Comissão evidencia falta de base jurídica para o impeachment

Em 12 horas de debate na Comissão que analisa o impeachment de Dilma, deputados demonstraram fragilidade do relatório que pede a saída da presidenta

As mais de 12 horas de debates entre os parlamentares que compõem a comissão especial que analisa o pedido de impeachment contra a presidenta, Dilma Rousseff, evidenciaram o caráter golpista e falta de sustentação jurídica de quem tenta retirá-la do cargo. A sessão que começou por volta das 15h desta sexta-feira (8) e adentrou a madrugada deste sábado (9) cristalizou o fato de que não há qualquer fundamento para sustentar a ocorrência de crime de responsabilidade por Dilma e, portanto, o pedido de impeachment do relatório do deputado federal Jovair Arantes (PTB-GO) é uma maneira de passar por cima da vontade das urnas.

“Estamos aqui fazendo um debate para destituir de um cargo uma presidenta da República com 54 milhões de votos ganhos dentro das regras do jogo. Não quero de maneira nenhuma romper com a Constituição Brasileira. Sem crime, impeachment é golpe”, sintetizou a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ).

“A oposição não conseguiu ganhar as últimas quatro eleições, não conseguiu convencer a população”, afirmou o deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP). “Uma oposição que é campeã em processos de corrupção, que tem o partido com a maior quantidade de condenação de prefeitos, que é o DEM, que tem José Roberto Arruda, Agripino Maia. Essa oposição quer falar em corrupção. Por quê? Porque todas as vezes no Brasil que se derrubou um governo popular não foi por meio de eleição. Sei que incomoda muito a oposição ouvir isso, mas vai ter que ouvir. E nós vamos falar isso nas praças e nas ruas das cidades do Brasil.”

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O deputado federal José Geraldo (PT-PA) lembrou que a oposição chegou a comemorar a vitória eleitoral e que, por isso, nunca se conformou com a derrota. “Em 2014, quando havia 87% de votos apurados, alguém no TSE soprou para o PSDB que tinham ganhado a eleição. Foi todo mundo de avião para Minas Gerais. Mas perderam. E não engoliram. Então, a Dilma, o PT e o governo não tiveram paz para governar”, disse.

Para o deputado federal Alessandro Molon (Rede-RJ), a destituição de uma decisão tomada pelo povo brasileiro é uma atentado ao artigo primeiro da Constituição. “Para desfazer uma decisão tomada nas urnas, é preciso que haja razoabilidade. O artigo primeiro da Constituição diz que todo poder emanda do povo”, frisou. “Se nós aceitarmos avaliar qualquer coisa que não esteja no processo, estamos violando o princípio do contraditório e o amplo direito à defesa. Fiquei perplexo a ver lideranças políticas brasileiras dizerem que o julgamento seria ‘pelo conjunto da obra’. Em nenhum momento a Constituição fala em “conjunto da obra” para retirada de um presidente.”

Decretos legais

O deputado Molon recordou que, em 2001, o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) baixou mais de 100 decretos de abertura de créditos suplementares, além de não ter cumprido a meta fiscal daquele ano. “E não houve impeachment. Precisamos ser juízes justos, não temos o direito de julgar com as conveniências.”

Coube ao deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) ressaltar que foi o próprio Congresso Nacional que aprovou o PLN 5/2015, modificando a meta fiscal e, com isso, autorizando os créditos suplementares. Paulo Teixeira também explicitou os objetivos que orientaram a utilização desses créditos. “Estamos aqui a condenar uma presidenta da República por ter destinado recursos para a ampliação dos campi das universidades federais, para destinar recursos para melhorar a investigação da Polícia Federal e para serviços de outros poderes, como a Justiça trabalhista. É fundamental dizer que as contas da presidenta não foram votadas. Nem as de 2014, nem as de 2015”, afirmou.

O deputado federal José Mentor (PT-SP) também mencionou o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal em 2001 pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Sobre o fato, o então ministro da Justiça de FHC, Miguel Reale Jr., que hoje assina o pedido de impeachment de Dilma, afirmou que o descumprimento foi por um valor pequeno. “Uai, quando é um negócio pequenininho, tudo bem, e quando é grande, não pode? A pedalada quando é no tico-tico pode, quando é na Caloi não pode?”, questionou.

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Com a clareza na demonstração da legalidade na utilização dos créditos suplementares, ficou evidente a falta de argumentos em favor do impeachment. “Até agora, do lado de quem é a favor do relatório, ninguém pegou o microfone para defender o relatório, para discutir o relatório, para sustentar o relatório”, indicou o deputado federal Wadih Damous (PT-RJ). “O relatório é mais eloquente naquilo que não contém do que naquilo que contém. No relatório, não se ouve a voz da defesa. Isso está em voga hoje, porque não há mais distinção entre acusação e juiz. Vivemos um momento em que está sendo prejudicado um lado da relação política, amanhã pode ser o outro lado. A não ser que não estejamos construindo uma jurisprudência, mas algo que só vale para um lado, para o ex-presidente Lula, para a presidenta Dilma.”

Vingança de Eduardo Cunha

Com a inexistência de base jurídica para sustentar o pedido de impeachment, o que motiva a manutenção do processo é o desejo do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). “Esse processo tem um vício original, ele é um gesto de vingança, não é interesse público, é uma estratégia de um presidente que quer fugir do processo de cassação”, afirmou o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS). “E é uma vergonha para o país que Eduardo Cunha esteja presidindo a Câmara dos Deputados.”

O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) também denunciou o golpe de Cunha. “Queria colocar em primeiro lugar que o PSOL é um partido de oposição, repudiamos a política econômica do governo Dilma. Seria muito mais fácil votar pelo impeachment, seria confortável para a gente. Mas não é da nossa índole”, disse. “É uma vergonha nacional, um escândalo internacional, que alugém com a somatória de denúncias no STF possa presidir o processo de impeachment. É uma vergonha.”

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A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) partilha da mesma opinião. “É surreal que o presidente Eduardo Cunha seja o comandante desse processo na Câmara, na medida da sua situação absolutamente chocante para a sociedade brasileira”, disse.

“Vocês vão assinar a cassação de mandato através de um golpe numa sessão comandada por Eduardo Cunha que nem deputado poderia ser?”, questionou o deputado federal Henrique Fontana (PT-RS).

Para o também oposicionista Chico Alencar (PSOL-RJ), “o pedido de impeachment traz alguns defeitos congênitos”. “O primeiro deles de ter sido aceito depois de uma longa barganha com Eduardo Cunha. Os decretos de crédito suplementar, que Michel Temer também assinou, estão respaldados na legislação. As tais pedaladas não se enquadram na lei de responsabilidade fiscal. Temos o dever de não aplicar golpe”, disse.

O deputado federal Assis Carvalho (PT-PI) foi categórico: “O relatório feito pela assessoria de Eduardo Cunha, porque é um relatório sem consistência, sem base legal. É um relatório sem fudamentação jurídica. Vamos deixar de cinismo porque todo mundo sabe que é um relatório produzido por uma elite que não admite a derrota nas eleições”.

“Chamo atenção dos deputados que têm uma formação democrática para que não coloquem tamanha nódoa em seus currículos. Não podemos aceitar um processo de vingança, de retaliação, que possa ofender nossa Constituição”, concluiu Paulo Teixeira.

Por Camilo Toscano, da Agência PT de Notícias

 

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