Dodge segurou investigações contra Bolsonaro para tentar ficar na PGR
Procuradora-geral congelou processos contra o presidente, enquanto articulava para renovar o seu mandato no comando do Ministério Público
Publicado em
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, segurou por mais de 120 dias investigações contra Jair Bolsonaro (PSL), na expectativa de ser reconduzida por ele ao comando do Ministério Público Federal (MPF). Segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo desta terça-feira (13), os processos contra o presidente só voltaram a andar na última semana, quando o nome de Dodge perdeu força na disputa pelo comando do MPF. A indicação do novo titular da Procuradoria-Geral da República (PGR) pode ser feita por Bolsonaro ainda nesta semana.
Em maio deste ano, Dodge se encontrou com Bolsonaro, quando disse estar à disposição para seguir à frente da PGR. A escolha é estratégica porque, dentre outras atribuições, é o órgão que tem a atribuição de investigar o próprio presidente da República e demais autoridades com foro especial por prerrogativa de função.
Os casos “desengavetados” por Dodge na terça-feira passada (6) envolvem a contratação de funcionários fantasmas por Bolsonaro quando era deputado federal. Contratada como assessora parlamentar, Walderice Conceição – a Wal do Açaí – trabalhava como comerciante numa praia onde o presidente possui uma casa de veraneio, na Vila Histórica de Mambucaba, a 50 quilômetros de Angra dos Reis, litoral sul do Rio de Janeiro. A suspeita é que Wal era paga com dinheiro da Câmara para cuidar da propriedade do então parlamentar.
Também contratada como assessora, Nathalia Queiroz nunca foi à Câmara dos Deputados, em Brasília, e trabalhava diariamente como personal trainer de celebridades no Rio de Janeiro. Ela é filha de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro – filho do presidente – quando ele era deputado estadual da Assembleia fluminense. Desde que passou a ser investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, Queiroz não foi mais encontrado pelas autoridades. A sua última aparição foi em janeiro deste ano, dançando, em um vídeo gravado no hospital Albert Eintein, em São Paulo, onde supostamente se tratava de um câncer.
No final do ano passado, Queiroz apareceu em relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) como tendo realizado “movimentações atípicas” de R$ 1,2 milhão em sua conta, entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, quando trabalhava com o filho do presidente. A suspeita é que ele comandava um esquema de arrecadação de parte dos salários de laranjas nomeados no gabinete de Flávio, remetendo o dinheiro à família Bolsonaro. Dentre as movimentações suspeitas, o Coaf também apontou R$ 24 mil depositados por Queiroz na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Queiroz e a filha também registraram movimentações financeiras que totalizaram R$ 84 mil, de acordo com o órgão de controle.
Vaza Jato
Na semana passada, uma das reportagens da série Vaza Jato mostra que procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato criticavam a atuação de Raquel Dodge, e cogitaram pressioná-la por meio de vazamentos de informação na mídia tradicional, por acreditarem que ela seria próxima do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes. Ele é tido como “inimigo” dos procuradores, que também agiram de maneira irregular para desgastá-lo publicamente e até mesmo pensaram em um processo de impedimento do ministro.
Como procuradora-geral, cabe a Dodge comandar o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgão de controle que investiga eventuais abusos cometidos por procuradores. Semanas antes do seu nome aparecer nas conversas dos integrantes da força-tarefa, Dodge os recebeu, em Brasília, quando ouviu do coordenador da turma, Deltan Dallagnol, que a Lava Jato não teria ultrapassado a “linha ética” e ouviu apenas recomendações sobre como não comprometer os trabalhos. Apesar das irregularidades em série cometidas pela força-tarefa, Dodge decidiu, nesta segunda-feira (12), estender por mais um ano o funcionamento da Lava Jato.