Eletrobras: é preciso crescer mobilização para barrar crime de lesa-pátria
Coletivo Nacional dos Eletricitários convoca a sociedade a aderir à luta contra a privatização. TCU volta a se reunir em março para analisar a segunda fase do processo
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“Agora, o famoso mercado está com os olhos brilhando.” Assim o ministro Vital do Rêgo reagiu ao resultado da primeira votação do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a privatização do Sistema Eletrobras, nesta terça-feira (15). Revisor dessa fase do processo, Vital do Rêgo antecipou em seu voto-vista que a privatização da Eletrobras nos moldes propostos pelo desgoverno Bolsonaro e recomendados pelo relator, Aroldo Cedraz, pode levar a um aumento de 4,3% a 6,5% ao ano nas tarifas.
As perdas para os cofres públicos devido à subavaliação da Eletrobras, prosseguiu o ministro do TCU, chegam a pelo menos R$ 63 bilhões. O “time” de Bolsonaro a avaliou inicialmente em R$ 60 bilhões, corrigindo o valor para R$ 67 bilhões após ressalvas do ministro Cedraz, mas os técnicos do TCU avaliaram o negócio em R$ 130,4 bilhões.
Eu espero que os empresários sérios que querem investir no setor elétrico brasileiro não embarquem nesse arranjo esquisito que os vendilhões da pátria do governo atual estão preparando para a Eletrobrás, uma empresa estratégica para o Brasil, meses antes da eleição.
— Lula (@LulaOficial) February 16, 2022
Já os dirigentes da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras (Aesel) e da Associação dos Empregados da Eletrobras (Aeel) estimam que a Eletrobras vale, no mínimo, R$ 400 bilhões. Para Victor Costa, diretor-presidente da Associação dos Empregados de Furnas, o grande escândalo dessa negociata, se não for contida, é que serão lesados tanto os cofres públicos quanto os consumidores em sua totalidade.
“Agora é hora de brasileiros e brasileiras se unirem em consolidação de forças pra resistir à privatização”, pregou o integrante do Coletivo Nacional dos Eletricitários (CNE) em entrevista a Amanda Guerra, do Jornal Rádio PT, nesta quarta-feira (16).
O representante da categoria recorre a uma fala do economista Eduardo Moreira para apontar a real motivação dos idealizadores da privatização da Eletrobras, ainda sob o usurpador Michel Temer: “Os cargos no governo parecem portas giratórias de bancos, em que agentes transitam entre o mercado e o governo, em conflitos de interesses”.
“O ex-presidente da Eletrobras está em uma empresa privatizada; o Eduardo Guardia, que era ministro da Fazenda na época, hoje é CEO do BTG Pactual; o Mansueto, que era secretário do Tesouro, também hoje é CEO do BTG Pactual”, exemplifica Victor.
“O presidente do Banco Central em 2017 passou pelo Credit Suisse e agora está no FMI; o ex-secretário de Energia está na Abrace, que é uma associação de grandes consumidores de energia; e o ex-presidente da EPE (Empresa de Pesquisa Energética) está na PSR (empresa de consultoria do setor elétrico), que desde 2020 também é do BTG Pactual”, prosseguiu o dirigente.
“Desde Temer, os agentes de governo, que deveriam atender a interesses públicos, atendem a interesses privados e transitam entre o governo e os grandes bancos, os grandes setores financeiros”, afirma Victor Costa. “Então, a motivação para entregar a Eletrobras, as subsidiárias e refinarias da Petrobras está muito relacionada a atender interesses específicos de um setor da sociedade que não é produtivo, é financeiro.”
O representante dos eletricitários afirmou ainda que a esses grupos específicos viram no golpe contra Dilma Rousseff, em 2016, uma oportunidade – que está acabando – de conseguir, a toque de caixa, a qualquer custo, privatizar as grandes estatais brasileiras. Num contrassenso com o que se faz no mundo.
“Depois de 30 anos da onda neoliberal na Europa, centenas de municípios e países estão reestatizando serviços de infraestrutura como saneamento e energia porque constataram que não existia interesse nesse período de investimento e expansão” aponta Victor. “A política de privatização retrógrada de Paulo Guedes não deu certo, mas no Brasil ela volta à tona para atender interesses específicos.”
PT na luta para conter o “crime de lesa pátria”
O processo descrito por Victor foi qualificado pela presidenta nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), como “crime de lesa pátria” nas redes sociais.
CRIME DE LESA PÁTRIA! TCU aprova privatização da Eletrobras, mas valor calculado pelo governo Bolsonaro foi contestado. Estatal estratégica brasileira que nem deveria ser vendida vale pelo menos R$ 130,4 bilhões, e não R$ 67 bi. O dobro do preço! Vamos à justiça!
— Gleisi Hoffmann (@gleisi) February 15, 2022
O deputado federal Henrique Fontana (PT-RS) chamou a atenção para o aumento dos preços da energia e a queda da qualidade do serviço resultantes desse “crime contra a soberania nacional”. “A privatização da Eletrobras é a cloroquina do setor elétrico. Porque não cura e pode atar o setor com tarifaço e apagão”, completou o deputado federal Pedro Uczai (PT-SC).
