Comissão do Senado cria canal para combater violência política
A Comissão de Direitos Humanos (CDH), presidida pelo senador Humberto Costa (PT-PE), lançou um canal exclusivo para receber de denúncias de violência política. Veja como vai funcionar e como denunciar
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A Comissão de Direitos Humanos (CDH), presidida pelo senador Humberto Costa (PT-PE), lançou, nesta quinta-feira (17), um canal exclusivo para o recebimento de denúncias de violência política. A partir de agora, as pessoas que forem vítimas ou presenciarem atos de violência política poderão formalizar a denúncia à CDH pelo email: violenciapolitica@senado.leg.br.
“Assim podemos dar encaminhamento às denúncias que recebermos, como fiscalizar e acompanhar o andamento dos casos. É fundamental que o Congresso Nacional não fique silente diante de tantas atrocidades vividas por importantes lideranças políticas do Brasil”, destacou Humberto ao fazer a divulgação.
O senador também anunciou a confecção de um memorial dos casos de violência política no Brasil. O objetivo é conscientizar e alertar a população para este problema.
VEJA AQUI O MEMORIAL COM OS CASOS DE VIOLÊNCIA POLÍTICA
Com os dados, a ideia é buscar junto às autoridades ações, providências e iniciativas que possam responsabilizar e punir atos de violência política no Brasil. O documento ainda vai servir para chamar a atenção, diante da proximidade das eleições, para a necessidade de antecipar medidas que impeçam qualquer manifestação de violência política e implementar mecanismos de enfrentamento.
O estudo “Violência Política e Eleitoral no Brasil”, publicado pelas entidades Terra de Direitos e Justiça Global, aponta que entre janeiro de 2016 e setembro de 2020, o Brasil registrou, em média, um ato de violência política a cada quatro dias.
No período, foram registrados 68 assassinatos políticos e 57 atentados. Mais de 60% dos crimes permanecem sem solução. Ainda foram identificados 85 casos de ameaça (31% mulheres), 33 agressões (100% dos autores são do sexo masculino), 59 ofensas com conteúdo discriminatório (76% contra mulheres, sendo principal alvo as mulheres negras), 21 invasões e 4 tentativas de criminalização.
“Essas são ações que buscam silenciar aquelas e aqueles que após anos de luta conquistaram espaço com representação política. São na sua ampla maioria parlamentares que elevaram as vozes de comunidades que por anos não foram ouvidas e, agora, sofrem com ataques sistemáticos e violentos por quem não aceita a diversidade da sociedade brasileira”, apontou Humberto Costa.
Minorias são principal alvo da violência política
Representantes da sociedade civil, que participaram da audiência na CDH, explicaram que a violência política tem como alvos, principalmente, mulheres, negros, indígenas, população LGBTQIA+ e portadores do vírus da Aids. Todos esses grupos têm representatividade política reduzida.
“Consideramos urgente que a pauta da diversidade sexual seja levada a sério na hora de pensar a defesa das vítimas da violência política. Mapear e delimitar o que vem sendo chamado de pautas identitárias é entender que algumas condições de vida são alvo quando seus representantes se mobilizam para ocupar espaços e brigar por seus direitos”, disse a representante do Movimento #VoteLGBT, Rafa Ella Brites Matoso. “A expectativa de vida de uma pessoa trans no Brasil é de 35 anos. O cuidado com essas populações deve ser tão ou maior do que a violência que os acomete”, concluiu.
Iêda Leal, representante do Movimento Negro Unificado, apontou que os casos de violência contra as minorias não se limitam aos casos de violência política. Mas, quando integrantes de minorias, como a comunidade negra, passam a buscar espaços de representação, esses ataques passam a ocorrer com mais frequência.
“Nós sabemos o que é lutar o tempo todo para termos espaço e exercer o direito de viver. Antes de crescer, querem nos matar. Nós pulamos essa violência e, quando somos jovens, querem nos silenciar. E, quando mais velhos, querem tirar nossos direitos políticos de viver e sobreviver. Querem interromper nosso ciclo de vida. Ganhamos da cidade uma resposta violenta. Quando somos integrados a algum partido e vencemos as dificuldades de sermos candidatos, vem a dificuldade de tomarmos posse do mandato porque querem tirar nossas vidas. É um ciclo de horror”, contou.
