CPI aponta elo entre empresa fraudulenta e líder de Bolsonaro na Câmara

Apesar do silêncio de Tulio Silveira, senadores revelaram ligação do advogado da Precisa com a VTCLog, envolvida em contratos superfaturados na Saúde. Operações levam às digitais de Ricardo Barros

Um esquema de tráfico de influência em torno da compra da vacina Covaxin e em outras negociações suspeitas no Ministério da Saúde de Bolsonaro foi escancarado pela CPI da Covid, nesta quarta-feira (18). Munido de um habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o advogado da Precisa Medicamentos Tulio Silveira abusou do direito de ficar calado, embarcando em um silêncio mais do que incriminatório. De cara, o advogado Silveira não aceitou o compromisso de dizer a verdade na oitiva. Mas seu silêncio não foi o bastante para impedir que senadores descortinassem ligações suspeitas de Silveira com outra empresa investigada pela CPI, a VTCLog, para quem prestou serviços como advogado.

Após inúmeras recusas a responder perguntas, e por sugestão de parlamentares como Rogério Carvalho (PT-SE), o relator Renan Calheiros (MDB-AL), informou que Silveira passou à condição de investigado pela CPI. Ele negou ter participado de tratativas para a aquisição da vacina mas confessou que abriu escritório de advocacia e passou a representar a Precisa em fevereiro, mesma época em que a empresa atravessadora apresentou contratos fraudados para a venda de 20 milhões de doses da Covaxin por R$ 1,61 bilhão. O valor foi o mais caro por dose já oferecido ao governo. Curiosamente, a vacina indiana foi a única pela qual Bolsonaro demonstrou real interesse em comprar, enquanto milhares de brasileiros morriam diariamente por falta de imunizantes. 

Na oitiva, o advogado foi desmentido por Carvalho, que exibiu troca de e-mail entre a representante da Precisa, Emanuela Medrades, e o consultor técnico do Ministério da Saúde William Santana. Nas mensagens, ela se refere a Silveira como diretor de contratos da empresa. Os senadores também exibiram vídeo de uma audiência ocorrida em março, no Senado, na qual Tulio Silveira fala como representante da Precisa. Ele chegou a tratar de prazos para a entrega de vacinas.

A fabricante Bharat Biotech acabou por desautorizar a empresa a representá-la e rescindiu o contrato com a Precisa depois que as tentativas de fraude no contrato foram expostas na CPI.  “Um conjunto de irregularidades permeou essa tentativa de comprar a Covaxin”, apontou Carvalho, ressaltando a participação de membros do governo. “Algumas pessoas se aproveitaram desse momento para levar vantagens através dessa intermediação”, disse.

“A CPI tem cumprido um papel preventivo para garantir a compra de vacinas. Que bom que está funcionando interrompendo esse ciclo de intermediação, um processo claro de corrupção. Isso é crime hediondo”, acusou.

VTCLog e Ricardo Barros

A CPI desvendou uma conexão entre Silveira e a empresa VTCLog, cuja atuação na Saúde aponta para Ricardo Barros, líder do governo Bolsonaro na Câmara e ex-ministro da Saúde no governo Temer. Um dos donos da Precisa, Francisco Maximiano, é dono da Global, a empresa que deu um calote na pasta de R$ 20 milhões na época em que Barros era ministro.

O líder do governo é suspeito de ter montado um esquema de negócios na pasta e foi apontado pelo deputado Ricardo Miranda na CPI como personagem citado por Bolsonaro quando ele e seu irmão – Luis Miranda, técnico do Ministério da Saúde – denunciaram o esquema de corrupção na pasta ao ocupante do Planalto. Depois de tumultuar seu depoimento na semana passada, Barros também passou à condição de investigado pela CPI. 

O senador Humberto Costa (PT-PE) revelou que Silveira advogou 25 vezes para a VTCLog e que já atuou por um ano como consultor da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) no Departamento de Logística da pasta. “Era uma pessoa com expertise, foi contratado porque tinha trânsito dentro do Ministério da Saúde”, discorreu o senador.

Diante do silêncio constrangedor de Silveira, Costa apontou que Silveira era funcionário da Precisa, apesar de o advogado afirmar o contrário, que trabalhava como autônomo. “Ele assina o contrato do Ministério da Saúde com a Precisa na condição de testemunha, participa de reuniões de negociação, inclusive de preço de vacina, como integrante da Precisa”, revelou. “Um simples advogado não participa de reunião que discute preço, prazo e entrega”.

Conluio na Saúde

“Agora, como explicar que uma pessoa tão preparada permitiu que se assinasse um contrato com tantas irregularidades?”, questionou o senador, que exibiu ainda a documentação fraudada apresentada pela Precisa na época da negociação com a Saúde.

“São três documentos: a carta de autorização, uma representação do laboratório estrangeiro ao Brasil, é falsa, a declaração de inexistência de fatos impeditivos é falsa, a procuração da Precisa, que teria sido dada pela Bharath Biotech [fabricante da vacina], é falsa”, enumerou.

A senadora Simone Tebet lembrou da responsabilidade do Ministério da Saúde ao deixar que uma negociação eivada de irregularidades avançasse. “A documentação não poderia ter sido recebida pelo Ministério da Saúde. É importante, para que depois não se jogue nas costas só da Precisa”, apontou a senadora. “O que houve foi um conluio entre empresas privadas e o Ministério da Saúde”.

“A grande responsabilidade por tudo isso é do governo”, completou Costa. “Um governo que não tem controles, transparência, dominado pelo lobby. O Ministério da Saúde, que devia ser o mais protegido, não é. É onde os fatos ocorrem”, concluiu o senador.

Rogério Carvalho enfatizou que até a oferta da Covaxin, em fevereiro, Bolsonaro se recusava a comprar vacinas. “A gente tinha Pfizer, com 101 correspondências encaminhadas a vários órgãos de governo e não tinha vacina”, observou. “Enquanto o mundo inteiro se organizava para comprar vacinas, o Brasil negligenciava a compra de vacinas testadas”, relatou. “Nesse momento, poderíamos ter mais de 60% da população com as duas doses se tivéssemos adquirido vacinas no tempo certo”.

Da Redação

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