Governo Bolsonaro segue desmontando o patrimônio dos brasileiros. A privatização da Eletrobras vai fazer o preço da energia subir e a qualidade do serviço cair. E é um crime contra a soberania nacional! #EletrobrasPública #Eletrobrashttps://t.co/lyO3VC1wbY
— Henrique Fontana (@HenriqueFontana) February 15, 2022
LAMENTÁVEL! O plenário do Tribunal de Contas derrotou o voto discordante do ministro-revisor Vital do Rêgo e aprovou, em sessão extraordinária nesta terça-feira (15), a continuidade da privatização do Sistema Eletrobras. Se privatizar, a conta vai aumentar! #EletrobrasPública
— Pedro Uczai (@uczai) February 16, 2022
Em discurso pronunciado após a sessão do TCU, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) classificou a privatização da Eletrobras como “a mais grave, mais complexa e mais inconsequente das privatizações” em andamento no país. Ele destacou que os próprios ministros do tribunal indicaram a discrepância de valores.
“Sou daqueles que acreditam que (…) cabem boas privatizações e más privatizações, privatizações necessárias e privatizações totalmente desnecessárias, equivocadas e, algumas vezes, até mal-intencionadas e criminosas, e essa se encaixa nesse último grupo”, declarou.
“Estamos falando aqui de uma privatização sutil, simplista, quase escamoteada da holding do sistema elétrico brasileiro e, abaixo dela, de todos os guarda-chuvas regionais que cada um de nós, na sua região, conhece muito bem”, prosseguiu. “Isso está sendo feito via diluição do capital e perda do controle acionário. O governo brasileiro está abrindo mão do controle acionário da Eletrobras nesse processo ainda em curso.”
Prates também lembrou que haverá uma segunda parte a ser averiguada pelo TCU, programada para março, além de ações e judicializações cabíveis por inúmeras razões. “Há muita coisa grave nesse processo, porque o valor adicionado, subestimado, que está colocado como preço para essa venda, não incorpora uma série de coisas que a Eletrobras faz e fará”, finalizou o senador.
Resistência nas ruas, instituições e redes sociais
Resistência elétrica é a capacidade de oposição à passagem da corrente elétrica, mesmo quando há diferença de potencial aplicada. “Ainda temos capacidade de resistir”, ressaltou Victor Costa, lembrando que os eletricitários vêm lutando desde 21 de agosto de 2017, quando Michel Temer anunciou o interesse em entregar o Sistema Eletrobras.
Nesta terça, embora não tenha sido acompanhado pelos pares, o voto de Vital do Rêgo encontrou ressonância na vida real. Do lado de fora do TCU, houve manifestação de trabalhadores contra a privatização. A Federação Nacional dos Urbanitários (FNU-CUT) divulgou carta aberta aos ministros do TCU alertando que a venda da Eletrobras “vai intensificar a crise e desmantelar a maior empresa elétrica da América Latina, a única que pode manter o sistema estável, garantindo segurança energética para a população”.
“O processo, quando é poluído e açodado, como esse da Eletrobras, cheio de números escandalosos e fraudes denunciadas, sempre encontra dificuldade maior para seguir adiante”, comentou Victor no Jornal Rádio PT. “Por mais que em algum momento eles passem, todo mundo quer saber o porquê de tanto descasamento de contas.”
Segundo o Coletivo Nacional dos Eletricitários, há um “festival de irregularidades” em torno da Eletrobras, que estaria contaminando, inclusive, o balanço de 2021 da companhia, “com os números de referência para a privatização”. Nesta segunda-feira (14), véspera da sessão do TCU, a empresa anunciou o adiamento para março da divulgação do balanço, inicialmente marcado para o dia seguinte à assembleia dos acionistas da Eletrobras, na próxima terça-feira (22).
O Conselho Nacional dos Consumidores de Energia Elétrica (Conacen) encaminhou ao TCU um pedido de nova análise sobre a privatização. E sugere que o tribunal peça à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) estudos de impacto regulatório e tarifário. Existe receio de que haja novos aumentos das tarifas de energia.
“Isso é reflexo da forma como o governo tratou todo esse processo, porque não houve estudos detalhados em várias frentes. Impacto tarifário, por exemplo, não tem. Nunca foi apresentado”, exemplifica a vice-presidenta do Coletivo Nacional dos Urbanitários (CNU), Fabíola Antezana, ao se queixar dos riscos já levantados por especialistas sobre a previsão de salto no preço da energia.
Victor Costa lembrou que “esse governo dura menos que o tempo de uma gravidez, em outubro já tem um processo eleitoral, tem toda uma indicação de mudança de governo”. “Agora é hora do sprint final, mas não basta que só os eletricitários resistam”, afirmou o eletricitário. “Cabe a nós fazermos todas as denúncias, estabelecermos nossas trincheiras e fazermos nossa resistência como temos feito”, finalizou.
Da Redação, com informações da Agência Senado