasileiro.
O objetivo do Comando Sul, explica, é assegurar, não a estabilidade, como dizem os norte-americanos, mas a hegemonia deles sobre a América Latina e Caribe.
Amorim considera grave o fato de que a aceitação da participação brasileira no Comando Sul implica estar ao lado dos Estados Unidos diante de nações que eles consideram “inimigos”, mas que são parceiros importantes do Brasil.
Em documento encaminhado pelo almirante Faller ao Congresso dos Estados Unidos, ele aponta como ameaças aos interesses estadunidenses na região Rússia, China, Irã, Venezuela, Cuba e Nicarágua. Segundo o documento, Colômbia, Brasil e Chile são “parceiros”.
“É um grande erro, porque, se olharmos o conjunto da declaração do almirante Faller no Congresso, ele próprio define o quadro geopolítico: é para defender os interesses da América do Sul dos inimigos, que não são inimigos nossos. Podem ser inimigos deles, mas não deveriam ser, deveriam ser competidores. Mas eles veem como inimigos”, observa Celso Amorim.
O almirante Faller disse aos senadores de seu país: “Queremos inimigos que nos temam e amigos que façam parceria conosco”. A questão é que, ao entrar no Comando Sul, o próprio Brasil está ignorando importantes parceiros.
“A Rússia, mas a China principalmente. Lembro das gestões importantes que fizemos, por exemplo, para a venda de carnes para a Rússia, e conseguimos abrir um mercado grande, importante. E a China nem se fala”, observa Amorim. O gigante oriental é hoje o maior parceiro comercial do Brasil.
“Estamos nos metendo numa arapuca. É preciso seguir a velha sabedoria mineira. Como dizia Magalhães Pinto, ’em briga da Jacu, Inhambu não entra'”, pontua. “A estratégia não é a nossa. Tudo isso se baseia numa visão de defesa do hemisfério, em que você tem uma superpotência e tem um quintal. E quando se está no quintal e é promovido a chegar perto da cozinha, parece que é uma grande coisa, mas não é”, diz o ex-chanceler.
Livro Branco
Amorim aponta que o Brasil fazer parte da estratégia militar dos Estados Unidos contraria a Estratégia Nacional de Defesa brasileira e os princípios inscritos no Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN).
Segundo texto no site do Ministério da Defesa brasileiro, o Livro Branco, “para fora do país, tem o objetivo de compartilhar as motivações e finalidades do instrumento militar junto à comunidade internacional para, assim, constituir mecanismo de construção de confiança mútua entre o Brasil e as nações amigas, especialmente as vizinhas”. O texto explica ainda que o Livro Branco contribui “também para fortalecer a cooperação entre os países da América do Sul”.
Amorim lembra que a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco são documentos enviados pelo Executivo e aprovados pelo Congresso Nacional.
A Câmara dos Deputados aprovou em setembro de 2013 os textos da Política Nacional de Defesa (PND), da Estratégia Nacional de Defesa (END) e do Livro Branco, que haviam sido encaminhados ao Legislativo no ano anterior. As ideias inseridas nos documentos já existiam anteriormente, mas foram redefinidas no período de Amorim no Executivo.
“Pode não ser a intenção, mas as Forças Armadas brasileiras estarão sob a égide norte-americana, dentro de uma visão de segurança hemisférica, que é uma herança da Guerra Fria, algo que não tinha mais que existir”, diz Amorim, ministro da Defesa de agosto de 2011 a dezembro de 2014. “O mundo que o Brasil quer é multipolar, plural, está implícito e explícito na da Estratégia Nacional de Defesa e no Livro Branco, que construímos junto com os chefes militares brasileiros.”