Anielle Franco, representante do Instituto Marielle Franco e irmã da ex-vereadora do Rio de Janeiro vítima de um assassinato com motivações políticas que vai completar quatro anos em 2022, aponta que o crescimento de casos de violência política tem afastado as mulheres negras da política.
“A violência política atravessa majoritariamente os corpos negros. Atinge mulheres que afirmam não se candidatarem em 2022 por temerem suas vidas. Violência que vitima Marielle e mostra como a democracia brasileira ainda é frágil. Nenhuma mulher merece ser assassinada ou violentada apenas por decidir se colocar à disposição de uma disputa política-eleitoral. Enquanto não tivermos segurança e políticas públicas eficazes para combater a violência política, continuaremos vendo mulheres se recusando a ocupar seus espaços”, alertou.
A coordenadora de incidência política na organização de direitos humanos Terra de Direitos, Gisele Barbieri, apontou que levantamentos realizados pela entidade mostram claramente que a violência política ocorre em todas as regiões do País e não se limita a um partido ou espectro político. Ela também pontuou haver crimes deste tipo todos os anos, mas alertou para a intensificação de casos em anos eleitorais.
“A violência já está presente na vida de negros e transexuais antes de eles almejarem um cargo eletivo. Quando eles fazem uma tentativa de disputar as instâncias de poder, essa violência se intensifica como uma forma de impedir a ocupação desses cargos. E, quando eleitos, essa violência se torna cotidiana”, disse. “É preciso que os partidos, o Congresso Nacional e os órgãos públicos recebam essas denúncias e tenham instâncias claras para dar encaminhamento e punir os agressores”, completou.
Miguelina Vecchio, coordenadora nacional do Fórum Nacional de Mulheres de Instâncias de Partidos Políticos, também pontuou a existência de casos de violência política, mesmo antes de as mulheres conquistarem espaços de representação política por meio das eleições.
“As mulheres não sofrem violência política apenas por deterem mandato. Elas começam a sofrer violência política dentro dos próprios partidos. Fazer um marco legal para combater a violência política no Brasil é a única forma de combater essa realidade que vivemos hoje”, disse.
Congresso Nacional precisa representar a diversidade do povo
O senador Fabiano Contarato (PT-ES), vice-presidente da CDH, destacou o fato de o Congresso Nacional, ser o único dos três poderes da República a não ter sido presidido por uma mulher. Ele usou o exemplo para mostrar como a representatividade no Poder Legislativo no Brasil ainda está concentrada, em sua maioria, entre homens brancos, héteros e, predominantemente, ricos.
“Será que o parlamento representa efetivamente a população? Tenho plena convicção que não. A grande massa da população, formada por pobres, negros, mulheres, índios, pessoas com deficiência, LGBTQIA+ e portadores de Aids, não tem representatividade. Dos três poderes da República, o único que nunca foi presidido por uma mulher é justamente o Congresso Nacional. Infelizmente, o Congresso também é preconceituoso. E não tem como não entendermos que essa é uma violência política”, destacou.
Diligências e novos debates
O senador Humberto Costa anunciou a intenção de fazer novas audiências públicas sobre o tema para juntar mais dados e elementos acerca da prática da violência política no Brasil. Além disso, as comissões de Direitos Humanos na Câmara e no Senado deverão realizar diligências conjuntas para visitar localidades na quais ocorreram casos simbólicos deste tipo de crime.
“Não dá para aceitar, de forma alguma, que parlamentares no exercício do seu mandato, concedido de forma democrática, sejam agredidos. Quando temos uma vereadora ou vereador agredido, a agressão não é apenas contra a pessoa, mas contra o que ela representa. É uma agressão ao povo”, disse o deputado federal Carlos Veras (PT-PE), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM).
Do PT no Senado