Com Bolsonaro, classe média encolhe enquanto a pobreza explode

Queda de renda decorrente da falta de crédito para pequenos negócios, da precarização do trabalho, do desemprego e do vaivém do auxílio emergencial promove um dos maiores retrocessos sociais da história do país

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Neoliberalismo empurra brasileiros para a pobreza

A negligência do desgoverno Bolsonaro com o combate à pandemia do coronavírus extrapolou as fronteiras médicas e prejudicou também os programas sociais, causando regressão do número de famílias de classe média concomitante à explosão da pobreza. Em 2021, o Brasil deve registrar 61,1 milhões de pessoas vivendo na pobreza e 19,3 milhões na extrema pobreza, segundo estudo do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (Made-USP).

Critérios do Banco Mundial classificam como pobres pessoas que vivem com renda mensal per capita inferior a R$ 469 por mês (US$ 5,50 por dia). Extremamente pobres são os que vivem com menos de R$ 162 mensais (US$ 1,90 por dia). Segundo o estudo, divulgado na última quinta-feira (22), os brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza somavam 51,9 milhões em 2019, e os extremamente pobres eram 13,9 milhões.

Em dois anos, o Brasil terá somado 9,1 milhões de pessoas à população pobre e 5,4 milhões à faixa em situação de miséria. A expectativa é de que a pobreza atinja 28,9% da população e a extrema pobreza chegue a 9,1% até o fim deste ano.

Muitos, expulsos da classe média devido à queda de renda decorrente da falta de crédito para pequenos negócios, da precarização do trabalho, do crescente desemprego e do vaivém de valores e vigência do auxílio emergencial.

As autoras do estudo, Luiza Nassif-Pires, Luísa Cardoso e Ana Luíza Matos de Oliveira, afirmam que as idas e vindas do auxílio geram efeitos perversos na oscilação da pirâmide social brasileira. E o valor atual do benefício, de R$ 250 em média, é insuficiente para recompor a perda de renda da população mais pobre em meio à pior fase da crise.

Oliveira, que é professora visitante da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso Brasil) e coordenadora-geral da secretaria executiva da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público, lamenta que, justo no pior momento da pandemia, o benefício e o número de beneficiários tenham sido reduzidos.

“Isso deve ter um impacto não só para a população vulnerável, mas também um efeito macroeconômico muito grande. Então é um problema para os mais pobres e para o Brasil como um todo”, afirmou à ‘BBC Brasil’.

“Já havia um crescimento da pobreza antes da pandemia, isso só não se agravou no ano passado devido ao auxílio emergencial de R$ 600 a R$ 1.200”, argumenta. “O novo modelo do auxílio, que sofreu um corte significativo, está deixando grande parte da população desamparada.”

Auxílio de R$ 600 reduziu a pobreza

Conforme a linha de tempo das economistas, até 2014 a redução da pobreza no país foi alavancada pelo avanço de políticas sociais como o Bolsa Família, os ganhos reais do salário mínimo e a ampliação do acesso à educação dos tempos de governos petistas.

Em 2015, sob efeito da crise econômica causada pelo movimento dos derrotados nas eleições de 2014, a tendência se inverteu e a miséria voltou a crescer. A trajetória de alta foi momentaneamente interrompida em 2020, com o auxílio emergencial.

O benefício, criado em abril do ano passado após muita tergiversação de Bolsonaro e seu ministro-banqueiro da Economia, Paulo Guedes, em julho havia reduzido a taxa de pobreza no país a 20,3% e a de extrema pobreza, a 2,4%. Foram os patamares mais baixos em 40 anos. Antes da pandemia, as taxas eram de 24,8% e 6,6%.

Em agosto do ano passado, o auxílio emergencial de R$ 600, somado à queda de renda de 4,8 milhões de pessoas da classe média alta, fez a população da chamada classe C chegar ao seu maior patamar histórico: 63% da população, ou 133,5 milhões de pessoas. O melhor momento ocorreu em 2014, quando alcançou 55,10%.

Para Ian Prates, sociólogo do Centro Brasileiro de Pesquisa e Planejamento (Cebrap), os micro e pequenos empresários que estavam acima da Classe C foram muito prejudicados pela inação de Bolsonaro e Guedes. “No início da pandemia, houve dificuldade para o crédito chegar aos pequenos empresários”, lembra o pesquisador.

Cardoso, pesquisadora de pós-doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirma que a demora do governo para retomar o auxílio em 2021 e os baixos valores estabelecidos demonstram descaso com a população e com o combate às desigualdades. “Essas coisas deveriam ser prioridades”, avalia.

Quanto à viabilidade de se estender o auxílio enquanto durar a pandemia, Nassif-Pires avalia que a restrição financeira imposta pelo teto de gastos é uma limitação política. “O espaço fiscal poderia existir, mas existe um embate político por esse espaço”, afirma.

“Pensando de forma estratégica, o custo do auxílio emergencial não é somente o seu valor de face, porque há um retorno disso. Ele faz com que a economia continue funcionando, então seu custo líquido é muito menor do que aquele que vai aparecer no Orçamento”, defende Nassif-Pires.

Além disso, o auxílio tem papel fundamental no controle da pandemia. “Manter a economia funcionando apesar da emergência de saúde, às custas de as pessoas precisarem se expor para sobreviver, tem impacto sobre a própria continuidade da pandemia. O problema econômico é resultado do problema sanitário”, conclui a economista.

Da Redação

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