Economia criativa perde 700 mil empregos e R$ 70 bi de faturamento

Estudo do Itaú Cultural aponta que pelo menos 690 mil postos de trabalho foram extintos no setor até junho. FGV e Sebrae estimam que a queda do faturamento no biênio 2020-2021 será de R$ 69,2 bilhões, e a recuperação levará dois anos. Por falta de estrutura destinada a cultura, estados e municípios sofrem para distribuir recursos da Lei Aldir Blanc

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Abandono do governo compromete economia criativa

O universo da economia criativa perdeu 691,1 mil postos de trabalho no primeiro semestre de 2020, comparado com o mesmo período de 2019. O ‘Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural’, que monitora a evolução econômica da indústria criativa no Brasil, concluiu que o setor sofreu um golpe de 9,94%, fazendo com que as 6.958.484 pessoas que ganhavam a vida no setor em junho de 2019 se tornassem 6.266.560 um ano depois. Em comparação com dezembro do ano passado, a queda chega a 12%.

“Existem evidências de que o setor cultural foi um dos mais atingidos pela crise, e que são necessárias políticas públicas emergenciais e investimentos a fim de que o setor não entre em colapso”, dizem os pesquisadores na introdução do estudo. A análise levou em consideração os últimos números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O estudo do Itaú Cultural mostra que o impacto maior foi entre os trabalhadores mais ligados a atividades culturais. Neste caso, a queda foi de 49%, caindo de 659,9 mil trabalhadores em junho de 2019 para 333,7 mil. As atividades artesanais caíram 49,66% (132,8 mil postos de trabalho a menos). No cinema, música, fotografia, rádio e TV, são 43.845 menos postos de trabalho. O setor editorial caiu 76,85%, com 7.994 menos vagas, e as artes cênicas e artes visuais se reduziram em 43% (menos 97.823 postos).

“O setor de apoio à economia criativa foi menos impactado, já que também atua em outros ramos”, afirma Luciana Modé, coordenadora do Observatório Itaú Cultural. “Já a atividade cultural propriamente dita enfrenta enorme necessidade de reinvenção, para repensar sua sustentabilidade.”

“Como os números mostraram, se olharmos junho do ano passado e junho deste ano, perdemos 691 mil empregos neste intervalo. Se fizermos o comparativo com dezembro de 2019, a queda foi ainda maior, uma vez que, no segundo semestre do ano passado, a economia tinha se aquecido um pouco e gerado mais postos no setor. Frente a dezembro, a perda chegou à marca de 871 mil postos de trabalho, o que representa encolhimento superior a 12%”, estima o diretor do Itaú Cultural, Eduardo Saron.

“A economia criativa foi uma das primeiras a parar e será uma das últimas cadeias de produção a voltar completamente, dada a necessidade de suspensão social durante a pandemia. Cinemas, teatros, casas de espetáculos, centros culturais, tudo fechou no primeiro semestre. Toda uma longa cadeia de profissionais se viu sem trabalho de uma hora para outra. Todo o pessoal de back stage e de produção foi afetado. O desemprego atingiu toda a economia e a economia criativa não ficou imune”, lamentou.

Em entrevista à ‘Agência Estado’, Saron afirmou que a recuperação dependerá de uma série de fatores. “Precisamos superar a pandemia por meio da ciência e da medicina. A economia precisa voltar à sua plenitude e o país precisa voltar a crescer. Com emprego e renda, a economia criativa voltará a crescer, na esteira da demanda. E, em outro campo, governos, empresas e sociedade precisam compreender que o ecossistema da economia criativa é fundamental para o desenvolvimento do país e precisa ser bem cuidado. O setor gera emprego, renda e bem-estar social”, defendeu.

Queda de faturamento atingiu 88,6% do setor

Outro estudo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), levantou os impactos econômicos da crise do coronavírus na economia criativa.

De um universo de 546 empresas pesquisadas entre o final de maio e meados de junho em todas as regiões do Brasil, 88,6% registraram queda de faturamento, e 63,4% afirmaram ser impossível manter as atividades durante o período de isolamento social. Além disso, quatro em cada dez negócios do setor tinham dívidas ou empréstimos em aberto.

A economia criativa – que engloba os ramos cultural e artístico, produção editorial e audiovisual, arquitetura, design e tecnologia – é formada por 300 mil empresas e instituições. Elas empregam 4,9 milhões de profissionais e respondem por 2,64% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, conforme dados de 2017.

