Com foco na soberania, Lula intensificará relações no comércio internacional
“Não nos interessam acordos comerciais que condenem nosso país ao eterno papel de exportador de commodities e matéria-prima”, avisou Lula, apontando para o futuro: “Queremos exportar também conhecimento”
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A diplomacia do novo governo Lula, prestes a devolver ao Brasil seu papel como importante ator geopolítico no tabuleiro das relações internacionais, tem planos ambiciosos para o país. Além de voltar a liderar discussões sobre mudanças climáticas, as relações comerciais serão priorizadas com foco na soberania nacional. Isso significa dizer que o Brasil não irá mais se contentar em ser apenas exportador de commodities, mirando novas bases industriais a fim de conferir valor agregado a seus produtos.
Quando Lula foi presidente, o líder petista visitou 85 países até 2010, 27 deles no continente africano. Na área do comércio, ele atuou como uma espécie de mascate do que o Brasil tinha a oferecer. Essa presença nas relações comerciais voltará. E, já no discurso de vitória, no último domingo (30), Lula deixou claro que vai batalhar por um comércio internacional mais justo, com menos barreiras protecionistas, para retomar parcerias com as grandes potências em novas bases.
Essas bases permitirão ao Brasil competir por meio de uma reindustrialização apoiada em novas tecnologias. Para isso, a diplomacia brasileira vai batalhar por acordos que envolvam transferência de tecnologia, como as parcerias de cooperação científica, em várias áreas, desde as fronteiras do conhecimento em inteligência artificial até novas formas de produção agrícola. Após a derrota de Bolsonaro, a Europa já emitiu sinais de que quer fazer acordos na área de comércio, retomando uma agenda que havia esfriado completamente após o golpe contra Dilma Rousseff, responsável por uma espécie de “apagão diplomático” do país.
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Mercosul, G20, BRICS
Apesar de assimetrias econômicas de alguns países que, por vezes, dificultam entendimentos, Lula também fortaleceu o Mercosul por meio de acordos no bloco, e na expansão do G20. A atuação brasileira foi tão forte que chegou a enfraquecer o chamado G8, o grupo dos países mais ricos do mundo, retirando parte de suas atribuições como uma das mais importantes plataformas de discussões globais.
Nesse contexto nasceu, em 2008, os BRICS, com uma agenda multipolar própria e que resultou inclusive na criação de um banco. O bloco dos BRICS poderá ter papel imprescindível em um novo redesenho da arquitetura global das relações econômicas. Todas essas instâncias deverão ser recuperadas para a construção de agendas que atendam aos interesses dos países envolvidos, sobretudo os que estão em desenvolvimento, caso do Brasil.
Exportando conhecimento
“Queremos um comércio internacional mais justo”, confirmou Lula, no dia da vitória. “Retomar nossas parcerias com os Estados Unidos e a União Europeia em novas bases. Não nos interessam acordos comerciais que condenem nosso país ao eterno papel de exportador de commodities e matéria prima”.
“Vamos reindustrializar o Brasil, investir na economia verde e digital, apoiar a criatividade dos nossos empresários e empreendedores. Queremos exportar também conhecimento”, avisou o petista.
Mudança imediata de ares
Analistas internacionais, como o jornalista Jamil Chade, baseado em Genebra, na Suíça, avalia que o ambiente está muito favorável para um novo caminho a ser retomado diplomacia brasileira. “A fila para falar com o Brasil de Lula, segundo diplomatas, já preenche uma ampla agenda”, escreveu Chade, em sua coluna no UOL.
De fato, basta analisar o efeito imediato na comunidade internacional após o resultado das eleições. Além de receber pessoalmente o presidente da Argentina Alberto Fernandez, que fez questão de dar um abraço em Lula, houve diversos telefonemas: Joe Biden, dos EUA, Macron, da França, Olaf Scholz, primeiro-ministro da Alemanha, o premiê de Portugal, António Costa e o presidente Marcelo Rebelo de Sousa, entre muitos outros, como o presidente da Espanha, Pedro Sánchez, se pronunciaram. O espanhol inclusive recebeu Lula no ano passado.
Outros tantos mandaram mensagens ou telegramas, caso do presidente russo Vladimir Putin, assim como a Embaixada da China no Brasil se manifestou imediatamente após a confirmação da vitória, ainda na noite de domingo.
Protagonismo inédito com Amorim
Essas manifestações sinalizam que o mundo passa a ver com bons olhos a retomada de um processo de diálogo, de construção de consensos, que sempre marcaram a diplomacia brasileira, sobretudo após a vitória de Lula em 2003. Com o chanceler Celso Amorim à frente do Itamaraty, Lula levou o Brasil a um protagonismo internacional inédito na nossa história.
A chamada diplomacia altiva e ativa fez diferença e deu exemplo em discussões variadas como mudanças climáticas, assunto sobre o qual o Brasil não apenas dominava, como era referência em termos de comprometimento com metas de redução dos gases de efeito estufa e de preservação ambiental. Processos de paz também estiveram no radar do Brasil, como o acordo nuclear entre e Irã e Turquia, mediado por Amorim em 2010, no âmbito do Conselho de Segurança da ONU. Sem contar os acordos comerciais bilaterais e as embaixadas que foram abertas para ampliar as relações do Brasil, principalmente com países africanos.
É essa a diplomacia que volta a ser festejada no mundo, apontam analistas de políticas externa. Prova disso é que já no segundo dia depois da vitória, Lula foi convidado oficialmente pelo governo do Egito para participar da Cúpula das Nações Unidas para o Clima (COP27), que acontece em esse mês no Egito, portanto, antes mesmo de tomar posse.
Isolamento de Bolsonaro
Jamil Chade aponta ainda em sua coluna que essa é uma evidência de que Bolsonaro está completamente isolado e de que se transformou em persona non grata nos principais fóruns de discussões globais. O presidente eleito já aceitou participar da COP27.
Na quarta-feira (2), também foi confirmado um novo e importante convite que será feito para Lula, desta vez em Davos, na Suíça, que promove anualmente o Fórum Econômico Mundial. Segundo Chade, os organizadores querem dar um palco central para Lula expor suas ideias sobre uma nova política externa que seja condizente com os tempos e desafios atuais.
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Com uma nova agenda climática, que inclua o desenvolvimento sustentável pelo emprego de tecnologias limpas e a preservação da biodiversidade, o Brasil pode destravar acordos importantes, inclusive financeiros. Tanto que apenas algumas horas depois que Lula foi eleito, a Noruega anunciou que vai voltar a financiar um fundo de preservação do meio ambiente, voltado para reduzir o desmatamento. Com Lula, o desmatamento foi reduzido em 80%.
Respeito à autodeterminação dos povos
É certo que a diplomacia brasileira sabe que há um quadro de desafios no comércio internacional. A guerra entre Rússia e Ucrânia poderá provocar novas tensões econômicas nos tratados entre os países. Isso exigirá do Brasil habilidade para atuar em um cenário de excessivo protecionismo entre países.
Mas o Brasil estará pronto para retomar sua diplomacia de construção de consensos, marcada pelo respeito ao princípio da autodeterminação dos povos. Isso significa que vamos conversar com EUA, China, Rússia, Venezuela, África do Sul, entre tantos países, de igual para igual. Como diz Lula, sem falar fino com os americanos, nem grosso com os sul-americanos.
Da Redação