O setor cresceu a uma média anual de 4,6% em 2018 e 2019, quando gerou um PIB de R$ 190,5 bilhões. A queda estimada para o biênio 2020-2021 é de R$ 69,2 bilhões, e a previsão é que a recuperação total só deve ocorrer a partir de 2022.

Um dos maiores entraves para a recuperação da economia criativa é a dificuldade de acesso a crédito pelos pequenos e microempresários da cultura. Cerca de 35% dos respondentes da pesquisa afirmaram ter tentado obter empréstimo junto a uma instituição financeira, mas só 4,6% deles conseguiram a liberação da verba.

“Uma resposta que o Brasil ainda não conseguiu dar nesta crise foi fazer chegar recursos às micro e pequenas empresas como forma de empréstimo”, afirma Luiz Gustavo Barbosa, gerente executivo da FGV Projetos. Ele lembra que isso não ocorre só com o setor cultural, mas nesse caso específico, há fatores culturais que dificultam ainda mais a concessão de empréstimos.

Por um lado, grande parte do setor é formado por micro e pequenos empresários que não têm o hábito de se endividar para crescer. Por outro, os bancos não têm tradição de lidar com a área, além da questão da garantia, já que boa parte dos ativos do setor cultural são intangíveis ou de valoração subjetiva.

Diante desse cenário, a pesquisa mostra que 71% consideram extremamente importante a abertura de linhas de crédito para capital de giro em condições facilitadas, e o mesmo patamar quer a renegociação de condições de empréstimos já realizados.

Outra pesquisa do Sebrae, feita entre 28 de setembro e primeiro de outubro com mais de seis mil empresários de todos os 26 estados e do Distrito Federal, confirmou que a economia criativa e o turismo amargaram as piores perdas de faturamento. Segundo o levantamento, a economia criativa sofreu queda de 67% nos ganhos, comparando com o ano passado. Sobre o fluxo de caixa, 31% das empresas ouvidas possuem empréstimos em aberto e com atraso no pagamento das parcelas.

Lei Aldir Blanc travou em várias cidades

O que a maioria dos respondentes da pesquisa do Sebrae (82%) mais quer é a abertura de editais para o setor cultural, que foram restringidos durante o desgoverno Bolsonaro, seguido da ampliação de patrocínio a projetos por empresas estatais (81%).

O Observatório da Economia Criativa da Bahia, em parceria com algumas secretarias de Cultura, foi precursor em lançar a pesquisa ‘Impactos da Covid-19 na Economia Criativa’, ainda em março. Desde abril vêm sendo publicados boletins com resultados parciais sobre os impactos da pandemia no setor. Eles têm apontado uma grande preocupação dos agentes culturais em relação à implementação da Lei Aldir Blanc.

Elaborada em caráter de emergência em julho, a Lei nº 14.017/2020 prevê o repasse de R$ 3 bilhões para estados e prefeituras implementarem programas de apoio ao setor cultural. No entanto, centenas de cidades não aproveitaram a oportunidade – e as que toparam agora encaram o desafio de distribuir os repasses até a virada do ano.

Para os agentes culturais, a falta de diálogo entre prefeituras e o setor, a excessiva burocratização institucionalizada em torno da lei e a precária estrutura humana e física dos órgãos públicos dificultam o andamento da Lei Aldir Blanc. Outra crítica é a cobrança de imposto de 27,5% sobre as premiações oferecidas pelos editais.

O processo de distribuição de recursos é complexo. A Lei Aldir Blanc é dividida em três incisos. O primeiro diz respeito à renda emergencial para trabalhadores. Já o segundo trata do subsídio a espaços culturais. O terceiro são editais, prêmios e aquisição de bens e serviços. Para facilitar a divisão de tarefas, os estados ficaram com responsabilidade sobre os incisos I e III, enquanto os municípios tomaram para si os incisos II e III.

Aí começam os problemas. Apesar de os municípios serem os únicos responsáveis por repassar recursos da lei às instituições culturais, nem todos estão preparados para operar esse mecanismo. Outras sequer têm uma secretaria dedicada à cultura.

Por conta disso, alguns municípios não apresentaram um plano de ação em tempo hábil para o governo federal e acabaram sem receber o recurso, que deve ser repassado ao setor cultural até 31 de dezembro. O que não for distribuído volta para os cofres da União.

A média nacional dos municípios que não receberão os recursos ofertados pela lei é de 20,73%. Roraima lidera a lista dos sem plano, com 50,95% cidades sem cadastro, e o Amapá e o Distrito Federal foram os únicos com todos os municípios com o documento aprovado.

Da Redação

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